sábado, 31 de maio de 2014

O verdugo sai de cena


Não vi nada mais sintético e bem colocado sobre a saída de cena do verdugo Joaquim Barbosa do que o que escreveu Fernando Morais na sua página do Facebook:

ao tomar conhecimento da decisão do ministro joaquim barbosa de fazer check-out, lembrei do profético título de um livro de gabriel garcía márquez – o mais extenso de sua obra:

Relato de um náufrago que esteve dez dias à deriva em uma balsa sem comer nem beber, que foi proclamado herói da pátria, beijado pelas rainhas da beleza, que ficou rico com a publicidade, e logo abandonado pelo governo e esquecido para sempre.”



domingo, 25 de maio de 2014

Sete dias em Buenos Aires



Texto e fotos por Roseli Costa


1° dia

Chegamos a Buenos Aires às 5 da matina. Até pegarmos malas e chegarmos ao hotel, deu quase 7 horas. O Aeroporto de Ezeiza é longe, 37 km. Ficamos o dia todo no Caminito, almocamos lá, compramos coisinhas lindas. Que mais? Fomos ao museu Quintila Martín (lindo). Conhecemos todo o bairro La Boca, inclusive o estádio do Boca Juniors. Amanhã faremos um tour de 4 horas pelos principais pontos da cidade. À noite, iremos ao Café Tortoni ver show de tango.




2° dia

Neste 2o. dia de viagem, conhecemos a Praça de Mayo, a Casa Rosada, o metrô, a Av. Rivadavia, o bairro da Recoleta  e Palermo. Fomos ao Caminito de novo. A av. 9 de julho é muito larga. Claro que voltaremos a esses lugares com mais calma. Almocei na Avenida Rivadavia, no Retaurante Le cortijo. Estranhei a comida. Vamos à noite no Café Tortoni.





3° dia

Hoje pegamos o Subte (metrô) e fomos para a Plaza Italia (Palermo), um bairro próximo ao centro. Fomos ao zoológico e caminhamos até a feirinha de artesanato pela Rua Jorge Luis Borges -- enooooooorme. Palermo é um bairro charmosinho. Almoçamos lá. Enfim, Paulo encontrou sua querida macarronada a contento. As estações de metrô são belas, decoradas e está tendo a Feira do Livro aqui. Aprendi que extintor de incêndio é matafuego, cabeleireira é peluqueria... Que mais? Muito bom aqui!




4° dia

Hoje almoçamos aqui pertinho do hotel, no La Garufa, de frente à Estátua de Don Quixote e ao som de tango na voz de Julio Sosa (veja bem, cantor uruguaio, tal como Carlos Gardel). É que viemos de uma caminhada de mais de três horas pelo bairro Recoleta (Ruas Guido, Presidente Perón, Santa Fé), com seu cemitério onde jaz Evita Perón e sua capelinha de Santa Rita do Pilar, construída em 1732. 


O cemitério de La Recoleta


A Recoleta é um bairro charmoso também, como Palermo. A cada dia novos olhares e novos encantos. Os argentinos são belos, elegantes, esbeltos, sérios mas simpáticos se deles precisarmos. Amam cachorros. Aqui há muitos táxis pretos com seus tetos amarelos. Muita livraria, casa de vinhos, cafés maravilhosos. Vi pouquíssimos gatos! Amanhã iremos para Rio de La Plata e talvez Colônia.


Palermo



5° dia 

Já sabemos andar com autonomia aqui em Buenos Aires. É tudo perto, nem pegamos táxi. E por conta da bela arquitetura, caminhamos 3 horas brincando, conversando, trocando impressões. A economia aqui não vai bem. Eles chegam a considerar 4 reais por cada peso (às vezes 3,50 reais) para vender. Restaurantes vazios. Comida cara, roupa cara... São muito politizados. Taxistas têm discursos e opiniões políticas. Na Praça de Mayo avolumam-se as faixas com reivindicações e ordens contra o governo. Hoje vamos a Puerto Madero, ao Rio de La Plata. Esses dias levei um tombo em frente ao Obelisco.






