segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Documentário Amy, de Asif Kapadia, desmonta a historinha contada por Mitch Winehouse



Gravação de Back to Black no estúdio: emocionante

O documentário Amy, do diretor britânico Asif Kapadia, vira a página da história contada pelo pai de Amy Winehouse, Mitch.

O filme mostra que o pai-biógrafo, que cuidava da carreira e da conta bancária da filha, era uma pessoa manipuladora, egoísta e que claramente usava Amy como escada para seus próprios interesses. O ex-marido de Amy, Blake Fielder-Civil, que a introduziu na heroína, é ainda pior. Cercada por gente como essa, seus problemas só aumentaram com o sucesso.

Sucesso que ela não fazia questão de alcançar e mesmo repelia. “Eu enlouqueceria”, disse ela antes de explodir e virar alvo da mídia, que em sua vida exerceu papel tão ou mais pernicioso do que Blake Fielder-Civil. Ao ver o documentário, fica esclarecido que a condescendência de Mitch com a agressiva perseguição da mídia e dos paparazzi a Amy foi um comportamento calculado ao escrever seu relato biográfico da filha. Ele não queria ficar mal com eles.  

A omissão dos pais diante dos problemas da filha desde sua infância é notória no filme. A própria mãe conta que Amy, ainda menina, pediu mais atitude dela, que pegasse "mais pesado". A menina nunca ouvia "não". A omissão da família diante da bulimia, por exemplo, é declarada pela mãe.

Havia pessoas sinceras e mais interessadas na saúde e bem-estar da estrela do que nos dividendos de sua arte, como Nick Shymansky, o primeiro empresário e amigo dela. O próprio depoimento do segurança, Andrew, parece demonstrar sincera dor. Mas no mundo em que Amy viveu, é preciso ser mais forte do que ela.

Amy não queria e não sabia lidar com a fama. “Se me deixarem em paz eu vou escrever músicas”, disse.

Um dos produtores diz no filme que Amy “era uma velha num corpo de jovem”.  É uma definição muito interessante. Toni Bennet declarou que Amy deveria ter sido encarada e tratada como uma Billie Holiday ou uma Ella Fitzgerald, porque “era tão grande” quanto elas.

Acho que o filme de Asif Kapadia dá exagerado destaque ao longo relacionamento com Blake. Nesse ponto poderia ter equilibrado mais, com um pouco menos de tempo dedicado aos aspectos da intimidade, e pelo menos um pouco mais de espaço à pura arte, como a cena emocionante da gravação de Back to Black com Mark Ronson.

Mas o fato importante é que Amy, de Kapadia, desmonta a historinha contada pelo mau caráter Mitch Winehouse. Não é por outra razão que a família ficou muito contrariada e afirmou que o filme é “enganador".

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A maravilhosa Amy Winehouse – e sua biografia


Para Tania Lima e Paulo Maretti
(para a gente fechar 2015 com arte e espírito)




"Ao ouvido parece afroamericana, mas é judia britânica. De aparência sexy, não faz uso desse recurso. É jovem, mas tem voz de velha. Canta com sofisticação, mas fala grosso. Suave na melodia e agressiva nas letras." (jornal The Guardian)


Certa vez perguntaram ao Chico Buarque qual o melhor livro que já tinha lido (aquele tipo de pergunta tola de jornalista). “O melhor livro é sempre o último que a gente lê”, respondeu ele. Nem sempre essa sentença se aplica. Não dá pra dizer, por exemplo, que Amy – minha filha (editora Record - 2012), de Mitch Winehouse, que acabo de ler, seja melhor que Os degraus do Pentágono, de Norman Mailer, que li antes.

Mas é muito agradável a leitura da biografia de Amy Winehouse escrita (na verdade, ditada) pelo pai. Claro, isso para quem gosta e admira Amy e ama sua música (como eu), mas quer saber como se deu a trágica história da cantora e compositora nascida num hospital no norte de Londres, em  14 de setembro de 1983, mesma cidade onde morreu em 23 de julho de 2011.

Ela nasceu “em típico estilo Amy: chutando e gritando”, conta o pai-biógrafo. “Juro que seus gritos eram mais altos do que os de qualquer bebê que jamais ouvi. Gostaria de dizer a vocês que eram melodiosos, mas não – eram só altos. Amy estava 4 dias atrasada, e isso nunca mudou. Por toda sua vida, ela sempre chegou atrasada.”

