quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

É 31 de dezembro





Por Roseli Costa

É 31 de dezembro. E antes que você se empenhe em fazer as comidas que irão coroar os rituais dessa data tão esperada, na companhia de amigos e familiares, aquiete-se e medite. Muitos fatos que se queriam resolvidos não tiveram solução ou até pioraram. Judeus e palestinos não chegaram à paz; a fome existe e persiste; as mortes e violências verbais às minorias mancharam o decorrer de 2014; as famílias continuam gerando sem querer e os jovens quedam no Nada, cercados por celulares com Internet... Na sua morada pessoal – seu íntimo –, sonhos jazem inertes; nódulos emocionais permanecem sem solução; hábitos nocivos persistem a amenizar a perplexidade...

No seu escritório, livros observam sem ser lidos; e-mails de amizade calam nos dedos preguiçosos; contas a pagar não fecham em saldo positivo. Mas é 31 de dezembro, data que não se consegue passar como outra qualquer, em que costumes e tudo ao redor clamam por planejamentos, desejos, revisões, esperanças e novas tentativas. Então, se é cultural, se é mais forte do que nós sozinhos, sonhemos...

Sonhemos com um mundo mais digno, mais humano, mais justo, mais igual, menos fascista. Esperemos que ao menos um passo seja dado à frente para a solução de conflitos mundiais. Que a injustiça contra as mulheres, os negros, os índios, os trabalhadores, os homossexuais, os menos favorecidos, os animais seja diminuída com a implantação de direitos legítimos e ignorados.  Que, ao menos, não tenhamos forte ímpeto de virar as costas para as possibilidades, para as portas abertas, semifechadas, ou cerradas mas sem trinco...

Feliz Ano Novo, amigos! Não nos abandonemos a sós com nossas esperanças, com nossos verbos de bom-senso, de carinho, de compreensão. Alimentemo-nos juntos da arte, do vinho, da natureza e do respeito. Mas, sobretudo, não olhemos para o horizonte sinistro, criado pela própria Humanidade, como um muro inescalável e perpétuo; ao contrário, superemo-nos e sigamos de mãos dadas!

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Um papo exclusivo com Luiz Gonzaga Belluzzo sobre o Palmeiras



Reprodução


Conversei na sexta-feira (19) com o ex-presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo, para uma matéria de economia para a RBA. Na oportunidade, tivemos um breve colóquio sobre algo menos importante, mas que ele conhece tanto como economia: como vê hoje o clube que presidiu no biênio 2009/2010. “Acho que o Palmeiras está reformulando o elenco ao meu ver de uma maneira que dá esperança de que o time não tenha um desempenho tão ruim quanto teve em 2014, porque contrataram um profissional, Alexandre Matos (ex diretor de futebol do Cruzeiro), que pelo retrospecto é um sujeito judicioso. Claro, com limitações que têm que ser impostas mesmo. Mas ele tem um retrospecto que o recomenda. O Palmeiras está fazendo contratações que, no ambiente do futebol brasileiro hoje, são bastante razoáveis”, diz Belluzzo.

Sem citar nomes, o economista afirma que o presidente do clube, Paulo Nobre, ouviu pessoas sem a estatura digna do clube. “Como disse o Brunoro, ele se aconselhou com pessoas que não tinham gabarito suficiente para serem assessores, conselheiros de um clube grande como o Palmeiras. O aconselharam a encolher o clube. Ele já percebeu, espero que tenha percebido, e a torcida do Palmeiras não admite isso”, acredita.

O Alviverde anunciou ontem a contratação do meia Zé Roberto (ex-Grêmio), de 40 anos, e o atacante Leandro, destaque da Chapecoense no Campeonato Brasileiro. O técnico Oswaldo de Oliveira foi anunciado como novo treinador da equipe na semana passada.

Ainda sobre Paulo Nobre, Belluzzo diz que o presidente de um clube grande precisa pensar de acordo com essa grandeza. “Se você se fechar dentro do clube e ficar se aconselhando com quem não tem condições de dirigir um carrinho de pipoca, é difícil... O cara pode até ter superávit com um carrinho de pipoca, mas é um carrinho de pipoca.”

Para Belluzzo, a torcida do Alviverde “não admite” um time “mais ou menos”, que tem sido a política no clube nas últimas temporadas.

Ele se diz esperançoso de que o Palmeiras consiga finalmente se manter com uma estrutura profissional e acha que a Arena pode ser um pilar para isso. “O Palmeiras é um dos poucos clubes, talvez o único no Brasil, que tenha construído uma fonte alternativa de receitas adicional (a Arena) num momento em que o futebol brasileiro está com uma reputação muito ruim. O estádio foi pensado pra isso. Mas precisa conseguir parceiros, ir atrás de patrocinadores”, diz o ex-dirigente, que bancou a ideia da Arena quando presidiu a agremiação.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O preço do petróleo, Estados Unidos, Rússia, o Brasil e o fusca do Mujica



Ou: peças de um quebra-cabeça


Roberto Stuckert Filho/PR
Dilma cumprimenta Putin em reunião de cúpula dos Brics (22/11/2014)

A crise do preço do petróleo, que tem queda violenta e chega a 60 dólares esta semana é uma pancada considerável em países como Rússia, Venezuela e Irã. Principalmente para a Rússia.

Por incrível que pareça, a desvalorização do preço do petróleo pode favorecer o Brasil. Por quê? Porque pode reduzir o déficit que o país e a Petrobras assumiram ao manter artificialmente o preço do óleo abaixo do mercado internacional em tempos recentes. E porque o Brasil importa muito petróleo, ainda, embora tenha reservas enormes.

Para a Rússia, a situação é catastrófica. Cito matéria da Agência EFE:

"Como gás e óleo respondem por cerca de 75% das exportações russas, teme-se que o país perca condições de gerar divisas necessárias para cumprimento de seus compromissos comerciais e financeiros com o exterior.

O petróleo caiu devido a uma decisão unilateral da Arábia Saudita — maior exportador mundial do combustível e principal aliado dos EUA no Oriente Médio, ao lado de Israel."  

Leia a matéria da Agência EFE neste linkPutin afirma que EUA querem fazer da Rússia um 'troféu de caça'

Fecho aspas.

De outro lado, o restabelecimento das relações entre os Estados Unidos de Barack Obama e a Cuba de Raúl Castro, e a muito pouco divulgada, em nossas plagas, aproximação visível da Rússia com a Argentina.

O Brasil ao lado de Rússia, Índia, China e África do Sul nos Brics.

As poderosas Alemanha e China em estratégico silêncio.

E, no Leste, a preocupante situação na Ucrânia, sob um governo neofascista com apoio das potências ocidentais, Estados Unidos da América à frente.

O mundo é uma panela de pressão.

Enquanto isso, aqui na terrinha a galera está encantada com as sandálias e o fusca do Mujica.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Dilma se emociona ao falar aos que perderam familiares, amigos e companheiros na ditadura


Ex-guerrilheira e presidente da República, ao receber relatório da Comissão Nacional da verdade, nesta quarta-feira, dia 10.





... E na célebre foto na sede da Auditoria Militar no Rio de Janeiro, em novembro de 1970, quando tinha 22 anos. Depois de 22 dias sendo torturada, ela responde a interrogatório. No segundo plano, militares cobrem o rosto.





sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Favoritos do cinema (10) – Paradise Now, a Palestina e a beleza misturada à dor





Revi esses dias um filme que é preciso mesmo ver, no meu caso rever. Paradise Now, dirigido pelo palestino Hany Abu-Assad (2005).

É a sensível história dos amigos de infância Khaled (Ali Suliman) e Said (interpretado por Kais Nashef). São mecânicos e trabalham em uma oficina em Nablus, cidade localizada na Cisjordânia, a cerca de 60 km de Jerusalém, com população estimada  de 200 mil habitantes.

Sob a ocupação israelense, eles cresceram com os traumas de viver numa “cidade que virou uma cadeia”, como resume a personagem Suha (protagonizada pela linda atriz Lubna Azabal), uma jovem cosmopolita, filha de família palestina tradicional, que nasceu na França e viveu no Marrocos, e que não resiste a voltar às origens e a certa altura exclama: “Não sei o que estou fazendo aqui”.