Hoje fomos conhecer o Rio de La Plata. Ficamos caminhando paralelamente a ele, vendo pescadores e famílias descansando e conversando. O Aeroparque (aeroporto) fica em frente. O entorno é o bairro Puerto Madero, que cresce aceleradamente: são os novos ricos. Almoçamos no "Siga la Vaca" e tentamos conhecer a "Terra Sagrada" -- parque que imita Jerusalém. Mas estava fechado. Daí seguimos para os belíssimos bosques de Parlermo, um em especial, cheio de rosas e com enorme lago. Fomos a um museu no mesmo complexo do Bosque. Estamos cansados mas satisfeitos. Um taxista falou que a presidenta deles se perdeu e que está governando muito mal. Esse foi o que mais cobrou, o que mais "enfiou a faca", digamos. Mas valeu. Aprendi que sorvete de morango é helato de frutillas, frango é pollo, rua é calle. Beijos.

Foto: Paulo Maretti
Rio de La Plata


6° dia

Fomos conhecer um bairro no estilo "Brás", o Once (estação Miserere do Subte/Metrô). Preços baratos, um povo mais simples, um argentino mais índio, mais popular. A mesma arquitetura afrancesada, europeizada, mas menos cuidada, com menos limpeza. Fomos a uma exposição de Evita Perón gratuita no sindicato gastronômico daqui de Buenos Aires. Amei. Evita é amada e odiada pelos argentinos. Depois, almoçamos no Café Tortoni. Café/Restaurante/Casa de Show, o Tortoni é todo decorado com quadros, tem estilo bem neoclássico em sua decoração. Os portenhos são agradáveis. Parecem admirar os brasileiros. Os preços estão altos em peso, mas se convertermos para o real (entre 3,50 e 4,00 reais por peso), percebemos que nossa economia está muito mais forte que a deles. Nos jornais, inclusive, vemos que eles temem a crise da indústria automobilística no Brasil.




7° dia

Hoje à noite voltamos para o Brasil. Saudades de casa. Aqui de Buenos Aires levo a bela paisagem urbana, o jeito portenho de ser, o Rio de La Plata, o Caminito, palavras novas (ensalada = salada, salida = saída; café com leite claro = lágrima)... E as medias lunas? pãezinhos de massa folheada em forma de meia lua? Todos os dias no desayuno. Comi alfajores, doce local, e aprendi que o original não é coberto com chocolate. Vou fechar com Caminito, o local mais pitoresco daqui, e no final da tarde, esperar o traslado para o Ezeiza.






quarta-feira, 21 de maio de 2014

Juiz federal corrige semântica, mas mantém decisão contra Umbanda e Candomblé


O juiz Eugênio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que negou pedido do Ministério Público de retirada de vídeos do YouTube que discriminam umbanda e candomblé (veja post anterior, abaixo, ou aqui), dizendo que não são religiões, fez uma correção em seu texto nesta terça-feira (20). Ele havia argumentado que as religiões não podem ser consideradas religiões (sic) por não terem um texto que as fundamente, como o Corão e a Bíblia, e também não acreditarem num deus único.

Na correção, admitiu “a devida adequação argumentativa para registrar a percepção deste juízo de se tratarem os cultos afro-brasileiros de religiões”. “Destaco que o forte apoio dado pela mídia e pela sociedade civil, demonstra, por si só, e de forma inquestionável, a crença no culto de tais religiões”, acrescentou.