Infelizmente, com seu espírito atormentado, Amy Winehouse só produziu dois discos em sua carreira: Frank e Back to Black, sua obra-prima, que a levou ao apogeu. Este álbum tem algumas de suas canções mais importantes (como a que dá nome ao CD e "Rehab", por exemplo). Porém, a história de Back to Black se mistura à própria tragédia: as experiências das quais Amy trouxe a inspiração visceral para produzir Back to Black (álbum e canção) vieram essencialmente de seu relacionamento apaixonado e turbulento com Blake Fielder-Civil, que a introduziu na heroína e outras drogas pesadas, um jovem perdido, sem rumo.

Mesmo assim, não foram as drogas pesadas que a mataram, mas o álcool, segundo a narrativa do pai. Quando morreu, Amy estava limpa de drogas, após longa e dolorosa batalha dela e da família, e havia rompido com Blake dois anos antes. Desde 2009 Amy tinha um relacionamento mais maduro com o diretor de cinema Reg Traviss, um cara boa praça e tranquilo, que, junto com a família dela, se empenhou o quanto pôde para tirá-la do vício do álcool e da mania de autodestruição. Segundo a comovente narrativa do livro, apesar da vigilância de seguranças de confiança da família, Amy morreu após uma ingestão suicida de bebida alcoólica.

A magistral interpretação de Back to Black


Mas o mais interessante numa biografia de celebridade como Amy é quando essa biografia traz a dimensão humana da personalidade, como no livro de Mitch Winehouse, que, com sua linguagem simples, evidentemente foi ditado a um ghost writer. O que, na verdade, em nada diminui o livro, já que sua importância é a de ser um testemunho, e não uma obra literária.

De família judia relativamente tradicional, Amy tinha características psicológicas bastante problemáticas, principalmente a baixa autoestima e a insegurança, o que a levava à autoflagelação: ao se relacionar com Blake Fielder-Civil ou ao se drogar (com drogas pesadas ou álcool), por exemplo. É interessante notar que a artista, que tinha influência decisiva do jazz, do reggae (de maneira incidental) e do estilo (visual e musical) dos anos 1960, tinha um bordão que acabou se transformando num dramático símbolo de sua consciência: "Depois do lançamento de Frank, Amy costumava começar suas apresentações entrando no palco batendo palmas e repetindo um slogan: 'droga pesada não está com nada'", conta o pai-biógrafo. 

A influência dominadora do pai e da avó são absolutamente marcantes na personalidade de Amy, apesar de que a relação era a de uma família unida, na qual existia amor e intenso relacionamento. Amy e seu pai se falavam praticamente todos os dias, onde quer que um e outro estivessem.

Num cartão (desses que as crianças fazem na escola), quando tinha 12 anos, a pequena menina Amy escreveu ao pai: “Papai, você é o rei de todos os pais. Feliz aniversário (...) Beijos desse desastre ambulante que é sua filha, Amy”. Isso é Freud. Mas é também bonito e poético, atributos que eram inerentes a Amy Winehouse.

É bonito no livro como o autor revela uma Amy que poucos (a não ser a família) conheceram: uma garota que tinha um humor agudo, era muito inteligente e intuitiva, mas absolutamente passional e irrefreável. Que não conseguia compor se estivesse feliz, daí o fato de seu grande álbum, Back to Black, ter sido composto na “fusão com as trevas” (título de um dos capítulos do livro). “Seu hábito de escrever canções com alto teor autobiográfico significava que, quando estava feliz, ela não pegava muito no violão”, diz o pai. Amy era, nesse sentido, uma figura baudelairiana.

E de fato uma figura fascinante.

Por tudo isso, adorei ler Amy – minha filha, de Mitch Winehouse.

Amy foi também, lembremos, vítima da estranha “maldição dos 27 anos”. Como ela, vários ícones do rock’n’roll morreram nessa mesma idade: Kurt Cobain (Nirvana), Brian Jones (da primeira formação dos Rolling Stones), Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison (The Doors), entre outros. Não é pouca coisa.

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terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Parabéns, AI-5


Oswaldo Corneti/Fotos Públicas
Analfabetismo político e fascismo


Domingo, 13 de dezembro de 2015, eu e uma companheira fomos a um bar tomar uma simples cerveja. Mas para essa cerveja tínhamos uma motivação especial: espairecer.

Enfim, sentamos à uma mesa na calçada do bar para tomar a cerveja. O bar era um galpão muito amplo com uma dezena de mesas de sinuca. Ao nosso lado havia uma mesa com um casal. Notamos que eles estavam discutindo. Solidarizamo-nos. Em algum momento, puxamos conversa para tirar o foco da discussão deles. Conversamos um pouco e, após a menina dizer angústias universitárias da sua vida, acabamos entrando em política; afinal, ao nosso lado estava a Universidade Federal do ABC, de Santo André, que vocês sabem o que significa. A menina havia dito que, se conseguisse fechar a última disciplina deste ano, faltariam dois anos para terminar sua faculdade.

