quarta-feira, 29 de abril de 2015

Fuzilamento na Indonésia: quatro dias na cela do condenado


Reprodução



O paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte, 42, foi fuzilado na tarde desta terça-feira (28) na Indonésia, depois de 11 anos de batalha nos tribunais deste pais asiático para escapar da condenação à morte por narcotráfico.

A família tentou até a última hora obter clemência alegando que ele estaria esquizofrênico.

Passei quatro dias conversando com Rodrigo em fevereiro de 2005, na cela dele. Perguntei se ele entendia os riscos e consequências de seu ato – ele foi preso pela alfândega local com seis quilos de coca escondidos em pranchas de surf, em julho de 2004.

Resposta: “Se a parada tivesse dado certo eu estaria surfando em Bali, cercado de mulheres”.

Não deu certo. Preso, ele confessou o crime e foi condenado à morte. Rodrigo enfrentou o pelotão de fuzilamento na companhia de um padre católico irlandês. O último pedido dele à prima Angelita Muxfeldt foi para ser enterrado em Curitiba. Há controvérsias sobre o estado mental dele na hora final.

A mãe, dona Clarisse, que lutou o bom combate para salvá-lo, não quis assistir o filho que trouxe ao mundo ser morto tão longe. A prima encomendou uma cruz de madeira artesanal para o caixão e vai trazer as cinzas dele para casa.

O Rodrigo que eu entrevistei na cadeia me pareceu um sujeito muito normal – pode ser que tenha pirado depois.

As autoridades indonésias afirmavam que ele fingia a doença para escapar da condenação.

Rodrigo era um traficante light. Fazia a rota Floripa-Bali-Amasterdã-Floripa para o traficante da pesada Dimi Papageorgiou, um carioca de pais gregos, apelidado de “barão do ecstasy”.

Rodrigo fizera várias viagens de “ensaio” para trazer ecstasy do exterior. Na primeira tentativa de levar tanta coca para Bali ele caiu. Dimi o visitou na cadeia, mas na volta ao Brasil foi preso pela PF.

Trechos das conversas na cadeia

O que mais me impressionou em 2005 foi o clima irreal na cadeia de Tangerang (subúrbio de Jakarta), onde Rodrigo e o carioca Marco Archer – fuzilado em janeiro – eram celebridades.

Entre a quarta-feira 9 e o sábado 12 de fevereiro, eles deram muitas gargalhadas relembrando suas aventuras.

Os dois não estavam nem aí para a possibilidade de enfrentar o Criador, via pelotão de fuzilamento, ou passar o resto de suas vidas presos na Ásia. Se sentiam como se tudo fosse apenas uma bad trip.

Rodrigo foi mais usuário do que traficante. Começou cheirando solvente aos 13 anos.

Dona Clarisse, a mãe de Rodrigo, mobilizou o Itamaraty para protegê-lo. Apelou para Lula, Dilma, papa Francisco e ao presidente da Indonésia, sempre sem sucesso.

Havia uma expectativa otimista no Itamaraty. No início, alguns diplomatas acreditavam que seria possível reduzir a pena de Rodrigo para prisão perpétua, em segunda instância, negociando em dinheiro uma redução maior ainda na terceira, para 20 anos, com soltura em sete, talvez 10 – na época o Judiciário indonésio adotava uma regra não escrita de trocar tempo de encarceramento por uma pena pecuniária.

Os custos para dar jeitinho nas sentenças e as despesas para manter Rodrigo numa cela cinco estrelas eram calculados em 200 mil dólares – a mãe dele é rica e tentou pagar.

Mudanças políticas na Indonésia acabaram com o projeto de resgate por dinheiro.

No julgamento de Rodrigo, em 2005, já era possível prever. O povo muçulmano lotou o tribunal e pedia ‘‘morte aos traficantes ocidentais cristãos’’, descrição na qual se encaixam Rodrigo e Marco Archer.

O pedido da massa deixou o governo firme para rejeitar as campanhas internacionais por direitos humanos, livre de dúvidas existenciais sobre a pena de morte.