A trama das vidas de Said e Khaled subitamente sofre dramática e definitiva transformação: do cotidiano comum – até onde se pode, sem ser cínico, chamar de “comum” a vida em um território militarmente sitiado –, os dois rapazes são de repente alçados à condição de mártires palestinos, e convocados pelas lideranças a uma missão suicida em que terão que representar mais uma vez os papeis que lhe são reservados nessa terrível e interminável tragédia de dois povos. Na narrativa do filme, fica claro que eles fazem parte de uma lista, como soldados alistados à espera de serem recrutados ao teatro da guerra, em seu caso uma guerra desigual.

É impressionante a transformação operada pelo diretor nos personagens Said e Khaled, como mostram as fotos do primeiro, antes e depois de ser recrutado para a missão.

Said, o mesmo personagem, antes e depois...

Said é filho de um “colaborador”, ou seja, um palestino que se rendeu aos interesses israelenses, que entre nós chamamos “informantes”. Seu pai foi executado quando o jovem ativista era criança. Ao se dirigir ao líder que o recruta para a missão, Said justifica sua aceitação do destino, em uma fala marcante no filme:

Os crimes da ocupação são incontáveis. Mas o pior de tudo é explorar a debilidade das pessoas e convertê-las em colaboradores. Não só aniquilam a resistência, como também arruínam as famílias, sua dignidade e nosso povo. (Meu pai) era um homem bom, mas ficou frágil.”

Mas Paradise Now não propõe uma visão maniqueísta. A jovem Suha, com a experiência de ter vivido em outros contextos, por quem o jovem Said nutre uma paixão correspondida, mas impossível diante do destino histórico-fatalista que ele próprio se impõe, representa no filme a percepção de que a violência de um ataque suicida é não só inútil para a causa palestina como também a enfraquece ainda mais.

Dito assim, pode parecer que o filme de Hany Abu-Assad é baseado em um roteiro tolo e previsível. Mas não é assim. É um grande filme, que não ganhou por acaso vários prêmios, como o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, o Anjo Azul do Festival de Berlim e um da Anistia Internacional. Foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2006. E também não foi por acaso que a indicação ao Oscar provocou protestos em Israel, por "humanizar" os suicidas muçulmanos denominados no Ocidente de "homens-bomba".

Paradise Now tem muitas virtudes estéticas: a construção da trama mantém o suspense até o fim; apesar de ambientado em um cenário opressivo, o filme não se rende à violência barata a que nos acostumamos a assistir sob o rótulo de Hollywood, que um certo cinema brasileiro faz questão de reproduzir; a fotografia, com a cidade de Nablus, milenar e moderna, ao fundo, é exuberante e emocionante; a delicada construção dos personagens, as amizades, as relações familiares, as cores usadas pelas mulheres (a jovem Suha ou a mãe de Said, a impressionante atriz Hiam Abbass, nascida em 1960 em Nazareth, Israel, mesma cidade onde em 1961 nasceu o próprio diretor Abu-Assad). A beleza misturada à dor.


Kais Nashef (como Said) e Lubna Azabal (Suha)

Uma associação inevitável: será por acaso que a cena inicial de Paradise Now remeta inequivocamente à cena de Eva (Eszter Balint) chegando a Nova York no filme Stranger than Paradise, de Jim Jarmusch, de 1984? Paradise Now, Stranger than Paradise. Não creio nesse acaso. Paraíso, paradise. Palestina, Nova York.

Tudo isso para dizer que Paradise Now é um filme que precisa ser visto.



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Com Levy e Nelson Barbosa, Dilma tenta aliar equilíbrio e desenvolvimento



Da praia direto para a política econômica. Acabo de chegar de férias e, como a vida não para, conversei hoje com o professor Giorgio Romano Schutte para uma matéria para a RBA, sobre as escolhas da presidente Dilma Rousseff para a área econômica, Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento) e Alexandre Tombini (mantido no Banco Central).

Wilson Dias/Agência Brasil
Joaquim Levy

Coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Schutte discorda das avaliações segundo as quais a opção da presidente por Joaquim Levy seria uma guinada do governo à direita, no caminho do neoliberalismo. “Acho que estão se enganando. Não existe longo prazo, se existe caos no curto prazo. O Brasil não teria condições de segurar uma reação violenta se colocasse alguém claramente identificado com o PT na Fazenda. Você precisa tranquilizar o mercado e a partir daí conversar. Esse é o jogo”, diz o professor.

Não é demais dizer que concordo com ele. Além da difícil conjuntura atual (contas públicas desorganizadas, com déficit público nominal de 5% em 2014, seguidos resultados negativos da balança comercial e inflação no limite do teto), ele lembra que a estratégia política de Dilma não é novidade na história brasileira. “Ao indicar os dois juntos, Dilma quis sinalizar que precisa ter equilíbrio (com Joaquim Levy) e ao mesmo tempo colocar alguém mais ligado a uma visão desenvolvimentista [Nelson Barbosa]”, afirma o acadêmico da UFABC.

“O Lula fez em 2003, Getúlio fez em 1951. O Brasil não tem tradição de enfrentamento com o mercado. O governo também não tem maioria confiável no Congresso, não tem povo mobilizado e numa economia aberta os investidores vão embora rápido. São as limitações com as quais um projeto de transformação tem de saber lidar.”

E é isso, por enquanto. Está de bom tamanho, para um primeiro dia depois das férias.

A matéria da RBA, com links para outras opiniões na rádio, estão neste link.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Férias!


Fui dar uma banda e já volto. Até breve!














Filé de pescada ao molho de camarão

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Xico Graziano pede a quem "sonha com ordem militar" para deixar o PSDB



Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas


Inúmeros analistas e blogueiros, desde sábado (1º. de novembro), comentaram essas manifestações de fascistas ou meros ignorantes pedindo ditadura militar, impeachment da presidente reeleita Dilma Rousseff e outras coisas absurdas.

Muitas páginas e textos foram dedicados a um ex-músico que se transformou numa triste caricatura decadente de si mesmo. Não sei por que dar tanta atenção, cartaz e audiência a uma figura insignificante como esse ex-rockeiro. É mais um indivíduo que vai passar à “imortalidade risível”, como diria Milan Kundera. E bota risível nisso.

Mas o fato realmente mais importante dos últimos dias foi o depoimento do Xico Graziano sobre as manifestações fascistóides que aconteceram em São Paulo contra Dilma. Segundo matéria da CartaCapital, Graziano, ex-deputado federal pelo PSDB-SP (1998-2006), chefe do gabinete do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995), ao qual é muito ligado até hoje, e que ocupou vários cargos em governos tucanos, comentou o seguinte sobre o pedido de “intervenção militar” no Brasil: “Achei absurda tal manifestação. Antidemocrática, não republicana. Ainda por cima, pedindo a volta dos militares, meu Deus, estou fora disso”, afirmou ele no Facebook, conta a revista dirigida por Mino Carta.

Graziano é um tucano de alta plumagem. Seu posicionamento é um fato político relevante no atual contexto. É pelo menos uma indicação de que uma parcela importante do PSDB ainda pretende fazer uma oposição democrática, republicana e não golpista ao governo Dilma.

É relevante porque pelo menos alguém com voz, dentro do PSDB, emite um sinal de que é preciso isolar essa trupe udenista ignorante e retrógrada que importuna o país.

Depois de dizer que a manifestação contra Dilma era "antidemocrática" e "absurda", Graziano foi "xingado" de "comunista" e ofendido com palavras de baixo calão, e publicou o seguinte texto no Facebook:

"Mexi num vespeiro da política ao postar aqui, ontem, opinião contrária ao impeachment da Dilma. Julguei a causa antidemocrática, não republicana. Não gostei daqueles discursos irados, revanchistas e reacionários. Tomei um troco bravo. Recebi centenas de comentários, críticos a maioria, de baixo nível muitos deles. Vou aprofundar a polêmica. Sigam meu raciocínio.
Existe no Brasil uma ideologia própria da direita que se encontra desamparada do sistema representativo, quer dizer, sem partido político. Sua força se mostra na rede da internet. Essa corrente luta para destruir o PT, acusando-o de querer implantar o comunismo por aqui. Defendem as liberdades individuais, combatem tenazmente a corrupção organizada no poder, desprezam totalmente as lutas sociais, mostrando-se intolerante com o direito das minorias. O Deputado Bolsonaro e o ensaísta Olavo de Carvalho são seus expoentes.
Tudo bem. Acontece que, no período das eleições presidenciais, essa tendência se articula no seio do PSDB, trazendo para nosso partido suas causas. É normal existirem as alianças eleitorais, e para tal existe o segundo turno. O problema surge quando os militantes da direita exigem que nós, os sociais democratas, encampemos sua ideologia, o que seria um absurdo.
A intolerância mostrada em minha página do facebook reflete essa incompreensão. Criticam minha coerência, decepcionam-se com os meus valores imaginando que eu deveria assumir os deles. Pior, alguns tolamente me acusam de ser “petista infiltrado”. Dá até um pouco de dó.
Ora, nós, do PSDB, nascemos inspirados na socialdemocracia europeia, com viés da esquerda. Nossa origem reside no MDB autêntico, que foi decisivo na derrubada da ditadura militar. Nós fomos decisivos na Constituinte de 1988. Fomos nós, com FHC à frente, que criamos as bases socioeconômicas do Brasil atual, inclusive as políticas de transferência de renda e as cotas.
Na complexidade do mundo contemporâneo anda difícil rotular os partidos, e as pessoas, como de “direita” ou de “esquerda”, categorias válidas no século passado, mas ultrapassadas hoje em dia. De qualquer forma, quem concordar com as teses dessa turma aguerrida que vê o comunismo chegando, é contra os benefícios sociais, sonha com a ordem militar, por favor, deixem o PSDB. Vocês é que estão no lugar errado, não eu!