Dissemos que precisávamos torcer para Dilma não cair, para que ela pudesse terminar a faculdade sem maiores dificuldades. Eles discordaram, dizendo que o direito à universidade estava garantido e que não tinha a ver com a mudança de governo. O rapaz, visivelmente sem problemas financeiros, filho de um médico (ao contrário da moça, de origem humilde), disse que até seria bom se Dilma saísse, para que o País voltasse à estabilidade econômica. Até então o papo estava argumentativo. Falamos das bolsas da universidade e que era importante o governo se manter para garantir as bolsas. A menina discordou, reiterando que as bolsas estariam garantidas independentemente do governo. Mais adiante, falamos sobre a intenção do deputado Ricardo Barros (PP-PR), relator do Orçamento, de reduzir os investimentos no Bolsa Família, o que tiraria 23 milhões de pessoas do programa e devolveria 8 milhões à extrema pobreza. O deputado afirma que o governo não tem recursos para manter o Bolsa Família. O governo discorda veementemente. Ou seja, o relator trabalha para maior caos no País. Enfim, esse papo, apesar de ser o mesmo, é outro.

Toquei no assunto Bolsa Família, a menina se interessou deveras pelo assunto e começou uma série de ataques. Disse que tinha morado na periferia e que lá havia um monte de "buchudas", se referindo às mulheres que "têm filhos para receber Bolsa Família". Discordei, argumentando que isso não só era uma grande minoria das mulheres que recebem recursos do programa como este era também um direito devido ao povo, considerando os séculos de flagelo a que o povo recém-democratizado foi submetido no Brasil, especialmente negros e índios. Bom, nesse momento ela começou a levantar a voz, dizendo que eu não tinha morado na periferia, então não poderia saber. Me disse que quando eu morasse na periferia a gente conversava. Eu disse a ela que conhecia muitas pessoas que, como ela, haviam morado na periferia e pensavam diferentemente dela, mas a essa altura ela já não ouvia mais. Disse que tem um primo que está preso e que sua mulher recebe dinheiro do governo, enquanto sua mãe se mata de trabalhar.

Enfim, aqueles argumentos que já conhecemos. Disse que foi a única de sua família que estudou e entrou na universidade. Eu respondi que não é bem assim, que as coisas têm suas razões, que ela era uma exceção e que a gente não podia pensar dessa forma, ou relegaríamos à pobreza sem solução grande parte da sociedade. Disse que, segundo esse pensamento, "uma criança que cata caranguejo no mangue tem a mesma chance de entrar na universidade que ela". Bom, ela já não ouvia mais e bradava histérica e repetitivamente seus argumentos. "Quando você morar na periferia você vem falar comigo". Depois de uma troca calorosa de argumentos, eu disse que ela estava histérica e que não dava pra conversar. Disse que segundo a perspectiva dela podíamos afundar a África no mar. Nesse momento um pessoal conhecido de uma outra mesa já gesticulava para desistirmos da conversa. Ainda houve tempo para minha companheira chamá-la de fascista. Então nos retiramos da nossa mesa e fomos conversar com o pessoal da outra mesa, em que havia três conhecidos sabidamente de esquerda, entre os quais um boliviano, que frequentemente canta canções revolucionárias.

Bom, conversamos um tempo com eles. Dois dos que estavam nesta mesa, junto com os três que conhecíamos, começaram uma conversa com o casal com o qual havíamos discutido. Não ouvi o que eles conversaram, mas foi uma conversa sem exaltações. Quando estávamos para ir embora, quase uma hora depois da discussão, conversei rapidamente com um sujeito, que havia conversado com o casal. Ao dizer que eu defendia o governo, ele me disse que eu era direitista e racista. Ele era mulato. Eu disse efusivamente que ele não sabia o que estava dizendo e que eu conhecia mais da cultura negra do que ele e, novamente, retirei-me. Coloquei meu copo no balcão e fui no banheiro.