Nos momentos de maior delírio Rodrigo sonhava em voltar às praias de Floripa e contar aos amigos como escapou daquela fria.

Ele admirava muito Marco Archer. Eu pedi um exemplo da vida dele, Marco: “Ué, viajou pelo mundo todo, teve um monte de mulheres, foi nos lugares mais finos, comeu nos melhores restaurantes, tudo só no glamour, nunca usou uma arma, o cara é demais.”

Ele me disse aquilo e parou por alguns segundos. Refletiu um pouco e me pediu ajuda: “Por favor, brother, quando você for escrever, dê uma força, passe uma imagem positiva nossa, pra ajudar na campanha” (pela libertação).

Então diga lá o que você vai fazer quando for solto: “Bota aí que eu quero trabalhar 10 anos pro governo dando palestras pra crianças sobre a roubada que é o tráfico”.

Ele disse isto e saboreou o efeito das palavras. Tragou seu Marlboro. Parecia sério, até jogar a fumaça pra cima. Quando soltou tudo, o corpo já estava se chacoalhando. É que ele não conseguiu conter o riso.

Glória na cadeia

Rodrigo se exibiu para mim deslumbrado com a prisão, seu momento de glória: “Somos (com Marco) os únicos entre 180 milhões de brasileiros” (hoje o Brasil já tem 200 milhões).

Ele parecia deslumbrado com a notoriedade obtida com o narcotráfico – cujo pico de audiência é entre jovens ricos praticantes de esportes radicais.

Rodrigo queria botar um diário na internet, coisa que nunca faria.

Enquanto Rodrigo esteve em Tangerang ele comprou privilégios: “Aqui é como numa pousada, muito legal, só que jogaram a chave fora”, me disse. Parecia satisfeito, mesmo sendo acostumado ao conforto de sua suíte com sauna, na casa da família, em Curitiba.

Enquanto os 1300 presos muçulmanos viviam amontoados em 10 por jaula, ele tinha uma exclusiva. Equipada com TV, ventilador, geladeira, forno elétrico, som pauleira, jardim privativo. Ele criava pássaros, bonsais e a gata Tigrinha.

Ele usava os presos pobres como faxineiros cabeleireiros e pedicures. Podia receber gente sem formalidades, todos os dias. Rodrigo foi visitado pela família, pela namorada, a empresária carioca Adriana Andrade, e pelo parceirão Papageorgiou.

A balada na cadeia não parava nunca. Rodrigo também tinha uma namorada local, prima de outro condenado, em quem dava uns amassos na sala do comandante – subornado para usar o sofá.

Podia consumir ecstasy e outras drogas. Nas noites quentes rolava um chopinho gelado, cortesia de um chefão local, preso no mesmo pavilhão.

Como Tangerang é uma prisão provisória, nos arredores de Jacarta, Rodrigo vivia como naquela piada da hora do recreio no inferno. O secretário do diabo poderia anunciar o fim dos privilégios a qualquer momento.

Este dia finalmente chegou. Depois de sentenciado, ele foi transferido para a ilha onde seria fuzilado – um Carandiruzão com 10 mil presos muçulmanos.

Nas drogas desde os 13

Rodrigo nasceu em Foz do Iguaçu. É neto de latifundiário produtor de soja, filho de mãe milionária. O pai é um médico gaúcho de Santana do Livramento, Rubens Borges Gularte – fragilizado pela idade e por uma doença, ele desistiu de tentar salvar o filho. Era tudo com a mãe.

Aos 13, já em Curitiba, Rodrigo começou nas drogas, cheirando solventes. “Era um garoto maravilhoso, a alegria da família, nunca levantou a voz”, isso é tudo o que a mãe contava dele naquela época.

Com 18 foi preso fumando um baseado no parque Barigüi. O pai queria deixar que ele fosse processado. A mãe não concordou, subornou um delegado com mil dólares pra soltar o garoto: “Se fossem prender todos os que fumam”, justificou dona Clarisse.

O garoto ganhou seu primeiro carro. Botou amigos dentro e saiu pela América Latina como um Che Guevara mauricinho, bebendo e se drogando. “Fiz cada loucura”, me contou.

