domingo, 28 de maio de 2017

Os bichos, George Orwell e o Brasil dos ruralistas


Ainda estamos longe dos porcos de George Orwell


Imagens: Reprodução (esq.) e CHARLESJSHARP / CC 2.0 / WIKIMEDIA


Por Paulo Maretti 

Em A Revolução dos Bichos, George Orwell retrata não a corrupção e o autoritarismo do poder na Rússia pós-revolução, mas o espírito de sadismo crônico que o homem carrega irremediavelmente em sua alma. Orwell personifica os bichos e os transforma em gente, ou, pra quem preferir, espelha em porcos a ganância sem freios e quase sem leis que nos contorna como num desenho.

Pois bem. O problema agora é um Projeto de Lei do deputado federal Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina e da bancada ruralista (link abaixo), que pretende simplesmente liberar a caça a animais silvestres da fauna brasileira, entre eles a onça pintada, uma das mais colossais belezas da natureza na Terra, que Maias, Incas e Astecas viam como um deus.

Mas o homem branco brasileiro do século XXI, da democracia enformada, da fome psicótica de lucro e da sede seca por poder enxerga como alvo para vender a pele.

Li num site semanas atrás que as baratas vivem, segundo pesquisas científicas, num coletivo solidário, que toma decisões, sempre, em benefício de todos os componentes do grupo.

Ainda estamos longe dos porcos de George Orwell.

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sexta-feira, 19 de maio de 2017

Jobim pode ser o curinga e o Palácio do Planalto seu destino?


José Cruz/ABr

Desde o processo do golpe até seu desfecho e mesmo depois, com esse governo de impostores, eu vinha dizendo a amigos mais próximos que meu relativo otimismo se baseava na tradição brasileira de conciliação.

Por causa dessa tradição, acreditava que em algum momento os representantes dos setores civilizados da política brasileira acabariam entrando num acordo para, pelo menos, salvar a democracia e a Constituição.

Ontem, conversando com o velho e bom socialista Roberto Amaral para uma matéria, ele fez a seguinte consideração sobre o cenário sombrio da crise brasileira, agravada com a tal lista do Fachin: “A tradição da política brasileira, lamentavelmente, é sempre a conciliação. Podemos estar diante de uma grande crise ou de uma grande composição. Nenhuma das duas hipóteses interessa à República”.

O professor, como eu o chamo, ex-presidente do PSB, falou sobre as articulações que, pelo que se especula, estariam sendo conduzidas por Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa (de Lula), da Justiça (de FHC) e ex-presidente  do STF. O que não é pouca coisa para uma biografia...

No fim de março, Jobim saiu-se com uma pregação de paz, propondo que “os personagens de oposição e os da situação” entrem num acordo para evitar o que ele chamou de “um Trump caboclo”. Jobim também fez enfática defesa de Lula e condenou veementemente a perseguição contra o ex-presidente para evitar que ele se candidate e, possivelmente, venha a ser eleito. "Se nós o proibirmos de ser candidato, estamos fazendo a mesma coisa que fizeram os militares. Contra nós!”, exclamou.

Disse ainda: "Qualquer tipo de linha de proibição [contra a candidatura de Lula], nós aguçamos a radicalização. Nós podemos impedir, agora, que ele seja candidato? Por quê? Porque temos medo de que seja eleito?"

O problema é que a criminalização da política está destruindo o país, suas lideranças políticas, a economia, a Petrobras, que está sendo retalhada e seu patrimônio entregue às petroleiras estrangeiras. O pré-sal, tesouro de valoro incalculável, vendido a preço de banana. Apesar da indignação de setores esclarecidos da sociedade, a sanha punitivista e denuncista levou o país a um patamar tão baixo que é cabível perguntar se existe volta, se há possibilidade de isto aqui um dia poder ser chamado da nação.