Quando voltei, a menina com a qual havíamos discutido passou a meu lado e deu uma sinistra risada de bruxa, literalmente, e "foi no banheiro". Eu parei ao lado de minha companheira, no balcão, para pegarmos uma cerveja e ir embora. Quando ela voltou, parou ao meu lado, deu a mesma risada e começou a discutir insanamente comigo. Não entendi aquilo e disse que não estava falando com ela. Ela continuou. Era impossível ficar indiferente, era impossível não responder, pois ela havia ido até mim para isso. Ameacei sair de perto dela mas ela se pôs na minha frente, falando alto coisas que eu sinceramente não lembro. Disse pra ela sair de perto de mim. De repente, sem aviso, eu estava no chão. Tomei um tombo de costas que não afetou minha coluna por sorte, mas me deixou desnorteado, sem ar e sem reação. Rapidamente levantei e minha companheira também já estava no chão, com a tal menina em cima dela e um bolo de gente tentando apartar. Alguns outros seguravam o filho do médico, que não estava satisfeito. Procurei saída para evitar continuar o quebra-pau. Quando consegui encontrar minha companheira em meio à confusão, disse que tinha perdido meus óculos. Ela rapidamente o achou, torto e quebrado, e fomos embora.

Chegamos em casa transtornados e doloridos. Ela com arranhões no rosto e esfolamentos num dos braços, e eu com uma forte dor nas costas e esfolamento nos braços. Recuperamo-nos do susto e então tive a certeza de que o que eles tinham conseguido era um incentivo a uma militância mais efetiva.

Choramos pensando no que Lula e especialmente Dilma passaram e ainda passam em suas vidas para fazer o que fizeram e ainda fazem pelo povo do Brasil e do mundo. Essa é a luta, que precisa evoluir. Coloquei Hasta siempre (comandante Che Guevara), de Carlos Puebla, e derramei mais algumas lágrimas, dessa vez de alegria, por saber que existiram pessoas nesse mundo que deram suas vidas por esta causa. Parabéns, fascistas. Parabéns, AI-5, foi um aniversário a caráter.  

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Votação histórica do STF começa a desmontar golpe de Cunha e seus aliados


"Ele [Eduardo Cunha] disse:
‘aqui vai ser secreto porque eu quero’.
A democracia não funciona assim.”
(ministro Luís Roberto Barroso)


Já escrevi aqui no blog sobre o espírito "iluminista” do ministro do STF Luís Roberto Barroso e de minha admiração pelo magistrado, esse sim, dotado dos requisitos teoricamente necessários a formar os quadros do Supremo: “notável saber jurídico e reputação ilibada”. É um homem realmente daqueles que fazem a diferença em uma República.


Fotos: Divulgação/STF
Barroso abriu a divergência com voto histórico

Tive a sorte e o privilégio, por dever de ofício, de acompanhar a votação histórica de hoje, e pude ouvir o voto de Barroso ao abrir divergência em relação ao “voto Pôncio Pilatos” dado pelo relator Luiz Fachin. O tribunal desempatou o jogo a favor da República, para continuar usando a metáfora do post de ontem. Entre outras decisões, o Supremo definiu que a votação para a formação da comissão especial processante do impeachment contra Dilma Rousseff deve ser aberta. Isso desmonta a manobra espúria de Eduardo Cunha, que conseguira fazer seus asseclas aprovarem a comissão especial por votação secreta. 

“A primeira das razões (para rejeitar o voto secreto) é que a Constituição prevê algumas hipóteses de votação secreta, e não prevê para formação de comissão especial para processar o impeachment”, disse Barroso ao votar e abrir divergência de Fachin. “A Lei 1079/1950 tampouco prevê. Alguém poderia imaginar que o regimento (da Câmara) pudesse prever a votação secreta. Mas no regimento interno, nenhuma das previsões prevê votação secreta”, afirmou ainda.

Mais do que isso, ele acrescentou: “O voto secreto foi instituído por uma deliberação discricionária do presidente da Câmara. Ele disse: ‘aqui vai ser secreto porque eu quero’. A democracia não funciona assim”.

Barroso é normalmente brilhante, claro e tecnicamente indefensável, e assim proferiu seu voto hoje.

Marco Antonio Ferreira fez o seguinte comentário no post anterior, no qual eu avaliava que o jogo estava empatado (não apenas em relação ao Judiciário) entre forças golpistas e o estado de direito: “Ontem tive raiva do Fachin, hoje me dá pena. Acachapante sua derrota. Imagina ficar só, com Toffoli e Mendes?”

De fato. Mas ontem e hoje (17), após o voto de Fachin, havia quem temesse (eu entre essas pessoas) que o golpe desse mais um passo importante no Supremo. E por pouco não passou, já que bastaria um único voto para que a corte tivesse referendado o voto secreto e absurdo que Cunha tentou impor. Mas não passou, e não passarão. Pessoas como Dias Toffoli não passarão.