Aos 20 Rodrigo era um rapaz de 1,84m, magrão, modos educados, cheio de namoradas. Teve um breve romance com a professora catarinense Maria do Rocio, 13 anos mais velha, fazendo Jimmy, hoje com 23, autista. Raramente via o filho: “Eu não estava preparado para a paternidade”, disse – no dia do fuzilamento Rocio e o filho não foram localizados.

Rodrigo contou que viajava muito, na piração total: “Em Marrocos, fumei o melhor haxixe”. No Peru: “Coca da pura”. Na Holanda: “Ecstasy de primeira”.

Aos 24, sai bêbado e drogado de uma festa. Bate o carro num táxi, tenta fugir, bate noutro carro, abandona tudo e corre pra casa da mãe. Ela dá uma volta na polícia, chama um médico, interna o garoto.

Na ficha de internação, o médico anotou: “Mostrou onipotência, estava depressivo” – o diagnóstico de esquizofrenia só apareceria na reta final do fuzilamento.

Nos anos seguintes a mãe fez de tudo para ele dar certo. Abriu para Rodrigo uma creperia, em Curitiba. Não deu. Uma casa de massas, em Floripa. Não deu. Mandou pra fazenda da família. Não deu. Rodrigo foi estudar no Paraguai. Não deu. Ele se matriculou na UFSC. Não deu.

Rodrigo começou no tráfico: “Fiz várias viagens à Europa só para trazer skunk”, confessou pra mim.

“A cocaína é do mal”

A prisão: “Os carinhas (Dimi e seus asseclas) me deram as pranchas com cocaína dentro (em Floripa). Embarquei em Curitiba, onde o raio x é ruim, pra desembarcar em Jakarta”.

Ele se lamentou: “Só depois soube que os japoneses doaram um raio x potente pros indonésios, eles pegaram a droga”.

Rodrigo filosofou: “Meu erro foi a coca. O skunk é energia positiva, o ecstasy dá um barato legal, mas a cocaína é do mal”.

O desabafo: “Se a parada tivesse dado certo eu estaria surfando em Bali, cercado de mulheres”.

terça-feira, 21 de abril de 2015

30 anos depois da morte de Tancredo, Brasil de Aécio Neves ainda discute o golpismo udenista


Reprodução
Tancredo com o então jovem neto (materno) Aécio Neves

Em 21 de abril de 1985 morria Tancredo Neves. Nós que éramos jovens naquela época víamos o primeiro presidente civil, desde a implantação da ditadura em 1964, como uma esperança, apesar de Tancredo ter sido eleito num colégio eleitoral. Para alguns jovens de hoje – considerando os que nasceram a partir da década de 1980 –, dizer que Tancredo era uma esperança pode soar inexplicável, ou piegas.

Mas é preciso entender que o presidente que Tancredo sucederia era o general João Baptista Figueiredo, ex-chefe do SNI em governos anteriores, quando a tortura e o assassinato eram políticas justificáveis para manter o Estado de segurança nacional. Figueiredo foi presidente como prêmio por ter cumprido com eficiência seu papel no SNI.

Tínhamos vivido tempos obscuros. Eu não vivi a época da ditadura, graças a deus, mas um grande amigo meu, da geração anterior, viveu. Foi torturado etc, assim como outros que conheci depois. Mas até hoje esse meu amigo chamado José considera Tancredo uma importante presença na política brasileira. Um homem que foi ministro da Justiça e Negócios Interiores de Getúlio Vargas. E que, diz a lenda, foi um dos mais bravos resistentes contra o golpe udenista que levou Getúlio ao suicídio.

Morto Tancredo, assume Sarney, embora muitos, ou alguns, defendessem a posse de Ulysses Guimarães. José Sarney, justamente o líder maranhense cuja carreira política começou na esteira da morte de Getúlio Vargas (1954). Sarney era da UDN. Com a extinção desta em 1965, abraçou a Arena. Depois, o PDS.