Hoje, “o sistema político brasileiro está absolutamente prisioneiro do poder Judiciário e do Ministério Público", disse o deputado Wadih Damous na mesma matéria acima citada. "Eles dão as cartas, são os senhores do tempo (...) Ao manipular o tempo, se manipula a política.”

E, como nota o cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC, a lista de Fachin é o clímax de um processo que acaba com as lideranças políticas do país. “E liderança não é uma coisa que se produz em cada esquina, a toda hora. A lista abre caminho a uma nova era da democracia, muito mais sujeita ao voluntarismo, amadorismo e aventureiros.”

Nesse cenário de terra devastada, não sei se ainda cabe algum otimismo. Mas é possível arriscar a especular que Nelson Jobim pode ser o nome da conciliação. Ele pode ser o curinga e o Palácio do Planalto o seu destino.

Leia também:

(de 18/junho/2017): Roberto Amaral: país está diante de golpe dentro do golpe, mas ruas apontam para democracia


Post publicado originalmente em 15/04/2017 (15:44)
Atualizado em 19/05/2017

sábado, 13 de maio de 2017

Um sábio deixou a terra


Marcos Santos/USP Imagens


Por Ulisses Capozzoli, no Facebook – via Bem Blogado


O país que não é pródigo em singularidades perde hoje Antonio Candido.

Dele, vou me lembrar sempre que partilhamos uma fatia de bolo de fubá.

Num café distante, num encontro que não me lembro mais sobre o que.

Ofereci a ele, que me pareceu interessado, a única fatia sobre a mesa.

E ele me propôs, com a generosidade & afeto que marcaram toda sua longa vida:

─ Vamos dividir?

Eu ainda insisti, numa atitude que me pareceu acertada:

─ O senhor pode se servir, por favor… ─ E ele:

─ Não. Vamos dividir, vamos dividir entre nós dois…

Aceitei, deixando que ele fizesse a divisão.

Foi o que ele fez, com um sorriso delicado, que me pareceu prazeroso.

A partilha. O ato que marcou toda sua longa vida.

A partilha do essencial para os humanos:

cultura, afeto, solidariedade &, claro, a inteligência refinada.

Além do pão, naquela tarde distante, uma fatia de bolo de fubá.

Marcel Proust, com sua escrita que desce ao nível subatômico, & que antecipou a existência de quarks como constituintes elementares da matéria, retirou toda sua enorme obra do perfume de uma “Madeleine”.

Eu, que cheguei ao mundo num pontinho das Minas Gerais, devo fidelidade a uma fatia de bolo de fubá.

Como forma de expressar gratidão a esse homem “imprudentemente poético”, num empréstimo feito junto a Walter Hugo Mãe.

Esse homem delicado, mas seguro como árvore de pau-ferro, o autor de “Parceiros do rio bonito”, investigação do caipira paulista & a transformação de sua realidade.

Antônio Candido, que nasceu no Rio de Janeiro, então a capital do Brasil.

Com abrangência fora de compreensão do que agora é a realidade.

Investigando as raízes de São Paulo.

Rio de Janeiro, Minas Gerais & São Paulo, durante longo tempo, uma única província.

Que o ouro uniu & separou.

Minas Gerais, uma invenção das bandeiras paulistas.

Uma ruptura dramática a partir da Guerra dos Emboabas.

Coisa que não interessa a mais ninguém.

Mas, que marca a ferro & fogo a realidade mais dura que se vive agora.

Um ancestral de Eduardo Cunha, o igualmente camaleão & corrupto, Manuel Nunes Viana.

Antonio Candido, em sua passagem, aparece identificado como “sociólogo”.

Mas sociologia é uma carga pontual.

Antonio Candido foi um campo magnético inteiro, atuando sobre um vasto
território da cultura nacional.

Já tinha certa idade, quanto partilhamos nossa fatia de bolo de milho.

Uma das delícias das Gerais, deixadas por lá pela “gente paulista”.

Tinha ele aquela auréola de luz, que só um observador atento percebe.