Cabe ainda mencionar outro magistrado digno, e além disso discreto, do Supremo, o presidente Ricardo Lewandowski, um homem avesso a holofotes como deveriam ser todos os juízes. Seu voto “de Minerva” que deu a vitória à tese do voto aberto como inerente ao processo na comissão processante está também na história, logo após o voto longo, empolado, arrogante e reacionário do “decano” Celso de Mello.


Discreto e avesso a holofotes, Lewandowski desempatou

Destaco ainda o voto do ministro Marco Aurélio, que costuma ser sempre contundente. Ele ironizou, dizendo que o voto secreto é na verdade um “voto misterioso”. "Há de prevalecer sempre o interesse público, e este direciona à publicidade e transparência (...) Nada justifica a existência, no caso, do voto secreto. A votação tem que ser aberta”, justificou o ministro.

Vamos lembrar os votos: se manifestaram pela legalidade, pela democracia e pela República os seguintes seis ministros: Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

A Toffoli, o limbo da história
Votaram a favor do voto secreto, com Eduardo Cunha e suas manobras, os ministros Luiz Fachin, Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello, aos quais está reservado um lugar bem localizado no limbo da história. O final do voto de Gilmar Mendes, que chegou ao cúmulo de citar um artigo “do senador José Serra”, terminou de maneira emblemática: ele se dirigiu ao presidente Lewandowski, e disse: “Vou pedir licença, porque tenho que viajar”. Lewandowski respondeu: "Boa viagem". Esse episódio já parecia o prenúncio de que o raivoso Mendes já sabia de antemão ser voto vencido.

Para finalizar, vê-se pela reação inconformada de comentaristas da reação (com o perdão do pleonasmo) que a decisão do Supremo contrariou interesses notórios de gente que não tem vergonha de ter um homem como Eduardo Cunha como veículo de aspirações sinistras e obscuras. “STF deu a Dilma o que ela pediu”, disse, por exemplo, o jornalista Josias de Souza.

Mas a ele e a outros, e a todos os aliados confessos ou não de Eduardo Cunha, dedico o dito de Machado de Assis e toda sua ironia: “ao vencedor, as batatas”.

Jogo entre forças golpistas e estado de direito está empatado





A semana que a deputada Maria do Rosário previu que não seria "para covardes" vai chegando ao fim com um empate entre as forças golpistas e aquelas que defendem o estado democrático de direito. Mas um empate preocupante.

O ato político promovido na Faculdade de Direito nesta quarta-feira por inúmeros intelectuais, professores, estudantes, cidadãos e jornalistas contra o golpe; as derrotas de Eduardo Cunha no Conselho de Ética e ao ver Rodrigo Janot pedir, finalmente, seu afastamento no STF; e a manifestação que levou certamente mais de 100 mil pessoas às ruas de São Paulo hoje são os pontos a favor das forças democráticas.

Mas o julgamento do STF do rito do impeachment nesse agitado dia 16 não começou como se previa, o que tem um peso suficiente para empatar o jogo. Não se pode sequer chamar de neutro o voto do relator Luiz Fachin.

Fachin negou pedidos fundamentais da ação do PCdoB, a saber: a necessidade de defesa prévia do presidente da República, mas principalmente a vedação ao voto secreto para a formação da comissão especial "avulsa", que Cunha impôs com seu tacão na semana passada. O julgamento será retomado nesta quinta-feira (17).

Diz-se que Fachin sucumbiu à pressão midiática e preferiu não se "intrometer" na competência do Legislativo, mas isso foi nada mais, nada menos, do que referendar as posições de Cunha, pelo menos momentaneamente. O que equivale a chancelar o achincalhe e a desfaçatez cínica do homem que faz o que quer com a República sem que, até agora, ninguém possa contra ele.

Na Faculdade de Direito, no ato dos professores (veja falas de Marilena Chaui e Luiz Carlos Bresser Pereira), André Singer me disse sobre o que espera do julgamento do STF: “Minha expectativa é de que haja uma sinalização clara de que a sociedade brasileira pode contar com o STF para barrar manobras no Legislativo que ferem a constituição”.

Ontem, Dalmo Dallari afirmou em conversa comigo: “O processo do impeachment está chegando ao fim. Apesar das tentativas claramente político-eleitorais de levar adiante, ele está se esvaziando”. Hoje, no ato da Faculdade de Direito, ele disse: "Tenho absoluta tranquilidade em afirmar que nenhuma proposta de impeachment tem fundamento jurídico”.

Claro, não se esperava (Dallari também não) que o Supremo entrasse no mérito, na questão do impeachment, mas tampouco que o voto do relator, que havia suspendido o processo na Câmara, fosse tão ao estilo de Pôncio Pilatos como foi.