Celio Azevedo/Senado Federal
Ulysses e Tancredo

Essas poucas linhas são pra dizer que 30 anos atrás, em 21 de abril de 1985, a barra estava pesada: com a morte de Tancredo, nessa data estranhamente simbólica, não sabíamos o que aconteceria. Atrás, era Figueiredo; na frente, Sarney. Estávamos perplexos, nós com nossos vinte e poucos anos, nossa fé no futuro e nossas dúvidas.

Havia teoria da conspiração na época, não pensem que isso é uma invenção contemporânea. Tancredo havia simplesmente morrido ou tinha sido assassinado? Como saber?, a gente se perguntava.

Curiosamente, Sarney fez um governo caótico, mas não impopular. Embora de maneira tosca, e apesar do caos econômico, com o Plano Cruzado ele conseguiu de certa maneira distribuir renda. O plano determinava o congelamento de preços, trazia ao cenário os “fiscais do Sarney”, introduzia antecipação do salário mínimo para incentivar o consumo. Enfim, um governo populista, mas não impopular.

Mas depois, sim, aí veio o caos, com Fernando Collor de Mello (1990), metaforicamente o Nero (imperador romano que governou de 54 até 68 d.C.) da história brasileira.

Foi desesperador. A primeira eleição para presidente no Brasil desde Jânio Quadros (eleito em 3 de outubro de 1960) colocou Collor no poder! Não era possível enxergar futuro para o Brasil.

Collor caiu e apareceu seu vice Itamar Franco, um político fisiológico, mas que não tinha, como Sarney, origem oligárquica e coronelista. Itamar era um pequeno-burguês, um engenheiro, começara no PTB de Vargas, partido que foi extinto em 1965 junto com a UDN. Itamar foi do MDB (depois PMDB), do PL, do PRN de Collor, depois voltou ao PMDB. Mas, para encurtar a história, Itamar fez um governo populista mais ou menos como o de Sarney. O Brasil da conciliação.

Depois veio Fernando Henrique Cardoso, que propôs implantar no Brasil o neoliberalismo de Margaret Thatcher e Ronald Reagan.

Depois veio Lula, depois Dilma (e aqui, ao invés de comentar, prefiro indicar a leitura de Os sentidos do lulismo, de André Singer – afinal, conhecer a história dá um pouco de trabalho, não é tão simples assim).

Estamos em 2015, 30 anos depois da morte de Tancredo Neves, e o Brasil ainda está discutindo golpe e golpismo, sob a batuta do neto (na linhagem materna) de Tancredo, Aécio Neves, personalidade que Milan Kundera diria que está construindo sua imortalidade risível.

domingo, 19 de abril de 2015

Santos x Palmeiras, finalmente a esperada final


Reprodução Facebook

Desde a época de Pelé e Ademir da Guia, seja de que campeonato for, não havia uma final entre Santos e Palmeiras (se alguém tiver informação diferente, favor informar). Será a bem-vinda final do Paulistão 2015.

Esse é um dos últimos grandes tabus da história do futebol brasileiro.

Se o gol de placa do Geovânio (abaixo), o primeiro da vitória de 2 a 1 do Santos contra o São Paulo na Vila, fosse do Messi, a mídia (leia-se ESPN) ia ficar um mês reproduzindo como gol de craque. Mas foi do Geovânio. E no Paulistão, não na Champions League.




E o Ricardo Oliveira, brincadeira. Esse é o 9.

***
O jogo que terminou com a vitória do Palmeiras sobre o Corinthians, no Itaquerão, nos pênaltis (depois de um espetacular 2 a 2) foi melhor do que Santos 2 x 1 São Paulo. O Palmeiras tem sorte de ter o goleiro Fernando Praz, que frangou no segundo gol do Corinthians, mas salvou a pátria nos pênaltis.

Se dependesse do medíocre palmeirense “Robinho”, que bateu aquele pênalti nas nuvens, o Palmeiras tinha caído fora.

Robinho só tem um, e é do Santos. Esse do Palmeiras é Robson, como era chamado no Santos, onde nunca fez nada digno de nota.