PS do blog: Não é o caso aqui de falar dos clichês repetidos ad infinitum pelas hostes tucanas ("Fomos nós, com FHC à frente, que criamos as bases socioeconômicas do Brasil atual", por exemplo), mas apenas registrar o fato político em si.

sábado, 1 de novembro de 2014

Data venia, discordo de André Singer


Jornalista e intelectual importante por sua visão relevante da economia, da sociologia e da política, André Singer não foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula por acaso. É autor de aguda análise do período iniciado com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, no livro Os Sentidos do Lulismo (Companhia das Letras). Sua trajetória passa por carreira jornalística sólida, de repórter a secretário de redação da Folha de S. Paulo. Mas (e por tudo isso) sua análise na Folha de hoje, com todo o respeito, me parece simplista. Leia neste link o artigo de André Singer, "Sinais trocados".

O mundo inteiro, da América do Norte à Europa (e até na China há reverberações não desprezíveis), passa por uma crise que diversos analistas consideram a maior do capitalismo desde 1929 (acredito que com exagero).

A crise que devastou a Europa e colocou em xeque a maior potência do planeta, os Estados Unidos, é real. Mesmo assim, o Brasil “milagrosamente” conseguiu no primeiro mandato de Dilma Rousseff manter o emprego e a política do salário mínimo, e sustentar o mercado interno.

Ao contrário de crises anteriores, do final dos anos 1990, sob Fernando Henrique, o Príncipe, a escolha de Dilma não foi promover o arrocho e o desemprego, uma das faces mais cruéis do neoliberalismo. Mas isso tem custo. A escolha do governo brasileiro de colocar o Estado (e seus agentes econômicos, como os bancos estatais) a serviço de políticas públicas, e também em investimentos em infraestrutura, ou seja, investimentos de longo prazo, tem preço. Como, por exemplo, “o rombo das contas públicas”, manchete da imprensa hoje.

O ano de 2015 não era previsto como fácil por economistas de todos os matizes, de neoliberais a “desenvolvimentistas”. Fosse quem fosse o vencedor da eleição, Marina, Dilma ou Aécio, o cenário seria, e será, difícil, como há muito se sabe. A conta a pagar seria e será alta, como teria sido em quaisquer circunstâncias. Por exemplo, no caso de, hipoteticamente, José Serra ter vencido as eleições de 2010. Só que as bombásticas manchetes de Folha, Estadão e congêneres deste sábado, 1º. de novembro, sobre o rombo das contas públicas, continuam a investir no pessimismo, como fizeram ao longo de 2013 e 2014.  O artigo de André Singer, data venia, reforça esse pessimismo.

O Estado brasileiro, de 2008 para cá, precisou desenvolver uma política econômica baseada num difícil equilíbrio para, ao mesmo tempo, não sucumbir à crise nem, por outro lado, ficar refém do mercado financeiro (leia-se: especuladores). A manutenção do emprego, na contramão da crise europeia que colocou contingentes enormes de desempregados nas ruas, foi conquistada com muitas dificuldades. Como disse acima, isso tem preço. Em período histórico recente, na era FHC, as contas públicas foram à bancarrota e a opção, perversa, foi jogar a fatura nas costas do trabalhador. O país chegou a mais de 11% de desempregados, segundo o IBGE.

Quando Lula venceu a eleição em 2002, setores “progressistas” ficaram indignados com a escolha do presidente metalúrgico para a presidência do Banco Central, Henrique Meirelles. Mas não custa lembrar que Meirelles “iniciou sua gestão de presidente do Banco Central em um momento de crise econômica com o câmbio do dólar em valores próximos a R$ 4,00, taxa de juros Selic de 25% ao ano, inflação prevista para acima de 11% em 2003”. As aspas são da Wikipedia, mas os dados são esses mesmos.

Esses índices, em 2014, são os seguintes: o dólar está em R$ 2,48, a Selic em 11,25% e a inflação prevista pelo mercado para 2014 é de 6,45%.

Meirelles presidiu o BC de 2003 a 2010. Nesse período e no posterior, sob Dilma, os resultados das políticas públicas estão aí para quem quiser conferir. O “conservadorismo” de Lula na política econômica e no Banco Central esteve a serviço de uma política de distribuição de renda, o que é inegável.

Dilma tem um desafio enorme. Serão necessários ajustes para reequilibrar as contas públicas. 

Haverá impacto nas tarifas. A gasolina, calcanhar de Aquiles do mercado de consumo brasileiro, apenas como um exemplo, vai aumentar. “Não aumentou antes por causa da eleição”, dirão. Ora, e qual governo de centro-esquerda aumentaria o preço em tais circunstâncias, no meio de um dos mais difíceis processos eleitorais da história brasileira? Para entregar a presidência da República ao PSDB de Aécio Neves e Armínio Fraga?

Francamente, amigos, vão dar uma voltinha na Ucrânia e depois voltem para contar.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

E se a mentira de Veja tivesse mudado o resultado da eleição?






E se o "jornalismo de esgoto" – como se referiram à revista Veja os presidentes nacional e estadual do PT, Rui Falcão e Emidio de Souza – tivesse de fato logrado mudar o rumo da eleição do dia 26 e impedido a vitória de Dilma Rousseff?

A quem o PT, a coligação, seus eleitores e a democracia brasileira iriam recorrer? Evidente que, depois de uma eleição consolidada, mesmo que com resultados induzidos por uma reportagem mentirosa e eleitoralmente criminosa, seria praticamente impossível reverter a situação, até mesmo depois de comprovada a fraude promovida pelo "jornalismo de esgoto".

O Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal, chamados a intervir para reparar o desfecho de um processo democrático comprovadamente contaminado pela "liberdade de informação" do jornalismo de esgoto, decidiriam por novas eleições, dada a gravidade do crime praticado pela revista? Duvido, até porque não é crível que tal decisão, mesmo embasada no "bom direito", fosse depois respeitada pela raivosa e protofascista oposição brasileira, formada pelos políticos tradicionais, pela mídia e pelos eleitores de Aécio Neves, eleitores cujo caráter golpista e truculento ficou claro nas manifestações e nas agressões racistas nas redes sociais e nas ruas, onde as agressões chegaram a ser físicas. Os tribunais estariam, de fato e de direito, diante de uma situação institucionalmente explosiva.

Aécio teria ganho a eleição, estaria configurado um golpe e haveria diante de nós uma encruzilhada diante da qual não acredito, como disse, que os tribunais tomassem uma decisão de anular o pleito por evidente contaminação e crime eleitoral grave.

Como então se recuperaria a credibilidade de uma República em que a eleição, o mais importante fato político e coroamento da democracia, tivesse sido decidida pela mentira e pela fraude?

Não se sabe quantos votos a sujeira espalhada pela revista da Abril desviou de Dilma para Aécio nas últimas 24 horas antes da eleição. Fala-se em 3 milhões, mas esse número é evidentemente um chute. Seja como for, parece lógico supor que um contingente significativo de indecisos votou no PSDB devido à capa da publicação da Marginal.