Antonio Candido parte dessa terra num momento de enorme desconforto.
& nos deixa com um sentimento de orfandade abissal…


quinta-feira, 11 de maio de 2017

O simbolismo da presença de Dilma em Curitiba



HENRIQUE FONTANA
Dilma Rousseff e Lula no aeroporto de Curitiba, com Vagner Freitas da CUT

Dilma Rousseff foi uma figura marcante na noite deste 10 de maio de 2017 em Curitiba, apesar de relegada a um óbvio e natural segundo plano. Não pelo que disse, mas por sua presença até certo ponto surpreendente. Por ter sido a primeira a discursar no ato, depois do depoimento de Lula ao juiz Sérgio Moro na (a partir de hoje) mundialmente famosa 13ª Vara Federal, a chamada República de Curitiba.

A presença de Dilma no evento teve um caráter absolutamente simbólico. Em que pese seus notórios erros políticos (e até por eles), que seria repetitivo enumerar aqui, Dilma é quem foi derrubada pela articulação da qual Michel Temer é apenas uma marionete. Dilma cometeu erros, e não foram poucos, mas ela não pode ser, sozinha, responsabilizada pelo golpe. O seu grande erro foi o início do segundo mandato, mas aí as coisas já estavam meio difíceis (sim, inclusive por erros dela). O ciclo das commodities, que empurraram os dois mandatos de Lula, tinha acabado. E o acordo com o PMDB não foi ela quem fechou, anos antes.

A articulação que levou a marionete Temer ao poder, como se sabe, envolve interesses globais: a destruição do Brasil como nação, da Petrobras (como possibilidade de nação), uma das maiores companhias de petróleo do mundo, colocada na bacia das almas por interesses materializados pela Lava Jato, com seu pretexto de combater a corrupção.

"Tenho certeza que o país não vai continuar  por esse caminho de golpe atrás de golpe", disse Dilma em Curitiba. Os mais exigentes poderiam dizer que faltou uma preposição na frase de Dilma. Sim, faltou a preposição. Mas a frase, aparentemente simples, é carregada de muitas verdades intrínsecas. Porque estamos vendo, desde o ano passado, a comprovação de que Temer não passa mesmo de uma marionete manipulada pelas gigantescas corporações dos Estados Unidos da América, a Roma contemporânea.

E só uma nação mobilizada pode conter a Roma contemporânea. Não depende só de Lula ou de Dilma, nem de ambos juntos. O Brasil precisa ser uma nação.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Por que Sérgio Moro pediu a apoiadores para não irem a Curitiba dia 10?


Quais os motivos que levaram o magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba a pedir a apoiadores e simpatizantes, pelo Facebook (veja vídeo abaixo), para não irem a Curitiba nesta quarta-feira (10), quando está prevista uma grande manifestação a favor de Lula na capital do Paraná, também conhecida como República de Curitiba?

Perguntei a opinião a algumas pessoas. Eis as respostas:



Marco Ferreira, artista plástico (Brasília)  - Isso não merece comentário que não seja de condenação. Ele, Moro, é prefeito de Curitiba? 

Roseli Costa, professora (São Paulo) - O juiz Sérgio Moro antevê um vexame na defesa de seu já abalado "sucesso". Prevê um número risível de adeptos da "Farsa-Jato" perante o grande apoio a Lula. Antecipa-se, dizendo que não é para ir e depois, diante do vazio de apoiadores, explicar: "Fui eu quem pediu!". Também com essa declaração posa de cidadão do bem, que não quer confusões, bem como divide as já fragmentadas opiniões dos brasileiros e causa manchetes na mídia golpista, tal como esta: "Depoimento de Lula gera toque de recolher". Tais palavras tentam ainda mais contrapor o "bom moço" Sergio Moro X o "culpado de tudo" Lula...