PS (às 23:53)- O Uol divulga a informação de que "Palmeiras levou a melhor sobre o Santos na final do Paulistão de 1959". Essa informação é uma meia-verdade. O Paulista de 1959 foi disputado em pontos corridos. Palmeiras e Santos terminaram empatados e por isso tiveram de fazer uma disputa-desempate.

domingo, 12 de abril de 2015

Mídia finge que não vê encontro de Dilma e Obama


Roberto Stuckert Filho/PR
Dilma e Obama se encontram no Panamá

Não apenas a foto, mas todo o contexto que envolve a reaproximação entre os governos Dilma Rousseff e Barack Obama, na VII Cúpula das Américas, no Panamá, foi solenemente ignorado, neste fim de semana, pela mídia que as escolas de jornalismo ensinam aos incautos alunos que é “imparcial”. Dilma irá a Washington no final de junho e não vai ter como a mídia golpista ignorar dessa vez.

Neste fim de semana os chefões ignoraram. Tudo porque acharam por bem não dar boas notícias quando esperavam cerca de 3 milhões de pessoas nas ruas do Brasil, para gritar “fora Dilma”, mas não conseguiram ver nem 10% disso, apesar de a polícia do governo de São Paulo estimar em 275 mil o número de manifestantes na avenida Paulista, dado visivelmente fantasioso, para não dizer risível.

A verdade é que, apesar do bombardeio à direita e à esquerda, o governo vai lentamente saindo das cordas, como se dizia quando Muhammad Ali reinava no boxe.

Fora alguns fatos simbólicos sobre os quais escrevi em post logo abaixo (ou aqui), a Petrobras vai pouco a pouco saindo das manchetes.

A mídia omitiu informações sobre o empréstimo à Petrobras de U$ 3,5 bilhões concedido pelo Banco de Desenvolvimento da China (CDB), que se tornou público recentemente.

Na seara política (leia-se Congresso Nacional e Eduardo Cunha), as coisas começam a melhorar com Michel Temer na articulação política.

A direita udenista começa a se dar conta, mais uma vez, de que não vai ser desta vez que sua tentativa de golpe vai ser vitoriosa.

sábado, 11 de abril de 2015

Na companhia de Temer, Zuckerberg e Obama, Dilma pode estar saindo do inferno astral em abril


Robert Stuckert Filho/Presidência da República
Com Mark Zuckerberg, criador do Facebook

Posso estar enganado, mas me parece que a presidente Dilma Rousseff chega a abril com possibilidade de começar a sair do inferno astral que atravessou os três primeiros meses de seu segundo mandato.

Se sinais e movimentos querem dizer alguma coisa, esta segunda semana do mês 4 vai terminar depois de três fatos que conjugam política interna, comunicação e relações internacionais e que colocam Dilma em manchetes bastante favoráveis, inclusive como marketing, em que pese o desejo e o empenho udenista pelo fracasso do governo.

A semana começou com o anúncio de Michel Temer como articulador político do governo no lugar do inoperante Pepe Vargas, iniciativa que, talvez, se dependesse de Lula, teria sido uma das primeiras do governo que ora se inicia. 

Nesta sexta-feira (10), num movimento que pode ter mais significado do que se imagina, Dilma se reuniu com o criador e presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, na Cidade do Panamá, onde ocorre neste fim de semana a VII Cúpula das Américas. No encontro com Zuckerberg foi anunciada uma parceria do governo brasileiro com o Facebook para "desenhar um projeto comum cujo objetivo fundamental é a inclusão digital", disse Dilma.

E justamente no âmbito da VII Cúpula das Américas a presidente brasileira terá um encontro muito esperado com o presidente dos Estados Unidos. Encontro que, mesmo a contragosto dos chefões da mídia brasileira, renderá no mínimo imagens muito positivas, senão na mídia brasileira “tradicional”, pelo menos em setores menos comprometidos com a chamada burguesia nacional, que o velho Claudio Abramo (1923-1987) já considerava tacanha, e também na imprensa internacional.