Em matéria de hoje (30), o jornal Valor diz que "o advogado que representa Alberto Youssef, Antonio Figueiredo Basto, negou envolvimento na divulgação de informações que teriam sido prestadas pelo doleiro no âmbito da delação premiada, sobre o conhecimento de suposto esquema de corrupção na Petrobras pela presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 'Asseguro que eu e minha equipe não tivemos nenhuma participação nessa divulgação distorcida'", diz a matéria. Ou seja, a matéria (da Veja) é uma farsa.

Em post publicado ontem no blog do Valter Pomar, intitulado "Comemoração e luta", a direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda volta a insistir na necessidade de "fazer reformas estruturais, com destaque para a reforma política e para a Lei da Mídia Democrática".

O post defende "a construção de um jornal diário de massas e de uma agência de notícias, articulados a mídias digitais (inclusive rádio e TV web), com ação permanente nas redes sociais, que sirvam de retaguarda e de instrumento do campo democrático-popular na batalha de idéias". Na minha opinião, já passou da hora de isso ser construído.

Os golpistas não ganharam, desta vez. Mas não descansarão.

Até porque as eleições de 2018 já começaram. Basta ver as movimentações políticas e o comportamento da oposição a Dilma no Congresso Nacional, encabeçada por lideranças do PMDB como Eduardo Cunha.

Em vídeo divulgado hoje, o ex-presidente Lula sugere que a revista da marginal seja tratada com indiferença. “A gente tem que ver que a Veja é uma revista de oposição ao governo. Pronto, acabou. A gente vai sofrer menos, não tem azia." Essa posição de Lula é ingênua. A revista poderia ter mudado o resultado de uma das mais importantes eleições do país e da história da América Latina. Não concordo com essa visão fleumática de Lula.

É preciso uma legislação que coíba severamente, com punições e multas pesadas, muito pesadas, essa sem-cerimônia criminosa com que veículos de imprensa e TV plantam notícias falsas, sem provas, e depois fica tudo por isso mesmo.

Nos Estados Unidos, país considerado modelo ocidental de democracia e liberdade pelos eleitores de Aécio Neves, o sujeito pode apresentar uma denúncia, no jornal, na revista ou na TV. Mas tem que provar. Senão terá de responder à justiça. Paulo Francis fez acusações gravíssimas de corrupção na Petrobras, e foi processado pela empresa nos Estados Unidos, segundo as leis americanas. Note-se, o governo de então não era do PT, mas de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, ano da morte de Francis, de infarto, dizem que muito estressado e deprimido por saber que sua situação jurídica era irreversível e teria de pagar uma indenização milionária à Petrobras.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Crônica de uma vitória não anunciada



Fotos: Carmem Machado
Avenida Paulista/ São Paulo, 26/10/2014

O QG montado pelo Partido dos Trabalhadores, em um hotel na região da avenida Paulista, na capital de São Paulo, para acompanhar a apuração da mais dura eleição após a redemocratização do país neste domingo, 26 de outubro, foi um termômetro da ansiedade e da desinformação que marcaram por todo o país a contagem dos votos na disputa entre o tucano Aécio Neves e a petista Dilma Rousseff.

Já se sabia que o processo de apuração seria nervoso, mas não se esperava tanto. Eram aguardadas a presença de ministros do governo Dilma oriundos do estado de São Paulo, principalmente Aloizio Mercadante (Casa Civil), Marta Suplicy (Cultura) e José Eduardo Cardozo (Justiça), que haviam comparecido no mesmo hotel quando da eleição do prefeito Fernando Haddad, em 2012.

O semblante de militantes e das poucas lideranças que chegavam caladas, falando ao celular ou procurando informações entre si, era de angústia e dúvida. Depois das seis e meia da tarde, 90 minutos antes da prevista divulgação dos resultados, que seria atrasada em função do fuso horário e do horário de verão, nenhum ministro havia chegado. Informações sobre supostas pesquisas de boca de urna vazadas aqui e ali começaram a pipocar. Elas falavam em vitória de Dilma Rousseff, por 54% a 46%.

Também chegavam informações de que trackings de fontes confiáveis do PT davam uma disputa “pau a pau”. Diferentemente de situações desse tipo, em que lideranças “bem informadas” costumam dar alguma sinalização do que poderia estar ocorrendo, todos eram iguais no hotel: repórteres de todos os tipos de veículos de mídia, líderes sindicais, militantes e as poucas autoridades petistas que, aos poucos, foram chegando. Ninguém arriscava palpites nem tinha informação confiável.

As especulações começaram a dar conta de que as ausências de ministros e do próprio prefeito Fernando Haddad eram sintoma de que algo estava muito mal para a “candidata oficial”, como se referia a Dilma Rousseff o tucano Aécio Neves durante a campanha. Isso porque o PT é reconhecidamente competente no acompanhamento de informações de processos de apuração em eleições. A avaliação era de que, se não havia informação, era porque não havia boas notícias para os petistas, era porque a coisa "estava feia."

Confrontado com essa versão, o presidente do PT paulista, Emidio de Souza, afirmou que era natural que os ministros ficassem em Brasília, com Dilma. O secretário de Desenvolvimento e Trabalho do prefeito Fernando Haddad, Artur Henrique, também não sabia de nada. “Eu sei o que vocês sabem”, disse. Ele não estava blefando. O semblante mostrava isso.

Um importante líder sindical petista da região metropolitana de São Paulo, olhando para o telão, comentou: “é importante observar a expressão facial das pessoas. Olhe a cara do Walter Feldman", disse o sindicalista, no momento em que o líder da Rede de Marina Silva aparecia num debate televisivo. “Ele não perece estar muito feliz.” Era verdade. Contudo a TV também mostrava o recém-eleito deputado federal petista José Américo enquanto ele passava as mãos no rosto. E também o ex-candidato ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha. Ninguém parecia estar muito feliz. Era a face de tucanos e petistas em todo o país.




A contagem regressiva começou quando faltavam oito minutos para as 20 horas e a militância começou a se agitar e entoar cantos e palavras de ordem. Porém, ao contrário do que essa manifestação poderia significar, não era nenhuma informação de vitória captada por alguma liderança e vazada que se alastrara de repente. Era pura e simplesmente torcida. Informação, de fato, ninguém tinha. Era como quando a prorrogação de uma final de Copa do Mundo acabou empatada e vai começar a disputa de pênaltis.

Aconteça o que acontecer, o PT precisa repensar as estratégias em São Paulo", disse um dos líderes presentes.

Então, lideranças do PT e de movimentos sociais, militantes, jornalistas e sindicalistas foram se aglomerando perto do telão ligado em uma emissora de TV, do lado esquerdo do palco tomado por fotógrafos, e da tela do TSE, do lado direito.

Havia quem chorava, quem passava a mão no rosto, quem andava de lá para cá, quem não queria nem ver e quem tentava animar a militância. Faltava um minuto para as 20 horas. “A tucanada vai cair, a tucanada vai cair”, gritavam algumas poucas dezenas de vozes entre as centenas de angustiados no anfiteatro.

A âncora da emissora de TV, então, anunciou que iria revelar os resultados das urnas para a Presidência da República.

Com cerca de 94% dos votos totalizados, Dilma Rousseff tinha 50,99% dos votos válidos, contra 49,01% de Aécio Neves. Explosão. Gritos de alegria, palavras de ordem. “Ei, Veja, vai tomar no c...”

No entanto a fatura não estava concluída. “Ainda faltam seis milhões de votos!”, exclamou um repórter. “Velho, estou tremendo”, disse outro, de um veículo da “mídia tradicional”.


Passaram-se vários minutos. Muito longos. Como se diz, o tempo é relativo. Até que, às 20h17, o presidente do PT de São Paulo, Emidio de Souza, subiu ao palco. Na companhia da vice-prefeita paulistana, Nádia Campeão (PCdoB), ele disse: "Em nome da coligação que sustentou a candidatura da Dilma, quero anunciar com orgulho a vitória da presidenta. É uma vitória da democracia contra os golpistas. Os golpistas têm nome e endereço. Eles se chamam revista Veja."

O resultado final da apuração seria 51,64% a 48,36%.

sábado, 25 de outubro de 2014

A resposta do programa de Dilma a Veja




Está mais do que na hora de o governo acabar com a inexplicável derrama de verbas publicitárias federais nesse esgoto em que se transformou essa revista vagabunda. Reelegendo-se domingo, Dilma tem a obrigação de dar uma resposta a parte de seus eleitores que esperam posicionamentos firmes contra essa orgia midiática que as famiglias dos chefões do quarto poder chamam de "liberdade de imprensa".

