segunda-feira, 18 de abril de 2011

O gênero "favela movie" está esgotado? Tomara, pelo bem do cinema brasileiro

O diretor André Klotzel (A Marvada Carne, Memórias Póstumas) afirmou o seguinte em entrevista ao jornal Visão Oeste, sobre o cinema rotulado de “favela movie”: “Acho que o gênero se esgotou, pode ser que consiga se renovar. Não tenho interesse em fazer”.

A favela como cenário e tema de filmes de violência explícita realmente já deu o que tinha que dar, se é que acrescentou algo à história do cinema brasileiro mais importante. Eu, particularmente, acho que esse “gênero” catalogado a partir do sucesso de Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002) não só não acrescentou nada como foi prejudicial. Já cansei de ouvir amigos reclamarem dessa cansativa insistência na estética da violência importada do cinema hollywoodiano. Insistência movida a lucro, diga-se.

Cidade de Deus: a estética da violência
Há um ano, falando de seu filme A Alegria (realizado com Marina Méliande), por ocasião de seu lançamento na Quinzena dos Realizadores, em Cannes, o diretor Felipe Bragança comentou em entrevista ao Uol: “Estou muito curioso para saber qual será a reação do público francês, porque é um filme que não fala de favela, violência, tráfico, que são assuntos comumente associados ao cinema brasileiro pelo público estrangeiro. Acho que vão se surpreender”.

Além de serem apelativos, violentos e visarem o lucro na esteira do fenômeno Cidade de Deus com estética do cinema norte-americano mais pobre, esses filmes, entre os quais Carandiru (Hector Babenco, 2003), Tropa de Elite (José Padilha, 2007) e Show de Bola (Alexander Pickl, 2008) criam uma imagem estereotipada não só das favelas, como se ali só existisse a violência, o tráfico e a morte, como também do cinema brasileiro, como notou educadamente o diretor Felipe Bragança na citação acima.

Sabatella e Santoro em
Não por Acaso: ótimo cinema

Se a violência é uma das matérias primas do cinema, isso não quer dizer que essas produções reducionistas e mercadológicas chamadas “favela movie” sejam positivas ao cinema nacional, que é mais do que capaz de realizações fortes, bons ou ótimos filmes, sem apelar para tiros e sangue jorrando. Não por Acaso (Philippe Barcinski – 2007) e Viajo porque Preciso, volto porque te Amo (Marcelo Gomes e Karim Aïnouz), que já resenhei aqui, entre tantos outros, são dois exemplos de como o cinema nacional pode ir longe sem os clichês da violência e tinta vermelha nas favelas.

E não se trata aqui de fazer um libelo contra a violência no cinema. Longe disso. Eu mesmo sou um amante do bom western, pelos motivos que já disse no blog ao escrever sobre Sérgio Leone, e de filmes magistrais em que a violência é tema, como Pulp Fiction, O Poderoso Chefão etc. Trata-se apenas de dizer que, se a moda “favela movie”, limitadora e movida a dólares, além de esteticamente ruim, está esgotada, já vai tarde. Como escreveu Yana Kaufmann no Observatório da Imprensa em 12/4/2011, "Esperamos assistir em breve a evolução do cinema nacional, feita de liberdade, possibilidades e novos universos temáticos".

4 comentários:

Anônimo disse...

Este tema, favela movie, ganhou uma visão no mínimo diferente nos curtas da obra "4x favela", feita pelos próprios moradores de uma favela no rio. Vale a pena assistir. A violência esta presente nos roteiros, assim como na favela, mas passa longe de um filme americano.

Eduardo Maretti disse...

Creio que você esteja se referindo a "5x Favela – Agora por nós mesmos".

Foi o diretor Cacá Diegues quem iniciou esse projeto, com oficinas de capacitação na área de cinema para jovens de favelas do Rio. O objetivo de Cacá foi possibilitar aos moradores de favelas a construção de sua própria identidade, ou sua versão dos fatos.

O filme "5xFavela – Agora por nós", porém, "não conseguiu se livrar dos estereótipos relacionados às favelas", segundo Yana Kaufmann em artigo citado no post, que pode ser acessado aqui:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=637FDS011

"5xFavela" tem como referência inegável o filme "Cinco vezes Favela" (de 1962), do Cinema Novo, com cinco episódios, dirigidos por Marcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman.

Paulo M disse...

Esse tema já era mesmo. O cinema brasileiro tem de tratar de coisas mais universais, embora eu goste de "Carandiru" e "Cidade de Deus" ("Tropa de elite" é péssimo) como abordagens de uma realidade que a Europa não conhece tanto, exceto pela sensibilidade de
Luis Buñuel, por exemplo, em Los olvidados (é até pecado compará-lo). Mas no Brasil mesmo há filmes que vêem a realidade social mais poeticamente, penso, sem se tornar escravos da necessidade midiática e comum da violência ("Pixote" e "Vidas secas"). Fora disso, outros dois que, pra mim, tb valem a pena: "Sem controle", do Cris Damato, e "Abril despedaçado", do Walter Sales.

Eduardo Maretti disse...

Boas lembranças, Paulo M, apesar de não estarem os filmes necessariamente vinculados ao tema favela.

Curioso é que eu ia acrescentar um "PS" lá no post, para dizer que o filme sobre favela que eu ainda mais gosto é do Nelson Pereira dos Santos, "Rio 40 Graus" (1955), embora este tenha como tema a favela e os negros a partir da visão branca da zona sul do Rio, como diria um sociólogo. A malandragem ali ainda era meio romântica, e o filme é basilar no Cinema Novo.

"Rio 40 Graus" que é do mesmo diretor Nelson Pereira do "Vidas Secas" citado por você...