A expectativa é de que o encontro com Barack Obama sirva também para selar a viagem de Dilma a Washington em 2015. Já se fala em junho. Não será uma visita de Estado (o que só poderia se concretizar em 2016), mas, mesmo assim, será um marco como retomada das relações de “alto nível” entre Brasil e Estados Unidos, interrompidas em 2013 com o escândalo de espionagem que veio a público, supostamente ou não, trazido pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden.

No caso de Obama, o encontro terá o condão de mostrar para muitos manifestantes politicamente analfabetos, que se vestem de verde-amarelo na avenida Paulista, que Dilma não está tão isolada assim. Afinal, trata-se do presidente dos Estados Unidos, que muitos desses analfabetos políticos consideram a terra prometida da Nike e do McDonald's.

Talvez, aos poucos, alguns setores da esquerda comecem a entender que o mundo inteiro passa por uma crise econômica de grandes proporções já faz tempo e que as eventuais derrotas dos trabalhadores decorrem mais do Congresso Nacional mais conservador em décadas do que de um governo até aqui politicamente fraco, é verdade, mas não desonesto.

As companhias de Temer, Zuckerberg e Obama embutem significados políticos, midiáticos e simbólicos capazes de dar novo fôlego à chefe de um governo dado como “morto” pela oposição, por seus porta-vozes midiáticos e também por muitos aliados antes mesmo de começar?

A conferir.


sexta-feira, 10 de abril de 2015

Pensamento para sexta-feira [57] – Estado laico, Obama e o Brasil





Não se trata aqui de reverenciar o presidente do país mais imperialista da Terra desde Roma. Trata-se apenas de ouvir ou ler um discurso que pode se enquadrar perfeitamente como conceituação do estado laico, que parece cada dia mais distante do nosso país. Hoje, no Brasil, ao contrário do que se poderia esperar na segunda metade do século XXI de algo parecido ao que entendemos vagamente por "evolução histórica", estamos assistindo à ascensão obscurantista de poderes que usurpam a representação parlamentar em nome de Deus.

Caso emblemático é a PEC 171/1993, proposta de 22 anos atrás, que diminui a maioridade penal de 18 para 16 anos, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na semana passada, que ao invés de trazer em suas “justificativas” dados técnicos, cita personagens do Antigo Testamento da Bíblia para argumentar a favor da tese de encarcerar os jovens. “O  profeta Ezequiel nos dá a perfeita dimensão do que seja a responsabilidade pessoal. Não se cogita nem sequer de idade: ‘A alma que pecar, essa morrerá’”, escreveu na justificativa o então deputado Benedito Domingos (PP), que depois virou deputado distrital e foi condenado a 5 anos, 8 meses e 10 dias de detenção em regime semiaberto por fraude em licitação, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Destaco do discurso de Obama, acima, essas passagens:

"O que quer tenhamos sido,  não somo mais uma nação cristã. Pelo menos não somente."

"Que passagem das escrituras deveriam instruir as nossas políticas públicas? Deveríamos escolher o Levítico, que sugere que a escravidão é aceitável?"

"...se qualquer um de nós visse Abraão no telhado de um prédio levantando sua faca, nós iríamos, no mínimo, chamar a polícia, e esperaríamos que o Departamento de Serviços às Crianças e à Família tirasse a guarda de Isaac de Abraão."

"As pessoas estão cansadas de ver a fé ser utilizada como ferramenta de ataque."

domingo, 5 de abril de 2015

sexta-feira, 3 de abril de 2015

O quintal da dona Juventude


Para Luiza



Capítulo 1

O Quintal
(Por Tania Lima, em algum dia do século passado)

O prenúncio de chuva inunda meu espírito de inquietação e o aprisiona de apreensão, emprestando-lhe o peso de um fardo. As ramagens, galhos e folhas da árvore situada na área central do quintal, que da janela investigo com os olhos imprecisos pela semi-escuridão, agitam-se numa coreografia hipnótica. Tento, em luta desigual, me desvencilhar da atração a que me submete o quintal e afasto-me resoluta da janela que emoldura o quintal. 