Se é difícil fazer a urgente Lei de Meios, que se comece cortando verbas publicitárias que alimentam essa máfia.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Aécio Neves não representa a direita por acaso



Igo Estrela/Coligação Muda Brasil
Aécio e Antônio Anastasia, seu sucessor no governo de MG

O comportamento de Aécio Neves como porta-voz de uma direita raivosa, aliado de forças obscurantistas e protofascistas, não é por acaso. Vem de berço.

Aécio gosta de aparecer (e a mídia vende essa ideia com sofreguidão) como neto de Tancredo Neves. O senador e ex-governador de Minas Gerais é neto de Tancredo por parte de mãe.

Mas Aécio e seus incentivadores midiáticos nunca lembram de sua origem paterna. Aécio é filho do advogado Aécio Ferreira da Cunha, que foi quatro vezes deputado federal pela Arena, a Aliança Renovadora Nacional, o partido que era a máscara partidária da ditadura civil-militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985.

O pai do candidato tucano à presidência da República em 2014 foi eleito em 1962 deputado pelo PR com financiamento do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática). O IBAD era “sustentado por verbas dos Estados Unidos com intenção de derrubar o presidente João Goulart”. Esta informação não é de nenhum órgão de extrema esquerda comunista, é do portal Uol, do grupo Folha, que vocês podem ler clicando aqui.

Os sites mais próximos da famigerada esquerda-vermelha-que-come-criancinha vão um pouco além, só um pouquinho. “Nas eleições de 1962, ele (o pai de Aécio) foi financiado por empresas norte-americanas. O financiamento ocorreu por meio do IBAD, uma OnG ligada à CIA (Agência de Espionagem dos EUA)”, diz o site do ultra-esquerdista PCO, como vocês podem ler aqui. O que não é muito diferente do que diz o Uol.

A verdade é essa. Aécio Neves não representa a direita devido a uma fortuita conjugação de forças de um segundo turno das eleições de 2014. Aécio Neves É a direita, desde o berço.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

PT x PSDB


Manifestações pró-Aécio Neves e por Dilma Rousseff em Belo Horizonte, no último fim de semana, 18 e 19 de outubro. As imagens falam por si.





Dilma na PUC, na rua Monte Alegre


O que mais me marcou no belíssimo ato político do Partido dos Trabalhadores no Teatro da PUC de São Paulo, o Tuca, ontem dia 20, foi aquela multidão de jovens com expressão forte e determinada, mas alegre e falando do futuro. Sem ódio, sem preconceitos, só mesmo querendo um mundo melhor.

ICHIRO GUERRA / DIVULGAÇÃO


Sou um “filho da PUC”, como se diz, onde me formei em Comunicações em 1988, quatro anos depois das Diretas Já e um ano antes de Fernando Collor de Mello ser eleito presidente do Brasil, o que obscureceu o futuro de minha geração naquele momento.

Por isso, o evento no velho Tuca da PUC, onde aprendi coisas e conheci pessoas fundamentais, teve também um significado afetivo. No período em que fui estudante de jornalismo na PUC, D. Paulo Evaristo Arns era arcebispo de São Paulo e influenciava decisivamente a universidade católica. Era uma época em que a PUC era barata e era um ambiente politicamente efervescente. Dom Paulo foi um dos responsáveis pela eleição de Luiza Erundina em 1988.

Fora o aspecto histórico-afetivo pessoal, o ato político no Tuca desta reta final de campanha, que reuniu Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, teve um caráter político ao mesmo tempo simbólico e concreto. No palco desse teatro emblemático de São Paulo, estavam reunidas lideranças políticas como Fernando Haddad, o ex-presidente do PSB Roberto Amaral, Gilberto Maringoni do PSOL, Michel Temer, artistas e intelectuais como Alfredo Bosi, Zé Celso Martinez Corrêa e Raduan Nassar, entre muitas outras figuras.

O grande jurista Celso Antonio Bandeira de Mello também estava no Tuca. Disse ele, em seu discurso, que Aécio Neves é “uma folha em branco”.

No palco do Tuca, como escrevi na matéria para a RBA, a escritora e artista plástica negra Raquel Trindade fez discurso emocionado, no qual clamou pelo Estado laico, pela diversidade cultural e pelo direito de culto. Ela contou que viveu um momento difícil quando da ascensão da ex-candidata Marina Silva (PSB) nas pesquisas. “Entraram no meu quintal e quebraram os assentos dos meus orixás. Todas as religiões têm de ser respeitadas. Nós vivemos num país laico”, disse ela, que naquele momento parecia uma mãe de santo.

O evento no Tuca me deixou otimista. Pelas notícias, Pernambuco também registrou um evento importante nesta reta final, quando a militância petista costuma decidir.

E a pesquisa Datafolha – que dá 4 pontos percentuais de Dilma sobre Aécio, com crescimento da presidente entre mulheres, entre a população de 2 a 5 salários mínimos e no Sudeste do país – já revela o que se divulgava nos trackings na sexta-feira, dia 17.

Acredito que a única coisa que pode evitar a reeleição de Dilma é o imponderável – inerente à política brasileira desde sempre.

Como se diz no futebol, "somos favoritos, mas ainda não ganhamos nada". No entanto, ao ver aquela multidão de jovens na rua Monte Alegre, pensei em Brecht, que escreveu:

Mas quem é o partido?
Ele fica sentado em uma casa com telefones?
Seus pensamentos são secretos, suas decisões desconhecidas?
Quem é ele?

Nós somos ele.
Você, eu, vocês — nós todos.
Ele veste sua roupa, camarada, e pensa com a sua cabeça
Onde moro é a casa dele, e quando você é atacado ele luta.

Mostre-nos o caminho que devemos seguir, e nós
o seguiremos como você, mas
não siga sem nós o caminho correto
Ele é sem nós
o mais errado.
Não se afaste de nós!
Podemos errar, e você pode ter razão, portanto
não se afaste de nós!

Que o caminho curto é melhor que o longo, ninguém nega
Mas quando alguém o conhece
e não é capaz de mostrá-lo a nós, de que nos serve sua sabedoria?
Seja sábio conosco!
Não se afaste de nós!

(Bertolt Brecht)

domingo, 19 de outubro de 2014

Meu pai e Aécio Neves


Roseli da Costa


Esse aí da foto acima, com a vassoura e a pazinha varrendo o quintal, é seu Oswaldo, meu pai.

Ontem conversei com ele por telefone, entre outros assuntos, sobre eleições. Meu pai é um paulistano e paulista típico.

Seu Oswaldo, que tem 85 anos completados em junho, estava indignado com "a falta de respeito" de Aécio Neves ao chamar Dilma Rousseff de "mentirosa".

Disse ele literalmente: "o cara chama a presidente da República, eleita pelo povo brasileiro, e mulher, de mentirosa, e fica por isso mesmo? Não tem como falar pras pessoas da assessoria da Dilma que ela não pode admitir isso?"

Seu Oswaldo vota na Dilma. Ele não é petista. É uma pessoa de classe média, fruto do milagre econômico dos anos 1970, que começou a trabalhar aos 10 anos de idade (em 1939, no início da Segunda Guerra) e viu a catedral da Sé ser erguida e inaugurada em 1954, quando tinha 25 anos.

Seu Oswaldo sabe, como muitos brasileiros, que o PSDB de Fernando Henrique e Aécio Neves não tem o menor compromisso com os trabalhadores ou com com os aposentados. Ele sabe isso tanto intuitiva como concretamente. Acho que meu pai é um personagem representativo de São Paulo.

Tenho a impressão de que o voto em Dilma vai crescer no estado, muito por causa das mentiras e ataques de Aécio Neves, que não colam, e o povo brasileiro amadureceu. Em São Paulo é que o bicho pega.

De resto, no Nordeste inteiro, no Rio de Janeiro e provavelmente em Minas Gerais, Dilma deve ganhar. Pernambuco, terra de Eduardo Campos, é uma incógnita. Lá, Marina venceu no primeiro turno. Tenho a impressão de que em Pernambuco Dilma vence. No Rio Grande do Sul, o governador Tarso Genro deve perder a eleição para o candidato do PMDB ao governo do estado, José Ivo Sartori. Mas Dilma ganhará no estado. Aécio deve vencer em Santa Catarina e Paraná, os dois menores estados do Sul.