Mas, correção à parte, o magistrado manteve a decisão, negando a liminar ao MP. Então, os ataques de baixo nível, vulgares e discriminatórios contra as religiões continuam. Segundo o juiz, os vídeos não podem ser tirados do ar porque são a manifestação da liberdade de expressão dos que os divulgaram: os evangélicos neopentecostais.

sábado, 17 de maio de 2014

A inaceitável decisão de um juiz federal do RJ contra umbanda e candomblé




Agência Brasil


É inacreditável que na segunda década do século XXI o Brasil assista à Justiça Federal (do Rio de Janeiro) tomar a decisão que tomou o juiz da 17ª Vara Federal do Rio, Eugênio Rosa de Araújo (anotem o nome), que negou pedido do Ministério Público para tirar do ar vídeos com mensagens de intolerância (geralmente divulgadas por evangélicos neopentecostais) contra religiões de origem negra, como candomblé e umbanda.

O juiz alegou que as religiões afrobrasileiras “não contêm os traços necessários de uma religião”. Esse gênio da teologia, um magistrado da Justiça Federal, considera que tais religiões não têm um texto base para fundamentá-las como  o Corão ou a Bíblia.

O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) assina um texto na CartaCapital em que diz:

Em vez de reconhecer a existência da ofensa - e não há dúvida para qualquer pessoa com um mínimo de discernimento e senso de justiça de que a ofensa existe - a Justiça Federal do Rio de Janeiro desqualificou os ofendidos; considerou que não 'há crime se não há religião ofendida'.

“Para tanto, a Justiça Federal do Rio conceituou umbanda e candomblé como cultos a partir de dois motivos absolutamente esdrúxulos (ou seria melhor dizer a partir de dois preconceitos?): 1) candomblé e umbanda deveriam ter um texto sagrado como fundamento (aqui a Justiça Federal ignora completamente que religiões de matriz africana são fundadas nos princípios da transmissão oral do conhecimento, do tempo circular, e do culto aos ancestrais); e 2) candomblé e umbanda deveriam venerar a uma só divindade suprema e ter uma estrutura hierárquica (aqui a Justiça Federal do Rio atualiza a percepção dos colonizadores do século XVI de que os indígenas e povos africanos não tinham fé, não tinham lei nem tinham rei). Pergunto: Há, na decisão da Justiça Federal, pobreza de repertório cultural, equívoco na interpretação da lei ou cinismo descarado?”

O Ministério Público Federal recorreu dessa decisão. Mas, ainda citando Wyllys, “precisamos ficar atentos a essas manobras que perseguem, acuam e tentam destruir o que não está de acordo com o que o fundamentalismo religioso determina como correto. E não resta dúvida de que essa decisão judicial é fruto do fundamentalismo religioso que avança sobre os poderes da República”.

Não tenho o que acrescentar ao preciso comentário de Jean Wyllys.

A Justiça é um dos pilares da República de um Estado que se pretende constitucionalmente laico. A decisão do juiz Eugênio Rosa de Araújo (anotem o nome) é inaceitável.


PS: Na terça-feira(20), o juiz Araújo fez uma retificação no texto de sua decisão, mas manteve a negativa ao pedido do Ministério Público. Veja aqui.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Pensamento para sexta-feira [52] – Vai ter Copa



Mídia Ninja

Por Felipe Cabañas da Silva, no Facebook

Vejo notícias sobre manifestações e nelas nunca falta uma foto de um palhaço com a máscara do V de Vingança – que representa o facínora do Guy Fawkes. Como a esquerda não consegue perceber que o discurso anti-copa foi sequestrado pela direita – e não uma direita equilibrada, uma direita intelectual com propostas coerentes – mas aquela fatia estúpida da direita que sai às ruas mais para desopilar suas frustrações do que por qualquer coisa que se pareça com um projeto de país?

Ou a ninguém parece estranho que uma das mais histéricas vozes contra a Copa no Facebook seja a fascistinha TV Revolta, cujos posts 99% das vezes disseminam mentiras e ódio contra o Lula, o PT e a Dilma?


quinta-feira, 8 de maio de 2014

Os vampiros de Jarmusch


Reprodução


Only Lovers Left Alive é o título do mais recente filme do cineasta norte-americano Jim Jarmusch. Diretor de filmes como Dead Man, Noite sobre a Terra, Estranhos no Paraíso, Daunbailó, Flores Partidas, Ghost Dog e outros, ele deu recentemente uma entrevista publicada no site IndieWire em que fala sobre seu filme, um "filme de vampiro". 

