Mostrando postagens com marcador jornalismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador jornalismo. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Não é bem assim, Joaquim



Valter Campanato/ABr


De repente, algumas vozes de "formadores de opinião" vindas da chamada "grande mídia" lacerdista começam a se manifestar, mesmo que timidamente, em oposição ao caráter autocrático, antidemocrático e antirrepublicano do presidente do Supremo Tribunal Federal. Em uma palavra, fascista. Certamente, o fato de vozes da mídia fazerem uma "reflexão" não se dá por acaso. Mas também, minha gente, não precisa ficar de repente achando o máximo que Gilberto Dimenstein tenha resolvido questionar a conduta nefasta (como disse o deputado Ricardo Berzoini) do presidente da mais alta corte do país, Joaquim Barbosa, contra vários direitos violados nos episódios recentes envolvendo a prisão de José Genoino, José Dirceu e Delúbio Soares, sem falar na condução de todo o julgamento da Ação Penal 470, por demais conhecida.

Janio de Freitas, tudo bem. Tem sido voz resistente faz anos, muitos anos. Mas o texto de Dimenstein é ruim e medroso. Diz ele, por exemplo (os grifos em itálico são meus):

"Não tenho condições de dizer se o que estão fazendo com o José Genoino obedece ou não a lei. Talvez obedeça."

"Pegar um homem doente, que passou por uma operação gravíssima e jogá-lo numa cadeia. O ato pode ser legal. Mas é irresponsável."

É o que diz Dimenstein em seu texto publicado ontem, 20. Como se dissesse: "Genoino talvez seja  um criminoso. Mas, coitadinho, merece piedade".

Não é isso. Genoino nem é criminoso nem merece piedade. Nenhum combatente de valor, como Genoino e Dirceu, merece piedade. 

Mas é claro que o articulista tão bem informado entende alguma coisa de direitos individuais, e sabe também que o tal "domínio do fato" foi uma filigrana jurídica (para dizer o mínimo) utilizada para justificar condenações sem provas. No entanto, Dimenstein prefere ficar no "talvez" da primeira frase acima citada de seu artigo, e no verbo "pode", na segunda.

A verdade é que se fazem cada vez mais presentes as vozes a questionar esse estado de coisas que violenta direitos individuais e atropela mandamentos jurídicos, a Justiça de um homem só que coloca em xeque a própria credibilidade da "mais alta corte do país".

Como diz Helena Sthephanowitz em seu blog da Rede Brasil Atual, "não parece ser por virtude, mas por esperteza, que William Bonner passou um minuto no Jornal Nacional de quarta-feira (20) lendo a notícia: Divulgada nota de repúdio contra decisão de Joaquim Barbosa".

A impressão é de que Joaquim Barbosa se empolgou demais, e foi mais longe do que deveria ou poderia ter ido. Como se lentamente, dos intestinos da República, uma voz começasse a dizer: "Não é bem assim, Joaquim".

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Sobre o jornalismo ninja


Reprodução/Imagem do Facebook


As pessoas andam meio embasbacadas com o chamado jornalismo ninja. Como sou jornalista, teria uma série de observações a fazer sobre a proposta do grupo, que tomou corpo no contexto das manifestações de junho e julho.

A proposta ninja, aliás, não é nova. Sem falar de experiências do cinema que mergulham a câmera no coração dos acontecimentos, como no excelente documentário Vocação do Poder, de Eduardo Escorel (2005) – mas aqui estamos falando de algo mais sofisticado –, a Mídia Ninja tem uma inserção na realidade muito parecida, embora radicalizada, à incentivada já há bom tempo por portais da internet que colhem depoimentos, fotos e informações de cidadãos comuns, substituindo, na minha opinião de maneira questionável, tanto ética como jornalisticamente, o papel do jornalista.

Li, a propósito, no Observatório da Imprensa, excelente artigo de Sylvia Debossan Moretzsohn, jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense e autora de Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007). Por isso digo acima que teria uma série de observações a fazer. Porque Sylvia faz essas observações melhor do que eu faria. O artigo não deixa de admitir a relevância da Mídia Ninja, mas relativiza com muita competência a febre por esse jornalismo (palavras minhas) amador, por vezes ingênuo, conceitualmente antiético e que tem um aspecto que me parece muito discutível: o trabalho “de graça”, supostamente militante, que é a proposta tanto do Mídia Ninja como de portais de poderosas empresas da mídia eletrônica, uma das quais publica fotos de internautas "colaboradores" na TV interna da Linha Amarela do metrô paulistano.