As principais incógnitas são:
- como vai ser a votação em São Paulo?
- Dilma vai ganhar em Minas? Acredito que sim.
- Dilma vai ter uma dianteira importante em Pernambuco?
- quantos dos eleitores de Marina vão votar em Aécio ou Dilma?

Parece-me que as possibilidades de Dilma ganhar são grandes, se não houver "incidentes de percurso". A oposição (mídia, mercado financeiro, Estados Unidos, Aécio Neves) tenta ganhar ou já de antemão desgastar um possível segundo mandato de Dilma.

Seja como for, fica registrada a opinião do seu Oswaldo, meu pai.


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Pensamento para sexta-feira [54] - Chico Buarque vota em Dilma Rousseff


"Em 2010, eu votei na Dilma muito por causa do Lula. Neste ano, voto na Dilma por causa da Dilma."
(Chico Buarque de Hollanda)


Bem, não tem como não mostrar nosso Chico Buarque de Hollanda declarar seu voto na Dilma Rousseff, como pensamento para esta sexta-feira, 9 dias antes da mais importante eleição do país desde 1989.

A fala de Chico está no programa da Dilma desta quinta-feira (16 de outubro), que segue na íntegra abaixo. Mas quem quiser ver apenas o depoimento dele, vá a 1:52 do vídeo.




PS: estou curioso para saber em quem vão votar os marineiros tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil, que ainda não manifestaram suas posições no segundo turno. Infelizmente, dona Canô, que em 2010 puxou a orelha do filho rebelde Caetano, que chamara Lula de "analfabeto", neste 2014 já não está mais entre nós.

PS2: Como informa Lourival Sakiyama em comentário a este post, Gilberto Gil declarou voto em Dilma. Importante, já que fez campanha pró-Marina no primeiro turno, e até musiquinha para a campanha dela.

Peço licença à família de Caetano, a quem muito respeito e a quem muito devemos todos nós que amamos a cultura brasileira, a poesia e a arte, para reproduzir o vídeo abaixo, de 2010.


 

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Dilma e Aécio no debate do segundo turno da Band: a gestora e o príncipe




Fotos: Ichiro Guerra e Marcos Fernandes


O debate inaugural do segundo turno, na Band, foi dividido em duas partes:

- na primeira, Aécio Neves, o neto de Tancredo (ministro de Getúlio Vargas), Aécio o Purificador, saiu na frente atacando, e Dilma perdeu essa parte em que prevaleceu o espírito udenista de Carlos Lacerda incorporado em Aécio, um golpista clássico (falta a Dilma um certo espírito brizolista para desconstruir a mentira de maneira eficaz);

- na segunda parte, confrontado com a realidade (Lei Maria da Penha, direitos dos trabalhadores, inflação, FHC versus Lula/Dilma, políticas sociais, redistribuição de renda, a história, Armínio Fraga etc.), me parece que Aécio ficou muito nervoso e acabou sendo batido "por pontos", como se diria no boxe, mas incontestavelmente. Há quem ache que foi nocaute, mas eu não acho que tenha sido nocaute devido à ignorância do povo brasileiro e à mesquinhez das elites ou dos que, coitados, pensam que são elite e cotidianamente agridem direitos ou apoiam a agressão a direitos.

Aécio Neves é um político mais eficiente do que Dilma Rousseff. Mas Aécio representa exatamente o oposto da "nova política" e da "mudança".

Significativo que o nome de Marina Silva só tenha sido pronunciado, por Aécio, no fim do debate, nas considerações finais. Dilma não pronunciou a palavra Marina. É uma constatação interessante.

A decisão de Marina de apoiar Aécio desmentiu a própria história de Marina e rachou, pra não dizer implodiu, a Rede Sustentabilidade.

O ex-governador de Minas Gerais não conseguiu responder por que perdeu a eleição em seu quintal no primeiro turno. Ele, que começou atacando na questão da Petrobras, que fez um discurso muito claro como ventríloquo do mercado financeiro, não conseguiu responder sobre o aeroporto cujas chaves seu governo deu a seu tio para guardar.

Aécio começou confiante e acabou ficando muito tempo na defesa, na segunda parte do debate.

Na minha opinião Dilma atuou como o que é, uma gestora. Aécio, também como o que é: um político tradicional. Um coronel, ou um príncipe, segundo a narrativa de Maquiavel.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Segundo turno começa igual entre Dilma e Aécio e nem o mercado financeiro aposta no tucano



Ichiro Guerra


As pesquisas erraram muito no primeiro turno para serem consideradas confiáveis, até mesmo pelo mercado financeiro. Mesmo assim, o PT comemora o empate entre Aécio e Dilma no primeiro levantamento do segundo turno. 51% a 49% para Aécio é um rigoroso empate, apenas uma manchete circunscrita na margem de erro. Havia temores no PT de que o tucano pudesse ter uma dianteira de fato. Mas não tem. E se não tem na largada, não vai ser muito fácil tirar a diferença de 8,37 milhões de votos que Dilma teve sobre Aécio no primeiro turno, e consolidar a vantagem. Dilma obteve 43,27 milhões, contra 34,9 milhões do tucano.

Na segunda-feira, Aécio Neves disse em coletiva em São Paulo: “Quero convidar a candidata Dilma Rousseff para fazermos uma campanha em alto nível, propositiva, à altura do que esperam de nós os brasileiros.” Ele pode dizer isso com tranquilidade, porque sabe que a imprensa (Globo, Folha, Estadão, Band, Jovem Pan etc.) faz o jogo pesado por ele.

Mas, voltando ao início, a Bovespa fechou nesta quinta-feira 9, às 17 horas, cerca de 3 horas antes do horário previsto para sair Datafolha e Ibope, com uma discretíssima alta de apenas 0,37%. Como sabemos que os investidores sempre têm informações privilegiadas antes do consumo público, e às vezes até informações mais realistas do que a que chega ao público, a pequena alta indicava que o segundo turno começa muito mais equilibrado do que esperavam os apostadores em Aécio.

Aécio chegou a mostrar em seu programa de estreia no horário eleitoral do segundo turno a esquisita pesquisa da tal Paraná Pesquisas, publicada pela revista Época de ontem, dando-lhe uma vantagem farsesca.

Mas o mercado sabe mais do que é divulgado. Pelas informações que tenho diretamente do mercado financeiro, ou seja, dos anti-PT, a aposta deles é de que as chances são de 50% contra 50%. Se o mercado financeiro acha isso, é porque a situação é mais favorável a nós no momento, embora possa mudar.

O colunista do Estadão José Roberto de Toledo escreveu, após a divulgação de Ibope e Datafolha, que “os boatos sobre outras pesquisas, divulgadas ou não, dando ampla vantagem a Aécio ajudaram a criar a expectativa exagerada. Era um exagero não compartilhado pela maioria dos eleitores. A maior parte aposta mais na reeleição de Dilma (49%) do que na vitória do tucano (40%). Ele só é favorito aos olhos do eleitorado mais rico, com nível superior e entre quem mora na região Sul”.

A propaganda de Aécio na TV me pareceu mais convincente, como propaganda. Dilma começou o horário eleitoral no ritmo de João Santana, conservador, mas já lembrando que Dilma venceu Aécio em seu território, Minas Gerais, e que, além disso, o PT elegeu Fernando Pimentel em primeiro turno. É importante porque muita gente não sabe que Aécio perdeu do PT duplamente em seu próprio quintal.

A definição do dia 26 vai mostrar se o eleitor brasileiro amadureceu o suficiente para discernir sobre seu próprio destino. Nas eleições de 2006 e 2010 ele optou pela realidade. Em 2014 existe essa mística de mudança, a tal “voz das ruas”. Mas a juventude que foi às ruas em junho de 2013 pedindo novos tempos ajudou a reeleger Geraldo Alckmin.

Pastor Everaldo e Roberto Freire aparecerem na propaganda de Aécio Neves pode ter resultado muito ruim para Aécio. Pastor Everaldo teve menos de 1% dos votos, e Roberto Freire, do cada vez mais inexpressivo PPS, sequer foi eleito deputado. Assim como sua correligionária Soninha Francine, mais queimada do que carvão de churrasco.