São vários os diretores mais cultuados que dedicaram um filme a essa criatura que se alimenta da energia ou sangue e cujo maior sofrimento é a imortalidade. F. W. Murnau (Nosferatu, 1922), Werner Herzog (Nosferatu - O Vampiro da Noite, 1979), Roman Polanski (A Dança dos Vampiros, 1967), Francis Ford Copolla (Drácula de Bram Stoker, 1992) são alguns deles. 

De maneira que me causa expectativas assistir ao novo filme de Jarmusch, que ainda não vi e, ao que parece, deve chegar ao Brasil em outubro. Não há cineasta contemporâneo que fale melhor do tédio da civilização contemporânea do que Jarmusch. Por isso, ele focar sua lente no vampiro, essa figura mitológica, deve ser, como diria minha avó Emiliana, unir "a fome com a vontade de comer". No filme, há um casal de vampiros cultos que estão há séculos juntos, cujos nomes são significativos: Adam e Eve, interpretados respectivamente por Tom Hiddleston e Tilda Swinton.

Sobre o porquê de ter escolhido o tema vampiros para seu novo filme, disse Jarmusch: “Há centenas de filmes de vampiros, mas nosso filme não é um filme de terror. É um tipo diferente de filme de vampiro. Há muitos filmes diferentes de vampiro que não são de terror”.

Ou seja, não espere do vampiro de Jarmusch algo místico, mas uma criatura poética e entediada que, como um dead man, vagueia pelas sombras da civilização ocidental.

Na entrevista, no início de abril de 2014, Jarmusch falou do filme Only Lovers Left Alive e outros temas, como música, cinema contemporâneo, seu status de cineasta underground e sua opinião sobre o cinema atual. "O cinema precisa ser reduzido à sua poesia essencial”, disse o diretor.

Falou na entrevista sobre o fato de que fazer cinema, na sua opinião, é uma atividade cada vez mais difícil. A saída, disse, pode ser o esquema de orçamentos baratos como o do cinema que vem sendo feito na Grécia na atualidade, ou o que já foi realizado no Irã. “Cinema é uma forma tão bonita, mas está ficando muito difícil – é muito diferente do que era há cinco anos – financiar filmes. Não sei o que dizer sobre isso, a não ser que continuo fazendo.”

“Sempre achei as coisas mais interessantes do lado de fora do mainstream. Ao longo da história, sempre houve uma cultura dominante e uma cultura marginal, e as coisas mais inovadoras estão às margens. Nem sempre, mas na maioria das vezes. Estou definitivamente em algum lugar nas margens. Eu não me vejo no mainstream”, afirmou Jarmusch.

Tilda Swinton e Tom Hiddleston, vampiros de Jarmusch
Sobre o chamado cinema independente: “depende de como você define cinema independente. Ele se tornou uma espécie de ferramenta de marketing, especialmente na América, então eu realmente não sei o que significa. As coisas mudaram, e a crise econômica mundial, e as novas maneiras como os filmes são distribuídos, mudaram a forma como eles podem ser financiados. Eu não sei qual é o futuro, mas sei que a nova onda de filmes gregos usando pequenos orçamentos, isso é realmente o futuro, e talvez o melhor caminho. Se você olhar para a história de qualquer forma de arte, digamos o rock 'n ' roll , por exemplo (...) estávamos cansados ​​deste grande rock 'n ' roll de estádio, de gravadora, o rock 'n ' roll comercial que foi impingido, de uma forma convencional. Portanto, é muito importante que, a partir , talvez, de The Stooges, ou Sex Pistols ou Ramones... a idéia é reduzir ao essencial”.