Posso ser acusado de corporativista. Mas, se você é professor, por exemplo, provavelmente não encararia com bons olhos um grupo de professores que se propusesse a ensinar “de graça” e colocasse em xeque seu lugar no mercado, arduamente construído à custa do trabalho, de uma vida inteira de estudos, aperfeiçoamento e experiência. Se, sob o aspecto puramente jornalístico, o trabalho do Mídia Ninja é questionável, desse ponto de vista ético é indefensável.

Reproduzo, abaixo, alguns trechos do artigo de Sylvia Debossan Moretzsohn, que é longo (mas vale a pena: para quem quiser ler inteiro, o link do Observatório da Imprensa segue abaixo, neste post).

Repúdio à mídia corporativa

“(...) como já se tornou rotina nessas manifestações, a multidão que se aglomerou na frente da delegacia para onde foram levados os presos – foram dez no total – hostilizava ostensivamente os repórteres da mídia tradicional. O que não apenas representa uma inaceitável tentativa de silenciamento, mas é sobretudo uma incoerência: quem protesta exige que a mídia “fale a verdade”, mas ao mesmo tempo enxota os jornalistas aos gritos de “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura” e “mídia fascista, sensacionalista”.

Seria talvez ocioso ressaltar a banalização desse adjetivo, aplicado como pecha nas mais variadas circunstâncias, mas é forçoso reconhecer que o germe do fascismo está justamente em atitudes que cerceiam a liberdade.

Não é possível rejeitar em bloco o que se produz na chamada grande imprensa, por mais que façamos, como fazemos, críticas contundentes e bem fundamentadas a toda sorte de manipulação praticada nesses meios. Se não fosse por qualquer outro exemplo, o equívoco da rejeição automática ficaria claro para quem assistiu ao Jornal das Dez, da GloboNews, um dos que divulgaram a prisão dos ninjas e, mais adiante, transmitiria a entrevista de um deles, logo após a soltura. A própria página da Ninja no Facebook, por sinal, divulgou o link para essa notícia. Se odiamos a mídia corporativa, como é que aceitamos usá-la quando ela nos favorece?

Sobre entrevista concedida pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, ao Mídia Ninja na sexta-feira (19/7):

Por esse texto, fica claro que o convite partiu do prefeito. E aqui reside um equívoco fundamental da equipe [do Mídia Ninja]: não perceber que a entrevista interessava à fonte. Nas discussões virtuais houve quem dissesse que isso não importava, mas esse tipo de afirmação só pode partir de quem desconhece algo elementar no jornalismo: uma coisa é ir atrás da notícia, outra é a notícia cair no nosso colo, ainda mais embrulhada em papel de presente. No longínquo tempo em que desconfiávamos das intenções das assessorias de imprensa, sabíamos distinguir uma coisa da outra. Hoje, quando as assessorias tomaram conta do processo, parece que não há diferença.

Mas, ainda que não tenha sido assim – houve comentários afirmando categoricamente que havia uma intenção prévia dos ninjas de entrevistá-lo –, seria fundamental tentar fugir da armadilha e preparar-se para um encontro em que um político experiente, embora ainda jovem, teria todas as condições de utilizar, como utilizou, essa oportunidade a seu favor.”

Jornalismo amador

A falta de qualificação para encarar um político “ensaboado”, como disseram os ninjas, mas principalmente a falta de percepção sobre a quem serviria uma situação como essa, foi flagrante para quem assistiu à entrevista [de Eduardo Paes] e acompanhou os comentários. Quem quer trabalhar com mídia tem de saber onde está pisando e como tudo isso funciona. Não é possível simplesmente dizer, apesar das belas intenções, que “é no processo, na experiência, no teste do real que se pode avançar”, como se não houvesse – com o perdão do pleonasmo – experiências anteriores. Essa autolegitimação do trabalho ignora a história do jornalismo, as inúmeras tentativas de se contrapor aos modelos dominantes em outras épocas e, principalmente, as táticas das assessorias. Daí que se tenham lançado voluntariosamente numa empreitada que acabou servindo a quem queriam criticar.”