Quanto a alianças, se Aécio conseguiu o apoio oficial do PSB junto a outras forças de direita e extrema direita, outros apoios surgirão. É importante por exemplo o apoio a Dilma do deputado Jean Wyllys, do PSOL do Rio de Janeiro. "O muro não é meu lugar, definitivamente. Nunca gostei de muros, nem dos reais nem dos imaginários ou metafóricos (...) Por isso, aderindo à posição da direção nacional do PSOL, que declarou ‘Nenhum voto em Aécio’, eu declaro que, neste segundo turno das eleições, eu voto em Dilma e a apoio, mesmo assegurando a vocês, desde já, que farei oposição à esquerda ao seu governo", escreveu Wyllys em sua página do Facebook.

O apoio de Jean Wyllys é interessante porque, em si mesmo, questiona as conservadoras (sim, conservadoras) declarações de “não-voto” em Aécio dadas pela senadora Lídice da Mata (PSB-BA), Luiza Erundina (PSB-SP) e Luciana Genro (PSOL-RS).

Acho sinceramente que a campanha de Dilma Rousseff tem muitas chances de êxito. A canalhice midiática em torno do “delator” Paulo Roberto Costa sobre a Petrobras apenas repete a exploração semelhante feita em 2006 sobre o “mensalão” e em 2010 sobre o caso Ereni Guerra (arquivado pela Justiça Federal em 2012 por falta de provas). As chamadas “balas de prata” do vampirismo político.

É fato que, pela primeira vez em quatro eleições, existe a possibilidade real de perdermos. Mas acredito que, como disse Valter Pomar em entrevista em fins de maio, portanto há mais de quatro meses, “a Dilma vai ganhar as eleições. No segundo turno, numa disputa duríssima, mas vamos ganhar”.



quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Aécio Neves e todos contra Dilma


Entre outros, os apoiadores de Aécio Neves são os seguintes: Marina Silva, Pastor Everaldo, Ronaldo Caiado, Ronaldo Fenômeno, o PSB de Roberto Amaral, Beto Albuquerque e Luiza Erundina, Soninha Francine, Eduardo Jorge, Gilberto Natalini, Geraldo Alckmin etc; Rede Globo, jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, revista Veja, Band (TV e rádio), Jovem Pan, o mercado financeiro etc.

A “nova política” se alia ao "desejo de mudança".

Os manifestantes de 2013 votaram majoritariamente em Geraldo Alckmin, em Marina e Aécio.

A aliança de Roberto Amaral com Aécio Neves sela o fim do PSB como partido de esquerda. Roberto Amaral traiu a memória de Miguel Arraes.

É uma pena, mas Roberto Amaral faz parte da galeria de políticos que o escritor tcheco-eslovaco Milan Kundera definiu como os dignos da “imortalidade risível”. Amaral jogou fora a sua própria história. Chega a dar pena, mas Roberto Amaral não é digno de pena.

Ainda não tem a foto de Marina Silva com Aécio Neves.


Valter Campanato/Agência Brasil


Igo Estrela/Coligação Muda Brasil


Orlando Brito/ Coligação Muda Brasil

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Dilma versus Aécio, crônica de um segundo turno anunciado


A verdade é que este blog nunca considerou Aécio Neves carta fora do baralho, nem mesmo quando Marina chegou ao auge de sua popularidade nas pesquisas, no fim de agosto. E o debate na Globo acabou por consolidar o crescimento que o tucano já registrava nas últimas semanas.

A diferença, em termos percentuais, entre o que José Serra teve em 2010 e o que Aécio conseguiu em 2014 é mínima. Aécio registrou cerca de 1 ponto percentual a mais do que Serra há quatro anos.

2010
Dilma: 46,91% - 47.651.434 votos
José Serra: 32,61% - 33.132.283 votos
Marina Silva: 19,33% - 19.636.359 votos

2014
Dilma: 41,59% - 43.267.438 votos
Aécio Neves: 33,55% - 34.897.196 votos
Marina Silva: 21,32% - 22.176.613 votos

A questão é que Dilma teve desempenho mais de 5% inferior no primeiro turno de 2014. O eleitorado de Marina é menos difícil de conquistar para Dilma do que seria o de Aécio, mais ideológico e politicamente consistente, caso o segundo turno fosse contra Marina. O da pessebista é um eleitorado que responde menos a comandos partidários do que o dos tucanos.

Um dado a se considerar é que o PSOL de Luciana Genro praticamente dobrou a votação de 2010, quando teve 886.816 votos, 0,87 %, com Plínio de Arruda Sampaio. Luciana Genro teve 1.612.186 votos, 1,55%.

Ao voltar para casa hoje (ontem) à noite, peguei um táxi de um rapaz do Pará. Disse que votou em Marina. “Mas agora não tem jeito, vou votar na Dilma”, disse o rapaz, e emendou: “Veja lá em Minas. O Aécio não ganhou lá por quê? Se nem o povo dele deu vitória a ele...”

O segundo turno vai ser um embate importante sobre o futuro do Brasil. Desculpem o clichê.

sábado, 4 de outubro de 2014

Aécio Neves pode ter conseguido passagem ao segundo turno no debate da Globo







24 horas depois do confronto da Globo na quinta-feira, 2, após refletir e lembrar, durante o dia, dos embates desse que foi o melhor debate em muito tempo (incluindo os de eleições passadas), acho que, se tiver segundo turno, Aécio Neves pode ter conseguido ultrapassar Marina no encontro da Globo.

Lembrando a velha metáfora do boxe, onde reinaram Muhammad Ali e Mike Tyson, Aécio entrou com sangue nos olhos e, apesar de sua postura ardilosa e historicamente udenista, aliado à extrema direita representada por Pastor Everaldo, ele se destacou com um discurso direto e objetivo.

Nos bastidores do PT, existe a discussão sobre quem seria o adversário mais difícil no segundo turno. Uns acham que seria Marina, mas mesmo para esses parece que vai ficando claro que Aécio vai ser mais complicado de enfrentar.

Porque Aécio é mais coerente do que Marina, tem mais estrutura político-partidária, aglutina de forma mais consistente o ideário da direita, é mais difícil de ser desconstruído, tem mais condições de estabelecer interações com as forças políticas que Marina, presa à armadilha que construiu a si própria com o mantra da "nova política", tenta agora tardiamente conquistar, além de reconquistar o eleitorado que havia ganhado e perdeu, para Dilma e Aécio, tarefa quase impossível numa eleição.

As circunstâncias desconstruíram Marina, como Michel Temer previu. Consiga ela ou não passar ao segundo turno.


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O debate da Globo




Luciana Genro, Aécio Neves e Pastor Everaldo se unem contra Dilma. Como sempre, junto com direita e extrema direita, o PSOL escolhe o PT como alvo.

Dilma vai mal e fica na defesa contra Aécio, que ataca usando o onipresente tema da corrupção, com foco na Petrobras. Mas Dilma se recupera contra Marina, dizendo que ela "confunde autonomia com independência" do Banco Central. Aqui, Marina começa a naufragar no debate, e suas intervenções expõem de maneira cabal as fragilidades de sua campanha e de seu "programa de governo em movimento".

Dobradinha de Pastor Everaldo e Aécio se repete por duas ou três vezes. Aliança obscurantista.

Eduardo Jorge chama Levy Fidelix pro pau. Um bom momento do debate.

Marina Silva insiste no tema corrupção em tabelinha com pastor Everaldo.

Fiel ao estilo metralhadora giratória, Luciana Genro/PSOL leva Marina às cordas.

Aécio resolve entrar na seara de Dilma, economia. Nesse momento, comentei aqui em casa: “Aécio está se arriscando”. E, de fato, leva um pau ao ouvir de Dilma que o PSDB fez um governo neoliberal, desempregou, elevou taxas de juros e ficou de joelhos perante o FMI. "Vocês quebraram o Brasil 3 vezes", lembra a presidente. Nesse embate, Dilma se recuperou depois de dois rounds anteriores em que, com seu jogo sofista e falseador, Aécio, falando de corrupção, fez o jogo sujo, inclusive em parceria com seu aliado de extrema direita, Pastor Everaldo, e Dilma não conseguiu responder.

Luciana Genro continua no ataque e leva também Aécio às cordas. Luciana volta a dizer, como no debate anterior, que Aécio não tem autoridade para falar de corrupção, lembrando o caso do aeroporto e que “o mensalão começou com o PSDB”.

Luciana é a melhor do debate. Estrategicamente atacou Dilma, Marina e Aécio, fazendo perguntas, na sequência, aos três – fiel ao estilo metralhadora giratória.