Tatiana Fernández, professora (Brasília) - A primeira ideia que a mensagem traz é a menos importante. Ele parte da suposição de que há muita gente que apoia esse processo. E pode haver, desde que ´"muita" tenha uma relação com alguma quantidade de alguma coisa. Ele quer dizer então que há muita gente que o apoia, e que ele prefere que não apareçam. As razões para não aparecer que ele dá são mais preocupantes. Ele pede que não apareçam para não dar confusão, para ninguém sair machucado. Parte da imagem de enfrentamento e deixa no ar a ideia de que os apoiadores do ex-presidente Lula são violentos. Ou que são muitos? Mas todos sabem que manifestantes fascistas, que o apoiam, jamais pedem paz e amor. Ele pode estar com medo deles estragarem mais ainda a sua imagem. O que fica cada dia mais evidente é que o apoio à Lava Jato foi artificialmente criado com robots de media social e marketing pago, como os outdoords em Curitiba. Não há gente atrás disso, há corporações. 

Carmem Machado Luz, editora de arte (São Paulo) - Outro dia li ou ouvi no rádio que um juiz soltou os dois policiais que foram filmados executando dois caras rendidos e algemados alegando que foi pelo "clamor popular". Como assim? Isso é justiça ou justiçamento? Além de terem sido filmados (prova) esses policiais respondem por vários inquéritos de "auto de resistência" ou "resistência seguida de morte".
Desde que me entendo como um ser pensante não confio muito na Justiça, depois veio o conceito de que ela é feita pela elite para a elite. Só que nesse processo do Golpe alguns juízes estão extrapolando, além da conta, como esse excelentíssimo senhor Sérgio Moro que com sua fala nas redes sociais prova, mais uma vez, que tem um lado e, pelo que eu saiba, numa democracia, um juiz não pode ter lado nenhum e tem que julgar pelas provas e não por convicção. 

Paulo Maretti, revisor (São Paulo) - Acho que o embate entre a direita e a esquerda está se acirrando e ficando mais difícil pra eles depois da greve geral, das pesquisas apontando o favoritismo de Lula em 2018, e do fato de Lula estar se apoiando nisso pra rechear seu discurso contra as forças malignas deste país. Lula é uma figura poderosíssima, capaz de derrotar todo o aparato político, jurídico e midiático que favorece os golpistas. Tenho percebido que a direita brasileira é fascista mas medrosa. Está com medo não da pessoa do Lula, mas do mito Lula. Derrubar um mito é um tremendo desafio. Moro, além de querer aparecer como porta-voz e defensor leal da ordem e do progresso, pretende evitar um grande contingente de pessoas presentes no depoimento para não atrair holofotes. Quanto mais gente houver, mesmo que em apoio à temporada de caça ao presidente, maior terá de ser a cobertura da mídia, o que não convém aos propósitos golpistas de tornar os fatos o mais ocultos possível. Certamente não à toa Lula vai prestar depoimento dois dias depois das finais dos campeonatos estaduais de futebol em todo o país. O futebol, qualquer um sabe, sempre foi instrumento de manipulação das massas. Sérgio Moro é um pau mandado. É um juiz que apita um jogo de interesses contrários aos interesses dos trabalhadores e favoráveis ao grande capital. Boa enquete. Aproveitando o momento, grande abraço a todos.