O jurista Fábio Konder Comparato, com quem também conversei no Largo São Francisco, me pareceu mais precavido ou cético do que Dallari. Seu tom e também as entrelinhas do que me disse era o de quem vê a situação muito complicada na Câmara. "Não há nenhum fundamento constitucional para o impeachment. [Mas] A presidente teria que ser julgada pelo Senado. A manobra está sendo feita a partir do presidente da Câmara. E no Senado – que pode suscitar o recurso ao Supremo –  a conversa é outra.”

Saindo do Direito, vamos para a visão mais apocalíptica da filósofa Marilena Chaui, que disse o seguinte no ato da Faculdade de Direito: "Se o golpe vier, teremos, por causa de toda a discussão em torno do terrorismo internacional, uma ditadura que nos fará imaginar que a de 1964 foi pão doce com bolacha”.

No mesmo ato, afirmou Luiz Carlos Bresser-Pereira: “Tenho dito que não vai haver impeachment porque a democracia está consolidada. O Brasil não é o Paraguai. É uma minoria que quer o impeachment, como os liberais que são democratas só quando lhes interessa.”

E Fernando Haddad, conciliador: “Independentemente da coloração partidária, há pessoas aqui que podem ser oposição ao governo, mas entendem que é o momento de defender as instituições que levamos tanto tempo para consolidar”.

Enfim, só podemos esperar.

Abaixo, as falas de Marilena Chaui e Luiz Carlos Bresser-Pereira no ato político da Faculdade de Direito - 16 de dezembro de 2015, publicadas por Artur Scavone.








quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

A decisão de Fachin de suspender processo de impeachment e a "judicialização da política"


 Carlos Humberto/STF 
O ministro Luiz Edson Fachin

Juristas de enorme competência e conhecimento do Direito e da filosofia do Direito – como Celso Antonio Bandeira de Mello, Pedro Serrano e Luiz Moreira, entre outros – têm ressaltado com argumentos cabais as possíveis e preocupantes consequências do que é conhecido como a judicialização da política, fenômeno que parece ter no julgamento do “mensalão” seu paradigma  no Brasil, embora o fenômeno seja bem anterior, na Europa. Trata-se do processo pelo qual a política vai sendo substituída pela atuação do Judiciário.

Apesar da ação do Judiciário (especialmente do Supremo Tribunal Federal) ser de certa maneira demonizada pelos setores progressistas no Brasil – e não sem razão, vide Sérgio Moro e mensalão –, a decisão do ministro Luiz Edson Fachin de suspender o processo de impeachment contra Dilma, armado num circo grotesco por Eduardo Cunha nesta terça-feira na Câmara, mostra que a chamada judicialização da política pode ser uma via de duas mãos, e não simplesmente a incorporação de uma prática perniciosa e destrutiva de valores progressistas. Não fosse assim, não haveria a intensa comemoração da decisão nas redes sociais.

Ainda se acredita na superação da atual onda obscurantista no país, e o poder moderador do Supremo pode ser um freio à desfaçatez com que um bando encastelado no Legislativo se apropria da política em benefício próprio. Esta é a esperança.

No texto "O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política", o professor Marcus Faro de Castro, do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília, resume bem o tema:

”(...) a judicialização da política contribui para o surgimento de um padrão de interação entre os Poderes (...), que não é necessariamente deletério da democracia. A ideia é, ao contrário, que democracia constitui um ‘requisito’ da expansão do poder judicial (Tate, 1995). Nesse sentido, a transformação da jurisdição constitucional em parte integrante do processo de formulação de políticas públicas deve ser vista como um desdobramento das democracias contemporâneas. A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou insatisfatórios.”

Aguardemos os próximos capítulos, com a esperança de que o STF exerça o papel de um poder moderador de fato (confirmando a decisão de Fachin), apesar de figuras como Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes. Na quarta-feira, 16, quando o Supremo deve decidir a questão suspensa nesta terça por Fachin, teremos uma resposta, ou pelo menos a primeira resposta.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Mobilização dos estudantes de São Paulo entrou para a história


Virou notícia internacional. Lê-se, no jornal El País: "Los estudiantes de São Paulo tumban una reforma educacional del Gobierno" (Estudantes de SP derrubam reforma educacional do  governo):


Legenda do El País: "Estudiantes celebran en las calles este viernes" / 
Carlos Villalba R (EFE)

"Los jóvenes, en su mayoría menores de edad, han conseguido tumbar este viernes provisionalmente una reforma educacional del Gobierno del Estado, que preveía el cierre de escuelas. Lo han hecho valiéndose de protestas callejeras pacíficas —reprimidas de manera violenta por la Policía Militar— y ocupaciones de 200 centros de enseñanza. El intento fallido de reforma ha echado por tierra la popularidad del gobernador Geraldo Alckmin." (El País, 4/12/2015);

“Decidimos adiar e rediscutir, escola por escola, com a comunidade, com estudantes e em especial com os pais dos alunos”, disse o governador Geraldo Alckmin nesta sexta-feira, 4, ao recuar diante da marcha de meninos e meninas que decidiram "ocupar [as escolas] e resistir [à estupidez policial do governo]". Antes, o governador viu, pela manhã, a capa da Folha, da qual, obviamente, já tinha conhecimento antes mesmo de chegar às bancas.