Papel do jornalista

Finalmente, é preciso considerar o comportamento dos repórteres. Uma coisa é assumir de que lado se está, outra é ignorar a necessidade de preservar o papel de mediador que todo jornalista precisa exercer, independentemente da ideologia. Para esclarecer: mediação não significa imparcialidade, nem mesmo equilíbrio – se pensarmos na metáfora do fiel da balança –, porque o jornalismo produzido numa sociedade desigual não pode forjar um equilíbrio inexistente; significa filtrar as informações para estabelecer um quadro compreensível da realidade. Mesmo o jornalismo explicitamente militante tem essas obrigações éticas, não pode simplesmente mergulhar nos acontecimentos e ignorar suas responsabilidades.”

A íntegra do artigo de Sylvia Debossan Moretzsohn: A militância e as responsabilidades do jornalismo



quarta-feira, 3 de abril de 2013

Público-alvo



Do  Futepoca



Exemplo prático para observar a quem a Veja se dirige: "Você", o leitor próximo, que interessa à publicação da editora Abril, é um homem, branco, classe média/rico, tipo executivo - com cara de desconsolo por um "direito" (privilégio) perdido; "Ela", o ser distante, estranho e indesejável, é uma mulher, negra, nordestina, pobre, com pouco estudo - e a revista dá a entender que, por isso mesmo, decide errado (prejudicando "Você"). Ou seja, "A história da sociedade até aos nossos dias é a história da luta de classes" (Karl Marx). Situe-se. E observe o discurso e sua direção.

PS do blog: para quem não sabe, a capa da direita está nas bancas esta semana, após a aprovação, na semana passada, da chamada PEC das Domésticas, promulgada ontem, dia 2.

PS 2: concordo com o comentário de alguém, no post do Futepoca: "surpreende positivamente que a Veja chame a PEC de 'marco civilizatório'". Seja como for, nunca podemos esquecer do poder das imagens. Que fica nas bancas de jornais por uma semana. Toda a propaganda é baseada em imagens. De Stalin ou das agências publicitárias de hoje.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Serra e Kennedy Alencar na CBN: mais um capítulo da série tucano versus imprensa


Mais uma vez o tucano José Serra armou um barraco ao ouvir uma pergunta desagradável de um jornalista. Desta vez, o caso, mais um a demonstrar o comovente apreço de Serra pela liberdade de imprensa, se deu em entrevista ancorada por Fabíola Cidral, na CBN, na manhã desta terça-feira (16), e envolveu Kennedy Alencar, colunista da Folha de S. Paulo, titular da coluna "A Política Como Ela É", da CBN, e também da RedeTV!

Serra ficou muito irritado com a seguinte pergunta de Kennedy Alencar: “Nessa campanha de 2012 – a exemplo de 2010, quando o senhor apresentou o tema do aborto, com posicionamentos de modo moralista –, o senhor apresenta nesta campanha o apoio de uma direita intolerante, como o pastor Silas Malafaia, que disse que homossexualidade é doença e não orientação sexual. Eu pergunto ao senhor: a sua atitude é uma contradição por uma conveniência eleitoral ou o senhor se tornou um político conservador e mudou de ideia?”

Veja, ou melhor, ouça a reação do candidato do PSDB:



Leia mais:

Sem vergonha é a visão tucana do que significa liberdade de imprensa

Heródoto Barbeiro sai do Roda Viva após questionar Serra sobre pedágio

Os casos Serra versus jornalistas na eleição de 2012

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Jornalismo esportivo acabou


Acabou pelo menos na televisão. Dias atrás, assistindo a um jogo da Libertadores da América, quase no fim da partida dei-me conta de que aquela também era uma data de Copa do Brasil. E que, ligado na Fox Sports, eu não tinha informação de como estavam os duelos desta competição nacional, simplesmente ignorada pela emissora que transmitia a Libertadores, como se o torneio nacional não existisse.