José Arrabal, escritor (São Paulo) - A recente fala de Sérgio Moro não surpreende. É farsa midiática, expressão promocional de seu costumeiro espetáculo de ilegalidades processuais. Ele se faz de bom moço justiceiro, mas está ciente de que seus capangas fascistas vão se manifestar com o mesmo ódio e a mesma violência de sempre. Os intolerantes cartazes contra o presidente Lula, nas ruas de Curitiba, comprovam essa prepotência. Triste verdade também é que a Lava Jato de Moro cumpre seus seletivos propósitos políticos através de evidente desrespeito ao Direito, das normas Constitucionais e do Processo Penal. Com procedimentos corruptores da Lei, mantém perseguições pessoais obsessivas. Assim serve ao golpe de Estado e à manutenção dos atentados praticados contra a soberania nacional pelo governo ilegítimo de Michel Temer, que corrói as conquistas democráticas do passado, desqualifica os direitos trabalhistas, produz um quadro criminoso de desemprego na cidade e no campo, interrompe programas de atendimento social, reduz as oportunidades de educação da juventude e de modo perverso prejudica em especial as camadas mais pobres da população, enquanto concentra polpudos bens nas mãos dos poucos mais ricos, distribui as riquezas estratégicas do país às corporações estrangeiras e já principia a entregar a Amazônia para as  tropas do exército dos Estados Unidos. Triste sina, triste momento. Na sua hora e sua vez o povo organizado, mobilizado nas ruas, há de cuidar e dar melhor destino a tudo isso! Fora Temer!  

Alexandre Maretti, fotógrafo (São Paulo) - O bom moço falando, exemplo de ética. Os pregadores da ordem e progresso.

"Tudo que se quer evitar é alguma espécie de confusão e conflito." Pode ser que ele queira dizer exatamente o contrário,.. Tudo que queremos é confusão e conflito, mas que parta dos malditos comunistas. Curioso é que ele não se dirige a manifestantes de apoio ao Lula, mas somente aos que apoiam a Lava Jato. Há uma comitiva se preparando para esse dia e certamente haverá manifestações e não será só em Curitiba.

Ele deve saber disso.

É claro que há um complô. Novas pesquisas indicam que Lula pode voltar à presidência e pra isso a direita já está tomando providências, impedir novas eleições em 2018.  E como sabemos que os EUA conseguiram  manipular o sistema brasileiro, será difícil retomar o desenvolvimento, e esse processo retrógrado é muito profundo, mas sempre temos saída pras coisas.  Mas penso que o sistema embrionário deles está crescendo e num futuro bem próximo, se der tudo certo para eles (já está a meio caminho, embora o momento esteja meio indefinido e confuso), será implantado um sistema definitivo, mais ou menos parecido com a ditadura militar.  Se possível, o Lula não irá novamente ao poder se não tiver uma forte resistência. O Lula é a maior referência de esquerda e uma das mais carismáticas lideranças no Brasil e quem sabe do mundo. Não podemos perdê-lo agora.

A partir de quarta feira as manifestações podem aumentar, o apoio popular a Lula. As manifestações podem ficar mais intensas e aí o bicho vai pegar. Curitiba vai fechar quarta feira porque Moro quer?!! O Moro está com medo e pode precisar de reforços...



terça-feira, 2 de maio de 2017

Prisão preventiva de Dirceu, decretada por Moro, é revogada no Supremo



Foto: Eduardo Maretti


José Dirceu é a partir de hoje um ex-preso político, depois de decisão da 
Seguenda Turma do Supremo Tribunal Federal que, por 3 votos a 2, revogou sua prisão preventiva. Pela segunda vez, diga-se, pois já foi preso político na época da ditadura militar.

Em fevereiro de 2015, o jurista Celso Antonio Bandeira de Mello me disse, numa entrevista em que comentou o chamado mensalão: "Vou citar um caso paradigmático:  (o Supremo Tribunal Federal) condenou, não apenas o Genoino, mas o Dirceu de uma maneira absurda. E tão absurda que dois expoentes da direita, a saber, Ives Gandra da Silva Martins e depois Cláudio Lembo – que aliás é um excelente constitucionalista, um jurista de muito valor –, os dois disseram que a condenação do Dirceu foi sem provas. Foi absolutamente sem prova. Foi tão escandalosa que essas duas pessoas insuspeitíssimas se manifestaram nesse mesmo sentido".

De fato, ao proferir seu voto na Ação Penal 470 ("mensalão") a ministra Rosa Weber foi a autora de uma afirmação de causar perplexidade e que se tornou símbolo da perseguição a Dirceu: “Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”.