Marina teve um desempenho muito ruim. Hesitante, confuso, em uma de suas últimas falas repetiu o termo “programa de governo” inúmeras vezes. "Temos um programa de governo", insistiu desesperadamente Marina Silva, tentando convencer os milhões de eleitores que perdeu de três semanas para cá de que pode, sim, ser presidente da República. Acho que, se tiver segundo turno, Aécio está cada vez mais próximo de ultrapassar Marina, se o debate servir para alguma coisa, e, se servir, o desempenho desastroso de Marina será decisivo.

Pastor Everaldo é um pulha. "Um desserviço à humanidade”, como disse Carmem aqui na sala. Levy Fidélix, parece-me, deveria ser relegado à insignificância que lhe é inerente. Não sei por que as pessoas dão tanta importância a essa figura desprezível.

E o Jornal da Globo, com a carranca cínica de William Waack, abre a edição após o debate com a manchete sobre corrupção na Petrobras.

O Brasil precisa fazer o Marco Regulatório das Comunicações e acabar com essa canalhice de ignorar a Constituição de 1988.

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Lembremos a última pesquisa. Citando Ibope, como poderia ser Datafolha, mas tanto faz: em votos totais, Dilma teria 40%, Marina 24%, Aécio 19%. Em relação à última pesquisa, Dilma "oscilou" para cima 1%, Marina para baixo 1%, Aécio se manteve igual. Em votos válidos: Dilma 47%, Marina 28%, Aécio 22%.

A eleição está perto de terminar no primeiro turno. Mas isso ainda está muito longe de acontecer, como diriam os mais cautelosos, entre os quais este blogueiro se inclui.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Marina Silva e as circunstâncias



Até Hulk
No início de setembro, o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), candidato à reeleição ao mesmo cargo este ano na chapa de Dilma Rousseff, foi perguntado numa coletiva sobre a então ascensão de Marina Silva e se a campanha dele e da presidente iriam atacar a adversária do PSB. A resposta, digna de uma velha raposa da política, foi a seguinte: “Não vejo necessidade (de atacar Marina). Acho que a desconstrução eventual dela pode ser feita por outras pessoas, pelas circunstâncias. Na política é assim. As circunstâncias vão mostrando o que é melhor para o país”.

Pouco mais de três semanas depois, muitas circunstâncias concorreram para a desconstrução da candidatura de Marina Silva, inclusive, e talvez principalmente, ela própria, com suas idas e vindas, suas contradições, suas alianças obscuras e seus recuos, seu programa de governo que, para justificar mudanças súbitas, ela disse que é um "programa em movimento". A questão da CPMF é só mais uma das já quase incontáveis “circunstâncias” previstas por Temer.

Os recuos quanto ao casamento gay, a energia nuclear, o agronegócio, a ingênua tentativa de dizer que votou a favor da CPMF em 1995 (quando votou “não”) e as hesitações, que diante da câmera, num debate, são terríveis a uma candidatura, foram algumas dessas circunstâncias. Até chegar à quase cômica situação desta segunda-feira, quando a campanha da candidata, que desde domingo comemorava o apoio do ator Mark Ruffalo (o Hulk), que gravara até um vídeo por Marina, teve de engolir o próprio ator retirar seu apoio. “Descobri que a candidata à Presidência do Brasil, Marina Silva, talvez seja contra o casamento gay. Isso me colocaria em conflito direto com ela”, escreveu Ruffalo no Tumblr.

E Aécio Neves pode mesmo virar o jogo pra cima de Marina. Hoje, o assessor de um importante dirigente do PT me disse que pesquisas internas do partido estão mostrando empate técnico entre o tucano e a ambientalista. Essa tendência será confirmada? A conferir. Faltando cinco dias para a eleição, é cada vez mais possível que a ex-favorita doutora em “Nova Política” seja rebaixada ao mesmo terceiro lugar de 2010 justamente por praticar a velhíssima “velha política”, com o perdão do pleonasmo.  

A “velha política” de Marina, além de velha, demonstrou-se amadora, vacilante e falsa. Ela vem despencando vertiginosamente em todas as classes sociais e demais filtros das pesquisas, e em todas as regiões do país. 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A 12 dias da eleição, pesquisas indicam cenário que a oposição e a direita não previram




A menos de duas semanas do primeiro turno e 40 dias depois da morte de Eduardo Campos, tragédia que alavancou a candidatura de Marina Silva, a "fotografia" do momento mostra um cenário que as forças conservadoras do país não previam. 

Na pesquisa Vox Populi divulgada no início da noite de hoje, a presidente Dilma Rousseff aparece com 40% das intenções de voto, 4 pontos percentuais acima do levantamento da semana passada. Marina Silva tem 22%, tendo despencado 5 pontos em uma semana, enquanto o tucano Aécio Neves tem 17%, dois a mais do que há uma semana. Segundo o Vox Populi, os indecisos são 12%.

Já o Ibope também mostra Dilma ascendente, com 38% (36% na pesquisa anterior), à frente de Marina, com 29% (30% na semana passada), e de Aécio com os mesmos 19%. O Ibope diz que os indecisos são 5%.

Ignoremos as “projeções” para o segundo turno, que, francamente, são conversa pra boi dormir ou assunto para manchetes garrafais quando a candidata do PT aparecia atrás da ex-seringueira, ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente, ex-PV, ex (e talvez futura)-Rede e atual candidata do PSB, Marina Silva, a divulgadora da “nova política”.

Chamam a atenção nas pesquisas duas coisas.

A primeira: ambas mostram Dilma subindo, embora no Ibope apenas dois pontos (de 36% a 38%), enquanto no Vox ela subiu o dobro, e chegou a 40%. Curiosamente, no Ibope Marina apenas “oscila” de 30% para 29%, enquanto no Vox tem uma queda de 5% (27% a 22%).

A segunda coisa que chama a atenção é o número de indecisos: 12% no Vox Populi e apenas 5%, menos da metade, no Ibope. Interprete essa discrepância quem interpretar possa.

Mas o que portanto parece certo é que Dilma está crescendo na reta final, faltando 12 dias para o pleito, enquanto Marina mostra tendência de queda e Aécio de ficar estagnado ou “oscilar” um pouco para cima.

Ao que parece, se não houver fatos novos e muito significativos, a eleição levará Dilma ao segundo turno contra Marina ou Aécio. Insisto no que disse num post de 28 de agosto, 26 dias atrás: “Acho que vai ter segundo turno nas eleições de outubro, mas não considero Aécio já derrotado, apesar de a mídia (acrescento aqui: exceto o Estadão) aparentemente já ter tomado a decisão de apoiar Marina”.

Só que, com 12 dias pela frente, se Marina continuar caindo, seus votos vão para quem? Supondo, hipoteticamente, que se dividam entre Dilma e Aécio mais ou menos igualitariamente, a candidata do PSB pode realmente nem ir para o segundo turno, se Aécio conseguir tirar dela 3 pontos no Vox Populi ou 5 no Ibope (lembrando matemática: se, por exemplo no Ibope, a diferença entre o tucano e a pessebista é 10 pontos, Aécio tirar 5 de Marina significa que ele ganha também 5 e estariam então empatados).

O ex-tucano Walter Feldman, coordenador-geral da campanha de Marina, disse hoje que sua candidata vai, sim, dialogar com a “velha política”. Na semana passada, o vice da ex-ministra, Beto Albuquerque, dizia que não dá para governar sem o PMDB. Estão tentando estancar a sangria. Quem ouve esses acenos à velha política de sempre (e, de resto, é a política que temos e só mudará com uma reforma política), quem escolhia Marina por ver nela algo novo, deve estar agora bastante decepcionado. Pudera. Depois de voltar atrás em pontos específicos do seu programa de governo por pressão de Malafaias da vida, de empresários do agronegócio e outras forças, agora a questão já é voltar atrás no conceito por trás do qual se forjou a candidatura. Muita gente que apostou nela, a essa altura, já deve estar arrependida.

Enquanto isso, Dilma Rousseff discursa amanhã na abertura da Assembleia Geral da ONU.

E Aécio Neves deve continuar sua desesperada cruzada para convencer o eleitorado de que votar em Marina e em Dilma é a mesma coisa, “é votar no PT”, como dizia um cartaz de sua campanha que vi hoje no centro da cidade.

Por incrível que pareça, a direita parece ter errado a estratégia, se dividiu e até mesmo no primeiro turno a eleição pode se decidir, embora seja ainda difícil. Mas não impossível.


* Publicado originalmente 23/09/14 às 23:37 de Brasília