Na TV do plim-plim não existe Olimpíada
A mesma "estratégia" pôde ser observada na transmissão global do jogo da seleção brasileira neste domingo. Como notou o Uol, não se ouviu na TV Globo, durante o duelo em que os mexicanos deram um chocolate e venceram o time de Mano Menezes por 2 a 0 em Dallas (EUA), nenhuma vez a menção de que aquela seleção está se preparando para a Olimpíada de Londres (eu não vejo futebol nessa emissora quando a transmissão é de Galvão Bueno). A informação de que o time do Brasil, formado quase inteiro por jogadores jovens, está enfrentando as seleções principais de outros países também foi ignorada.
Na outra, só há Libertadores

Em suma, a Fox Sports não fala de uma competição transmitida pelas concorrentes (Sportv e ESPN), a Globo ignora o maior evento esportivo do mundo porque os direitos de transmissão para a TV aberta pertencem à Record, e por aí vai. E assim o “jornalismo” esportivo vai se transformando numa fantasia, um objeto comercial travestido de informação. Uma vergonha, como dizia aquele âncora que se manifestou sobre os garis de modo absurdo no final de 2009.

É o cúmulo a maior rede de televisão do país simplesmente fazer de conta que não existem Jogos Olímpicos (eles se preocupam com a tal credibilidade?). Ou uma empresa que detém os direitos de transmissão da Libertadores em TV fechada fingir que não há futebol no Brasil a não ser o que faz parte da competição que eles transmitem.

Como jornalista que sou, sempre entendi minha profissão como uma prática que precisa também ser um serviço. No fundo, a informação é um serviço. Ou deveria ser. Ou era.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Com a velha receita de sempre, jornalismo marrom estilizado de Veja pauta a mídia brasileira


É a mesma receita de sempre: a revista Veja sai com uma denúncia para pôr fogo no circo, normalmente quando há algo relevante acontecendo no país ou algum interesse a ser preservado. Ou revelado, quase sempre a partir de fontes suspeitas e informações plantadas por gente como Carlinhos Cachoeira.

Por exemplo: em épocas de eleições, ou num momento em que uma CPI está instalada para supostamente apurar ligações muito sinistras entre certos políticos e o "empresário" Cachoeira e deste com um destacado jornalista da mesma revista semanal. Ligações, aliás, ignoradas por toda a "grande imprensa" que se une em favor de seus interesses cinicamente fantasiados de interesses nacionais.

No início do mês, chegamos ao paroxismo desse alinhamento, quando o jornal O Globo, em editorial, mergulhou no pântano para sair de lá enlameado em defesa da Veja, dizendo, entre outros disparates: "Blogs e veículos de imprensa chapa branca que atuam como linha auxiliar de setores radicais do PT desfecharam uma campanha organizada contra a revista Veja, na esteira do escândalo Cachoeira/Demóstenes/Delta". Segundo o veículo dos Marinho, é uma "retaliação pelas várias reportagens da revista das quais biografias de figuras estreladas do partido saíram manchadas".

Globo que, como se sabe, tem seu maior poder concentrado na televisão, a poderosa concessão pública sob cuja sombra construiu seu império. Mas, às favas com o interesse público que, segundo a Constituição, deveria prevalecer nos serviços de concessão de rádio e televisão. Não estamos na Argentina.

E a roda-viva continua. Esta semana, mais uma "reportagem" desse símbolo do jornalismo marrom estilizado. Desta vez, Gilmar Mendes, o ministro do STF, já fonte de Veja de outros carnavais, diz ter ouvido de Lula um pedido de adiamento do julgamento do mensalão... Pronto. Passamos a semana ouvindo a repercussão em homepages e portais, para os quais o verbo negar tem importância fundamental. "Lula nega", "Jobim nega" e assim por diante. O verbo negar, para o jornalismo, é um importante recurso de retórica de entrelinhas. De tanto ser repetido (Lula nega, Lula nega, Lula nega, Lula nega) o refrão acaba se tornando uma verdade reafirmada ao contrário.

No Brasil de Veja e de Globo, quem tem que provar não é quem acusa, mas quem é acusado. Uma total inversão de valores jurídicos.