Ainda sobre cultura dominante x underground: “Estou muito mais interessado em ver o cinema de um diretor grego que fez um  filme com 200 mil dólares do que ver O Grande Gatsby, de Baz Luhrmann. (...) na Grécia, Romênia, há anos no Irã, há esses belos jardins do novo cinema que vem de lugares sobre os quais você pensaria: ‘Como é que eles podem fazer filmes em lugares onde a crise é tão grave?’ Mas isso está acontecendo. Eu não sou um profeta, mas apoio as pessoas encontrarem sua própria maneira de se expressar”.

Na entrevista, Jarmusch também fala da relação entre música e cinema. Perguntado sobre o que vem antes quando concebe um filme (a imagem ou o som), responde: “Nenhum dos dois. O que geralmente vem em primeiro lugar são alguns personagens e alguns lugares (...) A imagem e o som são a mesma coisa para mim no sentido de criar uma atmosfera”. Se você viu Estranhos no Paraíso (tradução incorreta do original Stranger than Paradise, 1984) e lembra do diálogo da música de John Lurie com as cenas do filme entenderá como a música é intrínseca aos filmes de Jarmusch. O que acontece também, de forma marcante, no filme Dead Man (1995), no qual a história de Johnny Depp como William Blake é como que narrada pela guitarra de Neil Young.

A entrevista de Jarmusch ao IndieWire na íntegra, em inglês, está aqui: Jim Jarmusch on the Future of Independent Film: 'Cinema needs to be reduced to its essential poetry'

Leia também:



quarta-feira, 7 de maio de 2014

Uma seleção sem líder


Os convocados de Felipão para a Copa do Mundo no Brasil

Divulgação
Para não voltar no tempo de Pelé, Gerson e Carlos Alberto, ou mais atrás, Didi, Bellini, Nilton Santos e outros e acabar sendo chamado de saudosista, falo apenas dos times brasileiros campeões de 1994 e 2002. O primeiro tinha Romário, Dunga, Branco e Aldair, por exemplo; o segundo, mais fraco em termos de lideranças dentro de campo, ainda assim tinha Cafu, Ronaldo Nazário e Marcos (goleiro).

Brasil ou não, não lembro de um time campeão sem alguém pra se impor dentro de campo. Exemplos: Argentina de Maradona em 1986, Alemanha de Beckenbauer em 1974.

A seleção de Felipão de 2014 tem seis jogadores que têm experiência de ter jogado a última Copa do Mundo: o goleiro Julio Cesar (que na minha opinião não deveria nem ser convocado), os laterais Daniel Alves e Maicon, o zagueiro Thiago Silva, o volante Ramires e o atacante Fred. Nenhum deles é líder. Fred ninguém sabe se sairá de campo com o músculo estourado. Maicon é um trator silencioso. Enfim...

De resto, o goleiro titular (que já fez "sua parte" em 2010 ao falhar grotescamente na eliminação para a Holanda) e outros jogadores da "família Felipão" formam um grupo de jogadores sem brilho e inexperientes em Copa, alguns dos quais ou nem conheço (como Luiz Gustavo) ou, outros, muito longe do que a gente entendia como jogador de seleção num passado já meio distante. É um time que, se Neymar não brilhar (e ele será duramente marcado), não tem muita chance.

Sei não. Não quero secar, mas essa seleção não tem nem líder nem pinta de campeã.

Os convocados:

Goleiros
Julio Cesar (Toronto FC), Jefferson (Botafogo), Victor (Atlético-MG).