A mobilização dos estudantes de São Paulo, não tenha dúvida, entrou para a história. Será discutida daqui a alguns anos.Talvez acadêmicos façam teses com sua linguagem empolada sobre esse movimento espontâneo que angariou apoios em vários setores da sociedade. Quem viveu, viu.

Foi uma notícia diferente, nova, nesses tempos obscuros.

Com sua truculência, Alckmin sem querer  fez algo bom: fomentou o surgimento de incontáveis novas lideranças dessa incrível juventude que vem vindo:

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Contra impeachment, Rede avança para ocupar espaço à esquerda


Geraldo Magela/Agência Senado


A informação de que a Rede Sustentabilidade, o partido de Marina Silva, se posiciona contra o pedido de impeachment de Dilma é uma notícia importante. Mas, mais do que a notícia em si, ela aponta para algo mais: é mais um fato que vai consolidando a estratégia da Rede, desde já, de procurar ocupar um espaço à esquerda do espectro político e conquistar o eleitorado que hoje  se vê mais ou menos órfão, com "a maior crise da história" do PT, como disse o presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI) e liderança orgânica do partido de Lula, João Felício, na semana passada.

Crise que decorre tanto do cerco e bombardeio ininterrupto que o PT tem sofrido por parte do Ministério Público, do Judiciário e da mídia desde 2005, quanto do desgaste natural a qualquer partido ou grupo que governa há 12 anos (vide Argentina, onde o kirchnerismo, depois de 12 anos, acabou perdendo a eleição para a direita de Maurício Macri).

Já citei anteriormente, mas volto a mencionar a avaliação da professora Maria do Socorro Sousa Braga, em matéria que fiz para a RBA quando a Rede conseguiu seu registro oficial no TSE: para ela, a estratégia da Rede é justamente tentar ocupar um espaço à esquerda, que é um terreno de disputa não apenas pela crise petista, mas também pela própria crise de representação e a rejeição de grande parte da população aos partidos conhecidos. “Existe um espaço a ocupar à esquerda. Esse espaço, PSTU e PSOL não conseguiram ocupar, não conseguiram a envergadura de um PT quando o partido de Lula começou a crescer nos anos 1990”, disse a professora na ocasião.

ida do ex-petista Alessandro Molon para  Rede, no final de setembro, foi outro importante indicativo de que o partido de Marina está, sim, visivelmente empenhado em se construir e viabilizar como alternativa num campo que enxerga como bastante fértil para ser semeado daqui a 2018. Mas a Rede vai obviamente tentar avançar também nos setores da classe média, da esquerda à centro-direita, pois se tem uma coisa que Marina não é, é boba. O discurso da sustentabilidade (que atrai vastos setores do espectro político) é sempre e cada vez mais importante no embate político, o que a tragédia de Mariana só reforça.

Marina tem ainda um "capital" eleitoral muito grande, que herda de 2010 e 2014. Muita coisa vai acontecer daqui até 2018. Mas parece certo que a Rede vai ser uma das forças de 2018. O que, politicamente, é interessante, porque será certamente uma força que pode em parte neutralizar, racionalizando o processo e o discurso, o crescimento da direita no país.

*****

Atualizado às 21:52 - Menos de um dia depois de se posicionar contra o impeachment, Marina Silva corrige sua posição (como fez na campanha eleitoral, quando se rendeu à pressão do pastor Silas Malafaia). Disse ela hoje: “Nossa atitude é de que de fato o Brasil seja passado a limpo. E se de fato os recursos da Petrobras foram usados pela campanha da presidente e do vice-presidente, o correto é que ambos os indicados possam ter o processo (eleitoral de 2014) anulado, como está lá no pedido que foi feito pelo PSDB”, afirmou, segundo o blog do Fernando Rodrigues. O problema de Marina Silva é justamente esse: suas posições não se sustentam. Ela cede a qualquer pressão.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Palmeiras mereceu o título - poema futebolístico modernista


Resumo

O Palmeiras mereceu o título da Copa do Brasil. O equilíbrio, na somatória após os dois jogos, foi total. Mas, na hora de decidir, o Santos tinha Marquinhos Gabriel, que caiu sentado, e o Palmeiras tinha Fernando Prass, que colocou a bola na rede.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Santos de Gabriel faz duelo final contra Palmeiras de Fernando Prass



Artilheiro da Copa do Brasil, Gabigol, e Prass, o melhor do Palmeiras

Desde quinta-feira passada, a discussão que tenho de enfrentar sobre a esperada final Santos x Palmeiras, com raras exceções, se resume a isso: foi pênalti, não foi pênalti, foi pênalti, não foi pênalti, foi pênalti, não foi pênalti. A enfadonha discussão começou com o protesto de palmeirenses no Facebook.

Quase ninguém parece ter-se lembrado de falar de futebol. Ou se preocupou em lembrar que esta final da Copa do Brasil entre os dois grandes clubes é a segunda desde os estertores dos anos 1950. A final do Paulistão de 2015, vencida pelo Santos nos pênaltis, foi a primeira decisão entre ambos desde 1959, embora aquela, vencida pelo Palmeiras, tenha sido um caso à parte: o Paulista daquele ano foi disputado em pontos corridos e, como Palmeiras e Santos terminaram empatados, tiveram de fazer uma disputa-desempate.

A montagem da imagem acima é proposital: o artilheiro da competição contra o melhor jogador do time da capital, o goleiro, o que, por si só, já diz muito do duelo. 

Mas o fato é que, nesta quarta-feira, 2 de dezembro, acredito que o Santos continua levemente favorito. Diria por 55% a 45%. O Santos é mais time. Tem no elenco jogadores talentosos e decisivos, como Gabriel (artilheiro da Copa do Brasil com 8 gols) e Lucas Lima. Tem o artilheiro de todo o país em 2015, Ricardo Oliveira, com 36 gols. Jogadores experientes, como o próprio camisa 9 e o volante Renato.

Além disso, a vitória por 1 a 0 na Vila deu ao Alvinegro uma vantagem não só matemática, mas também tática: ao contrário do jogo na Vila Belmiro, quando o Palmeiras não jogou futebol e não deu sequer um chute a gol (a não ser um cruzamento que foi direto à meta de Vanderlei a 1 minuto de jogo), no Palestra Itália o Alviverde vai ter que jogar – ou seja, se abrir, mesmo que com cautela – se quiser reverter o placar adverso. Isso é tudo que o Santos queria, e por saber disso é que veio a revolta e inconformismo dos palestrinos após a derrota na Vila. A principal arma do Santos de Dorival Jr. é o contra-ataque em velocidade, com Lucas Lima armando os golpes fatais de Ricardo Oliveira e/ou Gabriel, e foi assim que o Peixe eliminou o Corinthians em pleno Itaquerão por 2 a 1.

O Palmeiras pode contar como armas o aguerrimento e a torcida que vai lotar o estádio. Essa vantagem , porém, pode se virar contra o time se ele não fizer um gol logo. A ansiedade da equipe e da torcida vai crescer na medida em que o tempo passa. Se o Santos marcar um gol antes, a tarefa ficará ainda mais difícil para o Alviverde. O Peixe marcou pelo menos um gol em todas as 13 partidas disputadas até aqui na competição.

Mas futebol é jogo e jogo é também sorte e azar. Se o Palmeiras marcar antes, pode conseguir se armar na defesa e na catimba, que terá de usar contra um time superior, e vencer o jogo. Se por um gol, para decidir nos pênaltis. Para ser campeão direto, precisa de uma diferença de dois gols.

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Gosto dos comentários de Paulo Vinícius Coelho porque ele fala de futebol e informa, ao invés de ficar com blá-blá-blá de pênalti, não-pênalti. Ao comentar o jogo vencido pelo Santos, na semana passada, ele lembrou: “A final da Copa do Brasil se parece com a decisão do Paulistão”. Disse também o PVC no texto: “O Santos é mais time. Mas neste ano, agora são seis clássicos Santos x Palmeiras. O Santos ganhou todos na Vila, o Palmeiras venceu os dois no Allianz Parque e todas as vitórias aconteceram por um gol de diferença. Só falta isso e a decisão por pênaltis para repetir a final do Campeonato Paulista”.

Então é isso. Chega de papinho de pênalti, caros palmeirenses, como se aquele do primeiro jogo fosse o primeiro pênalti ou não-pênalti polêmico da história do futebol.

Como dizia o velho Osmar Santos: vamos pro jogo, garotinho.