Eu "brigo" com meus amigos que deixam o costumeiro lixo de Veja importunar-lhes o fígado. Não leio essa revista, e às vezes, quando sem querer clico em um link seu na web, saio rapidamente, me persigno e fico a lembrar que, infelizmente, apesar de seu jornalismo ser um lixo, sua capa é importante. Como escreveu o jornalista Flávio Gomes, num texto de 2010: "a capa da Veja, embora a revista seja uma droga indizível, tem importância, sim. Afinal, ela é vista por alguns milhões de pessoas, repousa amarrotada durante meses em mesinhas de consultórios médicos, dentistas e despachantes, e as pessoas a notam nas bancas de jornais, ao lado de mulheres peladas. E algumas pessoas ainda puxam assunto em mesas de bares e restaurantes dizendo 'li na Veja’, e tal. São os 'formadores de opinião'. Uau."

A verdade é que a minha parte eu faço. Não leio essa revista, nem para “saber o que eles dizem” (justificativa de que meu fígado discorda), embora isso contamine o Brasil incessantemente, e ninguém sabe até quando, se até a presidente Dilma Rousseff recentemente deu entrevista e foi capa da publicação. O que eu achei que a presidente poderia não ter feito. Mas fez, afinal o governo federal é um dos maiores anunciantes do país.

sexta-feira, 2 de março de 2012

O jornalismo, segundo Baudelaire – pensamento para sexta-feira (26)


"É impossível percorrer uma gazeta qualquer, seja de que dia for, ou de que mês, ou de que ano, sem nela encontrar, a cada linha, os sinais da perversidade humana mais espantosa, ao mesmo tempo que as gabolices mais surpreendentes de probidade, de bondade, de caridade, e as afirmações mais descaradas a respeito do progresso e da civilização.

Os jornais, sem exceção, da primeira à última linha, não passam dum tecido de horrores. Guerras, crimes, roubos, impudicícias, torturas, crimes dos príncipes, crimes das nações, crimes dos particulares, uma embriaguez de atrocidade universal.

É com esse repugnante aperitivo que o homem civilizado acompanha a sua refeição de cada manhã. Tudo, nesse mundo, transpira o crime: o jornal, a muralha e o semblante do homem. Não compreendo que uma mão pura possa tocar num jornal sem uma convulsão de repugnância."


"Meu coração desnudado" (Charles Baudelaire, texto 81
editora Nova Fronteira, 1981
Tradução: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Para Gabriel Priolli, uma solução como a Ley de Medios argentina é utopia no Brasil


“O Estado é laico no Brasil, mas teme a Deus e a força de suas igrejas”


ENTREVISTA

Atualmente diretor de conteúdo da Fabrika Filmes, de Brasília, Gabriel Priolli é jornalista, professor, apresentador e diretor de televisão. Foi membro do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, do Conselho Superior do Cinema (Ministério da Cultura) e do Comitê Consultivo do Sistema Brasileiro de TV Digital (Ministério das Comunicações).

Entre outras atividades, Priolli foi editor do Jornal Nacional, implantou e dirigiu o Canal Universitário de São Paulo e comandou a TV PUC (SP), da universidade onde lecionou por vários anos.

Começou como repórter na TV Cultura de São Paulo, emissora onde dirigiu o programa "Vitrine". Gabriel Priolli ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo na categoria Informação Cultural em 1988. Ele não está otimista quanto às perspectivas da TV brasileira e à democratização da mídia no país. Leia a entrevista e veja por quê.

Por Eduardo Maretti

Fatos Etc: O parágrafo 5° do artigo 220 da Constituição Brasileira prevê: "Os meios de comunicação social não podem (...) ser objeto de monopólio ou oligopólio". Apesar das inúmeras propostas tiradas da Conferência Nacional de Comunicação, a regulamentação dos artigos 220 a 223 não parece próxima, seja pela pressão e poder dos meios de comunicação, seja pelo “corpo mole” evidente do governo. É possível ser otimista diante desse quadro? Uma solução tipo Ley de Medios argentina é uma utopia no Brasil?

Gabriel Priolli: – Não é possível ser otimista, quando o assunto é regulação de mídia no Brasil. Esse é um setor praticamente sem controle, com uma legislação defasada e parcial, mas com um poder político imenso. Não apenas porque a mídia manipula a opinião pública à sua vontade, constrangendo governos, mas também porque controla o parlamento, já que 20% dos parlamentares e quase todas as lideranças expressivas são ligados a meios de comunicação. Raramente são aprovados decretos, leis, normas ou portarias que contrariem os interesses da mídia. Quando acontece, os autores são demonizados como "censores" e as medidas acabam neutralizadas, revistas ou inteiramente revogadas. A boa regulamentação, para a mídia brasileira, é regulamentação nenhuma. Dessa forma, é uma completa utopia imaginar que possamos ter algo avançado e moderno como a Ley de Medios argentina.

Sobre a democratização das verbas publicitárias, houve avanços no governo Lula. Mas é evidente certo desinteresse em uma ampla reformulação, até porque o governo, entidades públicas e políticos (e já ouvi lideranças petistas admitirem isso) preferem pagar o preço da poderosa oposição midiática mas continuar desfrutando do espaço publicitário dos grandes meios. Qual seria um ponto de equilibrio aceitável no rumo da tal democratização?
    O aceitável é que todos os veículos, independente de seu porte, tenham acesso às verbas publicitárias públicas. O Governo Lula caminhou bastante nessa direção, mas ainda há muito por fazer. Essa é uma área que precisa de uma "política afirmativa", semelhante à política de democratização racial, que favorece etnias historicamente prejudicadas. A grande mídia acha que a verba publicitária estatal deve ser partilhada por critério de audiência e circulação, isto é, do número de consumidores de cada veículo. Isso garante a ela a parte do leão, deixando migalhas aos veículos pequenos. Eu penso que eles devem ser incentivados pelo Estado, para que possam se qualificar e desenvolver. Mas sob estrito controle público, para que esse processo não se transforme em cooptação, compra de noticiário e opinião favorável.

Como encara o crescimento do espaço de programas e “canais de aluguel” religiosos na TV brasileira, considerando-se que, constitucionalmente, a TV é uma concessão pública e o Brasil, em tese, um estado laico?
    Como mais um desrespeito ao interesse público e à democracia no país. As religiões são abusivamente privilegiadas e não apenas nas concessões de canais de TV. O Estado é laico no Brasil, mas teme a Deus e a força de suas igrejas. Procura ser bem obediente a eles, para não ter problemas.

Sendo ex-membro do Conselho Superior do Cinema (Ministério da Cultura), qual sua avaliação da gestão da ministra Ana de Hollanda, criticada por grande parte do setor cultural do país?
    Não vejo um projeto claro de ação, nesta gestão do MinC. Não vejo a ministra se pronunciar publicamente em nenhum assunto relevante, nem se apresentar ao debate das inúmeras questões que envolvem a cultura e a comunicação. Não a vi reclamar do corte de orçamento que teve, nem reivindicar mais recursos. Em contrapartida, vejo retrocesso em quase todos os programas implementados nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Vejo descuido com projetos e políticas democratizantes. Vejo ampla insatisfação, de vários segmentos da cultura. Não posso ter, dessa forma, uma avaliação favorável de Ana de Hollanda.

Você, que conhece bem a TV Cultura, vê alguma perspectiva para a emissora?
    Apenas quando acabar a gestão de João Sayad e dependendo de quem o substituir. Mas não são muito boas as perspectivas, em princípio. Com o PSDB no governo de São Paulo, a televisão pública paulista nunca terá muito incentivo. O partido deixou claro, no combate ferrenho que fez e faz à TV Brasil no plano federal, que é contrário ao uso de recursos públicos no financiamento de canais de TV. Acredita que o modelo comercial-privado é suficiente para o país. Logo, a TV Cultura será mantida à míngua, padecendo de falta de recursos e da impossibilidade de ousar, criar, avançar. Acabar com ela talvez tenha um custo político muito alto. A opção é fazer de conta que ela existe e mantê-la no limbo da irrelevância.

A eterna discussão sobre a necessidade ou não do diploma de jornalista continua, apesar de o STF ter derubado a exigência. Duas propostas de emenda à Constituição voltam a propor a volta da exigência para “resgatar a dignidade dos jornalistas” e “garantir um jornalismo de qualidade”. Entre os argumentos contra, o de que o diploma incentiva a reserva de mercado e a “indústria do canudo” e afronta liberdade de manifestação do pensamento. Qual solução você defende?
    Sou totalmente a favor da exigência de diploma universitário específico, para profissionais de jornalismo. A desregulamentação da profissão só interessa ao empresariado, que quer ter flexibilidade total na contratação de mão de obra. Para os jornalistas, o diploma fortalece as conquistas profissionais, preserva o piso salarial, evita o ingresso de oportunistas e desqualificados. Para a sociedade, interessa um jornalismo feito por profissionais bem capacitados, que os cursos superiores de comunicação podem oferecer. Outros profissionais, de outras categorias, podem e devem ter acesso ao jornalismo. Mas na condição de articulistas, comentaristas, especialistas. Como sempre lhes foi assegurado.

O que diria aos jovens que hoje sonham em fazer jornalismo?
    Que se preparem para uma carreira profissional difícil, onde os sonhos rapidamente revelam-se ilusões. É uma profissão bonita, digna, apaixonante. Mas as condições em que é exercida, neste país, são muito difíceis. Manter o espírito livre, o pensamento autônomo e a consciência crítica, numa mídia que exige a máxima subserviência de seus funcionários, é uma tarefa hercúlea. Como disse um colega, antigamente a gente apenas trabalhava em jornal. Hoje é preciso ser "filiado" dele, pensar como ele. Isto costuma ser bem doloroso. Para não falar das condições de trabalho, as jornadas abusivas, a precariedade, a insegurança. É preciso muito amor pela profissão, para não desistir no caminho.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Mais um chilique de Felipão

O técnico Luiz Felipe Scolari deu outro chilique ridículo após o empate entre Palmeiras e Atlético-MG pela Sul-Americana, em 1 a 1, na Arena do Jacaré. Eu não sou do tipo que fica ofendido por motivos corporativistas: jornalistas e veículos muitas vezes pensam que mandam no mundo, nunca erram, e qualquer coisa que atinja o chamado esprit des corps vira causa comum.

Mas Felipão tem atitudes autoritárias, invariavelmente mal educadas e jamais responde com cortesia qualquer questão que o desagrade. Muito parecido a um candidato à presidência da República pelo PSDB. Ontem, revoltado com tudo e todos, além de demonstrar a grosseria que lhe é peculiar (veja vídeo), deu um exemplo mais do que acabado do autoritário que é, bem ao estilo José Serra.

Descontrolado e nervoso, fez o seguinte pedido ao assessor de imprensa do Palmeiras: “Finelli, quero o nome de dois repórteres”. Ora, Felipão, vai pedir a cabeça dos repórteres? Que coisa feia.

Não é à toa que, anos atrás, ele andou fazendo elogios ao ditador chileno Augusto Pinochet, numa coletiva.

Veja vídeo: "Vocês estão de palhaçada comigo”.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A Folha de S. Paulo e a “neutralidade acomodada”

A Folha de S. Paulo deste domingo, 18, no caderno horrivelmente chamado “Poder”, publica um texto com tom de editorial para deixar clara sua postura isenta (sic) nas eleições deste 2010. “Folha reafirma princípios editoriais”, intitula-se, e, abaixo, a “linha fina” explica: “A Folha não apoia nenhuma candidatura; parâmetros ajudam a fazer cobertura isenta, sem deixar de ser crítica”.

Voltando a 1984, quando lançou o que chama de “primeiro Projeto Editorial”, continua o texto, “a Folha cristalizou no ‘Manual da Redação’ a opção por um jornalismo crítico, pluralista, apartidário e moderno” (leia na íntegra, só para assinantes). O jornal da Barão de Limeira, citando seu “Manual de Redação, afirma que “tais valores adquiriram a característica doutrinária que está impregnada na personalidade do jornal”. Bom, já que a Folha se encarrega de dotar a si mesma de uma aura tão humana, tendo até uma "personalidade", eu diria que se trata de uma criatura um tanto egocêntrica. Senão, não diria a seguir que, segundo ela mesma, "ajudou a moldar o estilo brasileiro da imprensa nas últimas décadas".

Tudo para dizer que “a cobertura eleitoral deste ano, assim, não poderia fugir desse script”. Claro, a Folha “não apoia nenhuma candidatura”, esclarece cabalmente o diário dos Frias, diferentemente de jornais como o New York Times, que apoiou Obama nos Estados Unidos, como explica nosso periódico.

Impressionante. Fiquei sabendo ontem dessa postura tão importante para o processo eleitoral no país, com esse texto tão esclarecedor. Ainda bem que meu amigo Emerson mo enviou, como se dizia antigamente. Senão eu poderia jurar que a Folha tem apoiado os candidatos tucanos em 2002, 2006 e 2010. Mas acho que foi impressão minha.