Laterais: Daniel Alves (Barcelona), Marcelo (Real Madrid), Maicon (Roma), Maxwell
(Paris Saint-Germain)

Zagueiros: Thiago Silva (Paris Saint-Germain), David Luiz (Chelsea), Dante (Bayern de Munique), Henrique (Napoli)

Meio campo: Fernandinho (Manchester City), Luiz Gustavo (Wolfsburg), Hernanes (Inter de Milão), Oscar (Chelsea), Paulinho (Tottenham), Ramires (Chelsea), Willian (Chelsea)

Atacantes:

Bernard (Shakhtar Donetsk), Fred (Fluminense), Hulk (Zenit), Neymar (Barcelona) e Jô (Atlético-MG)

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Ayrton Senna – mito, perfeição técnica e paixão


Para Marco Ferreira e Luciano Oliveira


Instituto Ayrton Senna
20 anos

No dia 1° de maio de 1994 bilhões de pessoas assistiram via satélite ao acidente que matou o piloto Ayrton Senna na pista de Imola, na Itália. Num primeiro momento, para quem viu a morte ao vivo, o mais impressionante foi o paradoxo da cena: depois do impacto e de os restos do carro "navegarem" a esmo às margens da pista por alguns segundos, a visão do bólido estático transmitia uma estranha e indefinível sensação de silêncio e imobilidade. A primeira expectativa era a de que, como é comum em acidentes com esses quase perfeitos conjuntos técnicos dos quais, por assim dizer, o homem é parte integrante, o piloto saísse andando do acidente, embora a violência do impacto no muro, no momento mesmo, tenha também causado a impressão de que não era mais um desses casos tornados milagrosos pela indestrutível fibra de carbono que envolve o piloto no carro. Mas o que se via era a cena do bólido estático, interminavelmente estático: uma espécie de "desrealização" (termo que Laymert Garcia dos Santos usa em outros contextos) da velocidade. O paradoxo.

 Anunciada a morte, o país do samba, do carnaval e do futebol (país cuja alegria os estrangeiros não cansam de enaltecer como uma de suas mais importantes virtudes) mergulhou na talvez maior depressão de sua história recente, superando, segundo algumas avaliações, a comoção causada pelo suicídio de Vargas. Por quê?

 Há quem considere, os puramente racionais, que a mídia fabricou o espetáculo da morte, ou melhor, usou-a para erguer o mito em nome da audiência; há os que veem no caso uma fatalidade mística e em Ayrton Senna um espírito de líder, pois julgam impossível uma pessoa comum arregimentar em torno de si tamanha energia; e há os que simplesmente se comoveram, os carentes de emoções, mas não viram no caso nada mais do que um fato incomum a movimentar seu cotidiano amorfo.

É de se supor que as duas primeiras "espécies" de pessoas tenham parte de razão.

A Fórmula 1 é uma dos mais importantes emblemas do desenvolvimento técnico desde que se criou o motor a explosão entre o fim do século passado e início deste. Muitas das tecnologias desenvolvidas para o aumento do desempenho dos bólidos nas pistas são posteriormente assimiladas, com as transformações e adaptações necessárias, aos conjuntos técnicos fabricados em série pelas grandes indústrias. A Fórmula 1 é um laboratório.

Os pilotos, nesse sentido, não são meras cobaias: sabe-se, por exemplo, que não basta a um bom piloto saber conduzir o veículo, somar pontos com sua habilidade, conquistar títulos como nos esportes tradicionais. Os mais requisitados são aqueles capazes de apreender, decodificar e trabalhar a informação (usando aqui o conceito de Simondon) no sentido do pleno desenvolvimento, da otimização do carro, uma otimização extrema.

Não poucas vezes divulgaram-se opiniões segundo as quais Ayrton Senna era o mais "perfeito" piloto já visto. É possível que fosse. Muitos eram os que assistiam às provas unicamente pela sua presença nas pistas e que depois de sua morte perderam o interesse por elas. Mesmo os leigos, semileigos ou simples amantes de esportes em geral percebiam que havia algo incomum em Ayrton Senna. Ao contrário de outros, ou apenas talentosos ou apenas bons "desenvolvedores" de carros, o piloto brasileiro possuía ambas as qualidades: o talento, a mais espantosa habilidade e perícia, talento com o qual proporcionou momentos espetaculares nas pistas, realizando manobras impossíveis ou tirando do seu carro um desempenho acima do normal em situações mesmo de avaria técnica (era, apenas para citar um exemplo, conhecido como imbatível correndo sob chuva); e também era raro conhecedor da "linguagem" da máquina, de suas necessidades intrínsecas.