A convicção de não poder contra o poder da chuva amarra meus membros em impotência e mergulha meu peito em sufocação, e assim debilitada volto à janela para alimentar meus pulmões. E então aspiro o passado camuflado com o cheiro da grama molhada pela chuva diagonal, que já cai no quintal. Impalpáveis e encharcados fragmentos de história espalhados pelo quintal. Sem memória, e com a imaginação à solta, vou me apropriando do passado que não é meu e que é de todos nós, sem ser egoísta e unicamente de ninguém. 

Para além do quintal, transposto o muro, a imensidão; o infinito inalcançável. O abandono da solidão em liberdade onde fervilham bilhões de lembranças sem datas, impregnando as ruas vizinhas de melancolia, ganhando as avenidas, triunfando nos bares em boemia, cheirando a álcool, a cigarro, e a perfume de cravos e maracujás maduros; indo, embriagada e aliada ao vento noturno, levantar esvoaçante a saia da senhora que passa, e descobrir nas flácidas coxas frias, incontestáveis vestígios da mocidade passada e irremediavelmente perdida. Sobre os ombros recurvos o peso dos anos; e sob o semblante, em lugar da tranquilidade de quem aprendeu a não dar tanta importância aos assuntos mundanos, sinais da mesma angústia antes e eternamente experimentada. Em homenagem a ela, chorosa, a chuva de novo cai, impiedosa a lhe martelar nos ouvidos: por que te deixaste envelhecer, mulher? 

À mercê da chuva, agora serena, eu e o quintal, ambos devastados pela chuva. Incrédula, nele vejo, tomando forma na quase escuridão, a imagem de três meninos incólumes debaixo da chuva que é presente e incapaz de molhar o passado. Louca, esgotada, sem tempo e em vão estendo a mão através da janela, querendo voltar ou querendo trazê-los, nem sei... só sei que inexplicavelmente sinto saudade.


Capítulo 2
(Quaresma, 2015)

Em 28 de março de 2015 01:17, Alexandre Maretti escreveu: 

Bom, venho a informar-lhes que hoje,  nossa saudosa "Dona Juventude", como a Luiza chama a nossa velha árvore, que tanta sombra nos deu, foi sacrificada. Hoje, digo, dia 27. 

Não tivemos tempo nem de nos despedir dela, pois que, quando chegamos, já havia sido o feito e de nada sabíamos. Mas que assim então seja feita a vontade...um minuto para a Dona Juventude.


Date: Sat, 28 Mar 2015 12:21:13 -0300
Subject: Re: Dona Juventude
From: Carmem Luz 

Pô, lindo texto, Alê. Uma pena, pena mesmo. Adorei o nome que a Luiza lhe deu, Dona Juventude. Sei bem o sentimento sobre isso. Quando eu era ainda criança minha querida seringueira foi sacrificada. Cheguei da escola e vi o feito. Ainda lhe restavam o tronco e os galhos mais grossos, subi nela onde eu costumava estar, quase sempre, abracei um dos seus galhos e chorei muito, muito tempo.
Um minuto para a Dona Juventude... mas pelo resto das nossas vidas na memória.


Date: Sat, 28 Mar 2015 23:52:42 -0300
From: Paulo Maretti

Nossa!! me deu uma amargura agora. Me sinto como se tivesse perdido um ente. Estou chocado!
Me lembrei de um filme que vi um dia, "A árvore", que conta a história de uma garotinha (e de uma árvore) que vivia com sua família no interior acho que da Austrália. O pai dela morre e ela põe na cabeça que o espírito do pai foi morar na enorme figueira em frente à sua casa. É bonita a história e hoje me serviu um pouco de consolo.


De: Gabriel Maretti
Enviada: Sábado, 28 de Março de 2015 18:08

De qualquer maneira, faltará oxigênio no quintal.
Parabéns à Lu pelo nome. Ela está bem?
Fiquei triste. Mas não tem problema, tudo se canaliza na poesia e na música, que são mais reais e precisas do que a realidade.
Alê, o I Ching diria que é hora de sair de sob a nuvem escura e procurar o Sol.


Publicado na sexta-feira santa de 2015