Só achei meio obscura a passagem do (artigo?, matéria?, arrazoado democrático?) texto, não assinado, onde afirma o seguinte: “E a atitude apartidária, que ‘obriga a um tratamento distanciado em relação às correntes de interesse’, não poderia ser ‘álibi para uma neutralidade acomodada’.”

O que viria a ser “álibi para uma neutralidade acomodada” em tal contexto? De qualquer maneira, pelo menos agora eu sei que a Folha foge da “neutralidade acomodada” como o diabo da cruz.

PS: Infelizmente, não sei em que página do jornal impresso está o texto. Como não comprei o exemplar, tentei saber desse detalhe de alguns amigos por telefone ou via MSN, mas nenhum deles tem, comprou ou assina o diário da Barão de Limeira.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Dunga x Alex Escobar, jornalismo e seleção brasileira

Ontem assisti aos dois programas televisivos de resenha sobre a Copa do Mundo nos canais pagos ESPN Brasil e Sportv. A bancada do programa “Linha de Passe”, do primeiro, formada por PVC, João Palomino, Paulo Soares e Fernando Calazans, de competência inconteste, passou grande parte do programa criticando Dunga e sua agressão ao jornalista Alex Escobar (veja abaixo), da concorrente TV Globo, além dos xingamentos do treinador logo depois do apito final do lamentável juiz francês Stephane Lannoy contra a Costa do Marfim.


Enquanto os jornalistas da ESPN insistiam no assunto, a bancada do Sportv (com Luiz Carlos Jr., Paulo César Vasconcellos, André Rizek e Lédio Carmona), do programa “Seleção Sportv”, afastou-se das futricas e se ocupou do que interessa mais ao público: análises dos próximos jogos da Copa, reportagens e imagens. Uns pequenos bate-bocas entre Carmona e Rizek apimentaram o programa.

Por trás do conflito aparentemente pontual entre Dunga e Escobar, na coletiva realizada após a vitória do Brasil [contra a Costa do Marfim por 3 a 1], domingo, há um aspecto pouco observado por alguns jornalistas bem intencionados e, ao mesmo tempo, ingênuos. A abordagem do “Linha de Passe” da ESPN se prestou ao papel de colocar seus profissionais como corporativistas ou inocentes úteis, aos olhos de boa parte do público.

Já que queria tanto abordar o tema, O “Linha de Passe” poderia ter informado, ao menos, o que está por trás de toda a celeuma, o que faz o UOL Esporte em matéria de hoje. “A Globo negociou diretamente com Ricardo Teixeira, presidente da CBF, entrevistas exclusivas com três jogadores da seleção, entre os quais Luis Fabiano”, que seriam exibidas no Fantástico. Segundo a matéria, de Mauricio Stycer, Dunga vetou o privilégio, para desespero do assessor de imprensa da própria CBF, Rodrigo Paiva, ainda de acordo com o UOL.

Ora, por mais condenável que seja a postura de Dunga, ele acabou agindo exatamente na direção do que muita gente, inclusive da ESPN Brasil, sempre pediu: tratamento igual, “não” aos privilégios da Globo, ética nas relações CBF e imprensa.

De qualquer maneira, o comportamento grosseiro de Dunga na beira do campo e na coletiva, após o jogo, tem lá, também, suas justificativas:

1) precisaria ter sangue de barata para assistir à pancadaria da Costa do Marfim contra seus atletas, com a complacência do árbitro, e não reagir. Elano e também Michel Bastos por pouco não tiveram as pernas quebradas pelos "jogadores" marfinenses.
O marfinense não levou sequer cartão amarelo

2) na coletiva, aconteceu aquilo a que comumente se dá com as pessoas de sangue quente: Dunga está certo ao negar privilégios à TV Globo, mas erra pela forma e acaba perdendo a razão.

Só que, aos olhos de muitas pessoas que tenho lido comentar em blogs por aí e no próprio You Tube, não são poucos os que estão do lado de Dunga, que, por seu comportamento e, principalmente por confrontar interesses nunca dantes confrontados, não deve continuar no comando após a Copa, ganhe ou perca.