Se a ideia de Gilbert Simondon é a supressão da dicotomia homem versus máquina, então pode-se dizer que a "função integradora da vida"  por ele almejada foi quase de modo absoluto encarnada pelo conjunto homem-máquina da Fórmula 1 e essa integração foi atingida pelo piloto brasileiro mais do que qualquer outro: é inquestionável que seu talento incomum se aliava à capacidade sobre-humana de interpretação das informações. O talento de um Nigel Mansel, por exemplo, jamais pressupôs o conhecimento técnico (o piloto inglês era um conhecido mal intérprete da linguagem do carro, que, com a telemetria, deixou de dizer respeito apenas à mecânica). O brasileiro Nelson Piquet, que também possuía o talento aliado ao conhecimento técnico (foi um dos maiores "acertadores de carros" da história da Fórmula 1) não tinha, porém, uma terceira qualidade, a mais rara e impressionante.

Não foram apenas o talento e o conhecimento técnico os responsáveis pelo aparecimento do mito Ayrton Senna. Havia também nele um carisma que alguns consideram místico, uma obsessão apaixonada por algo interior e além da realidade em que vivia. O amor à velocidade era para ele como que mágico, como se de alguma forma, superando o tempo, submetendo-o, vencendo-o e a si mesmo constantemente, procurasse um objetivo transcendente, a superação mesma de sua condição humana e a do conjunto que formava com o carro. Seu orgulho não era facilmente confundido com a vaidade. Ele próprio, aliás, encarregou-se de fomentar esse misticismo, evocando o nome de Jesus Cristo em situações conhecidas. Se fosse outra pessoa, poderíamos imputar a isso uma pura estratégia de marketing.

No caso de Senna, suas características e o conjunto de situações que ele protagonizou ajudam também a aumentar a aura de misticismo que cercam sua pessoa e sua morte: o frequente olhar distante para lugar nenhum, o sorriso invariavelmente triste, a espontaneidade com que, carregando a bandeira brasileira em algumas grandes conquistas, elevou por efêmeros momentos o orgulho de um povo ferido e humilhado, a crise de choro de 15 minutos que abateu-o na véspera da morte ao saber que o piloto austríaco Roland Ratzenberger acabara de sofrer nos treinos um acidente fatal, e seu estranho e longo olhar fixo para o carro, registrado pelas câmeras minutos antes de iniciar-se a corrida em Imola. Há ainda estranhas coincidências: como, por exemplo, o fato de ele ter morrido na mesma curva em que no mesmo dia 1° de maio de 1987, portanto exatamente 7 anos antes, o também brasileiro Nelson Piquet, seu declarado desafeto, escapou milagrosamente da morte depois de chocar-se a 300 km por hora contra o muro da mesma curva Tamburelo. E mais: como se essa coincidência não bastasse, como se o Destino houvesse querido não deixar dúvidas sobre seus desígnios, Senna conheceu a morte na 7° volta da corrida. Os cabalistas não considerariam, por tratar-se do número 7, estas coincidências desprezíveis.

Há também a ironia de suas posições nos tempos que precederam o acidente. Mais de uma vez reclamou da automação sem limites a ameaçar o talento. Chegou a dizer que todos os pilotos, com a informatização, seriam nivelados e a paixão de dirigir em breve seria destruída pela tecnologia. A competitividade seria reduzida à rapidez da contínua disputa pela superação tecnológica. Ele se referia à equipe Williams (à época, era piloto da McLaren), cuja tecnologia desenvolvera em alto grau recursos como a suspensão ativa (o que fazia com que o piloto não sentisse as trepidações e o carro grudasse no solo), câmbio automático (é conhecida a opinião de qualquer motorista comum sobre o prazer proporcionado pela mudança de marchas, "o maior prazer de dirigir", segundo muitos), gasolina potencializadora do motor já por si só o mais potente do "circo", entre outros.