Hoje, o STF finalmente concedeu Habeas Corpus e revogou a prisão preventiva do ex-ministro, condenado pelo juiz Sérgio Moro no âmbito da operação Lava-Jato. Votaram pelo habeas corpus a favor de Dirceu os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Foram vencidos o relator, ministro Edson Fachin, e o ministro Celso de Mello, que negaram o pedido de soltura.

Zé Dirceu e Lula são, na minha opinião, os dois mais importantes articuladores e construtores do PT. Não é à toa que o ex-ministro da Casa Civil de Lula foi anulado da vida pública e tornado sinônimo de corrupção.

No final de março passado, em carta publicada pelo site Nocaute, do jornalista Fernando Morais, Dirceu escreve: "Moro não tem uma prova sequer de que eu tinha 'papel central' na Petrobras. Não existe nenhum empresário ou diretor da Petrobras à época que o afirme; não há um fato, uma licitação, um gerente, um funcionário, que justifique ou comprove tal disparate".

A prisão preventiva é considerada uma das mais violentas práticas da Lava Jato. “A partir do Sérgio Moro, a prisão preventivatornou-se a regra, e não a exceção. Vivemos num país punitivo, um país onde só a punição tem resposta”,  me disse o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos mais experientes do país, pouco tempo atrás.

As pessoas não têm ideia de que casos como o de Dirceu são muito mais graves do que supõem. Hoje é Dirceu, amanhã poderá ser você o preso sem prova "preventivamente". É contra esse estado de exceção que os mais importantes juristas do país vêm se insurgindo. Dirceu era um preso político. Aguardemos os próximos capítulos.

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Leia também:


Na RBA
Para Bandeira de Mello, decisão do STF que liberta Dirceu é volta ao Estado de Direito

Neste blog (10 de outubro de 2012), por José Arrabal: A história vai mostrar quem é José Dirceu

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Belchior, a morte e o paradoxo midiático


Belchior é uma figura sem dúvida importante. Não vou me estender sobre isso (a importância ou não do artista) porque a superexposição do assunto Belchior/morte de Belchior se tornou uma histeria midiática tão grande, nas redes, que não há mais o que se possa acrescentar.

A questão é: Belchior voluntariamente se retirou faz tempo. Ele disse adeus a esse mundo de exposição e histeria, ao show business. Não quis mais saber dessa busca obsessiva por mitos e heróis que é a razão de ser da máquina de moer gente e sentimentos que é o showbiz.

É um paradoxo: apesar dessa atitude definitiva e irrevogável (que se pode traduzir como: "deixem-me em paz"), o mundo insiste na mitificação de Belchior (como de todos os mortos ilustres ou que um dia foram ilustres). Cada um a sua maneira, nas redes sociais, procura algum argumento próximo ou distante para justificar por que ele é um deus (com "d" minúsculo, claro, como diria Nietzsche).   

Mas Belchior, conforme suas letras, nunca quis ser herói nem deus. Só que é em herói e num efêmero deus pop post mortem que ele é transformado.

"Eu sou apenas um rapaz / Latino-Americano / Sem dinheiro no banco / Sem parentes importantes", escreveu o compositor.

Tempos depois de escrever isso, Belchior se retirou. Sumiu. E ninguém, ou quase ninguém (tampouco eu), notou sua falta. E depois morreu. E agora que ele morreu, aparecem as demagogias de jornalistas 5 estrelas e os sentimentalismos inconsoláveis, e as opiniões segundo as quais nada nem  ninguém foi tão grande quanto Belchior no universo terreno, nem Chico, nem Caetano, nem Rolling Stones ou Beatles.

Ora, creio que o próprio Belchior talvez achasse isso tudo ridículo, e dissesse: "menos, pessoal". Ao contrário de muitos heróis do mundo pop, onde o que impera é o ego. Ele morreu em silêncio. O resto é mídia e Freud explica.