Pelo conhecimento e pelo talento, Senna sabia que essa evolução tendia à automação absoluta, embora, provavelmente, o absoluto, como uma espécie de utopia técnica, jamais fosse atingido (sendo apenas o horizonte da tendência), mas o grau chegaria a um patamar muito elevado, ou seja, tendendo ao que Simondon chama de "autômato" (Du Mode d'Existence des Objets Techniques, páginas 139 e 140). Nesse caso, sua intuição previa um deslocamento do equilíbrio homem-máquina, o desnivelamento em favor da máquina, enfim a quebra da integração. Simondon diz que o autômato, "máquina perfeita", é uma noção obtida pela passagem ao limite: sua margem de indeterminação será nula, pois "poderá receber, interpretar ou emitir a informação". E mais: "Ora, se a margem de indeterminação do funcionamento é nula, não há mais variação possível; o funcionamento se repete indefinidamente, e por consequência a interação não tem mais significação". Essa era a tendência dos carros de Fórmula 1 em 1993.

Mas as tendências, quando Ayrton Senna já havia definido sua ida para a mesma Williams cuja tecnologia criticara em nome do talento, mudaram abrupta e radicalmente no início de 1994. Em nome do interesse pela competição, que se esvaziava rapidamente graças ao desnivelamento entre as equipes, o grau de desenvolvimento tecnológico foi não apenas interrompido como houve um retrocesso, com a proibição de certos tipos de gasolina, da suspensão ativa e outras “conquistas”. Ao iniciar a temporada, as equipes procuravam adaptar-se às novas regras. A Willliams, a que mais sentiu as proibições exatamente porque já se havia ajustado às inovações, entrou como que num vácuo técnico. Senna pegou o carro nesse momento em que a Williams se viu envolvida de repente numa situação imprevista, com a inversão do status técnico para a elevadíssima margem de indeterminação subsequente. O austríaco Roland Ratzenberger, não por acaso, foi vítima da mesma situação.

Por fim, o ritual fúnebre ajudou a consolidar o mito. Não se pode negar a participação da mídia nessa consolidação. Mas, melhor do que a racionalidade que nega a necessidade humana do mito, traduz melhor a situação a frase do piloto Emerson Fittipaldi naquela semana: "O brasileiro não sabia que gostava tanto do Ayrton". A sincera comoção, o luto da Nação expressado pelas mais diversas pessoas (social e culturalmente) corroboram essas palavras. A tristeza do País revelou algo como a gratidão catártica pela grandeza catalisada por Senna, gratidão de um povo vilipendiado, e revelou também que esse povo, mesmo humilhado, mesmo carente de "vitórias" no seu miserável cotidiano, ainda tem orgulho de si mesmo. A energia gerada pela comunhão nesse luto, dizem os místicos, não é desprezível. Foi dito por um deles que a morte de Senna provocou um entendimento inconsciente da evolução e das mudanças.

Ou terá sido tudo fruto do acaso? A inesperada união de tantas criaturas diferentes em torno da morte é apenas um dado para análise sociológica? Sabe-se que a união das pessoas em torno da mesma energia produz efeitos poderosos. A partir desse ponto, não é possível especular. Se há desígnios em relação a Ayrton Senna que nos escapam, eles continuarão sendo segredo dos deuses. Se não os há, da mesma forma jamais ficaremos sabendo.

Nota
Este ensaio foi escrito em 1995, para um curso de pós-graduação que eu fazia na época, poucos meses depois da morte de Ayrton Senna. Ele contém uma visão talvez pessimista demais dos destinos do país que, hoje, 20 anos depois, não são mais exatamente aquelas.

Leia também: