terça-feira, 30 de setembro de 2014

Marina Silva e as circunstâncias



Até Hulk
No início de setembro, o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), candidato à reeleição ao mesmo cargo este ano na chapa de Dilma Rousseff, foi perguntado numa coletiva sobre a então ascensão de Marina Silva e se a campanha dele e da presidente iriam atacar a adversária do PSB. A resposta, digna de uma velha raposa da política, foi a seguinte: “Não vejo necessidade (de atacar Marina). Acho que a desconstrução eventual dela pode ser feita por outras pessoas, pelas circunstâncias. Na política é assim. As circunstâncias vão mostrando o que é melhor para o país”.

Pouco mais de três semanas depois, muitas circunstâncias concorreram para a desconstrução da candidatura de Marina Silva, inclusive, e talvez principalmente, ela própria, com suas idas e vindas, suas contradições, suas alianças obscuras e seus recuos, seu programa de governo que, para justificar mudanças súbitas, ela disse que é um "programa em movimento". A questão da CPMF é só mais uma das já quase incontáveis “circunstâncias” previstas por Temer.

Os recuos quanto ao casamento gay, a energia nuclear, o agronegócio, a ingênua tentativa de dizer que votou a favor da CPMF em 1995 (quando votou “não”) e as hesitações, que diante da câmera, num debate, são terríveis a uma candidatura, foram algumas dessas circunstâncias. Até chegar à quase cômica situação desta segunda-feira, quando a campanha da candidata, que desde domingo comemorava o apoio do ator Mark Ruffalo (o Hulk), que gravara até um vídeo por Marina, teve de engolir o próprio ator retirar seu apoio. “Descobri que a candidata à Presidência do Brasil, Marina Silva, talvez seja contra o casamento gay. Isso me colocaria em conflito direto com ela”, escreveu Ruffalo no Tumblr.

E Aécio Neves pode mesmo virar o jogo pra cima de Marina. Hoje, o assessor de um importante dirigente do PT me disse que pesquisas internas do partido estão mostrando empate técnico entre o tucano e a ambientalista. Essa tendência será confirmada? A conferir. Faltando cinco dias para a eleição, é cada vez mais possível que a ex-favorita doutora em “Nova Política” seja rebaixada ao mesmo terceiro lugar de 2010 justamente por praticar a velhíssima “velha política”, com o perdão do pleonasmo.  

A “velha política” de Marina, além de velha, demonstrou-se amadora, vacilante e falsa. Ela vem despencando vertiginosamente em todas as classes sociais e demais filtros das pesquisas, e em todas as regiões do país. 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A 12 dias da eleição, pesquisas indicam cenário que a oposição e a direita não previram




A menos de duas semanas do primeiro turno e 40 dias depois da morte de Eduardo Campos, tragédia que alavancou a candidatura de Marina Silva, a "fotografia" do momento mostra um cenário que as forças conservadoras do país não previam. 

Na pesquisa Vox Populi divulgada no início da noite de hoje, a presidente Dilma Rousseff aparece com 40% das intenções de voto, 4 pontos percentuais acima do levantamento da semana passada. Marina Silva tem 22%, tendo despencado 5 pontos em uma semana, enquanto o tucano Aécio Neves tem 17%, dois a mais do que há uma semana. Segundo o Vox Populi, os indecisos são 12%.

Já o Ibope também mostra Dilma ascendente, com 38% (36% na pesquisa anterior), à frente de Marina, com 29% (30% na semana passada), e de Aécio com os mesmos 19%. O Ibope diz que os indecisos são 5%.

Ignoremos as “projeções” para o segundo turno, que, francamente, são conversa pra boi dormir ou assunto para manchetes garrafais quando a candidata do PT aparecia atrás da ex-seringueira, ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente, ex-PV, ex (e talvez futura)-Rede e atual candidata do PSB, Marina Silva, a divulgadora da “nova política”.

Chamam a atenção nas pesquisas duas coisas.

A primeira: ambas mostram Dilma subindo, embora no Ibope apenas dois pontos (de 36% a 38%), enquanto no Vox ela subiu o dobro, e chegou a 40%. Curiosamente, no Ibope Marina apenas “oscila” de 30% para 29%, enquanto no Vox tem uma queda de 5% (27% a 22%).

A segunda coisa que chama a atenção é o número de indecisos: 12% no Vox Populi e apenas 5%, menos da metade, no Ibope. Interprete essa discrepância quem interpretar possa.

Mas o que portanto parece certo é que Dilma está crescendo na reta final, faltando 12 dias para o pleito, enquanto Marina mostra tendência de queda e Aécio de ficar estagnado ou “oscilar” um pouco para cima.

Ao que parece, se não houver fatos novos e muito significativos, a eleição levará Dilma ao segundo turno contra Marina ou Aécio. Insisto no que disse num post de 28 de agosto, 26 dias atrás: “Acho que vai ter segundo turno nas eleições de outubro, mas não considero Aécio já derrotado, apesar de a mídia (acrescento aqui: exceto o Estadão) aparentemente já ter tomado a decisão de apoiar Marina”.

Só que, com 12 dias pela frente, se Marina continuar caindo, seus votos vão para quem? Supondo, hipoteticamente, que se dividam entre Dilma e Aécio mais ou menos igualitariamente, a candidata do PSB pode realmente nem ir para o segundo turno, se Aécio conseguir tirar dela 3 pontos no Vox Populi ou 5 no Ibope (lembrando matemática: se, por exemplo no Ibope, a diferença entre o tucano e a pessebista é 10 pontos, Aécio tirar 5 de Marina significa que ele ganha também 5 e estariam então empatados).

O ex-tucano Walter Feldman, coordenador-geral da campanha de Marina, disse hoje que sua candidata vai, sim, dialogar com a “velha política”. Na semana passada, o vice da ex-ministra, Beto Albuquerque, dizia que não dá para governar sem o PMDB. Estão tentando estancar a sangria. Quem ouve esses acenos à velha política de sempre (e, de resto, é a política que temos e só mudará com uma reforma política), quem escolhia Marina por ver nela algo novo, deve estar agora bastante decepcionado. Pudera. Depois de voltar atrás em pontos específicos do seu programa de governo por pressão de Malafaias da vida, de empresários do agronegócio e outras forças, agora a questão já é voltar atrás no conceito por trás do qual se forjou a candidatura. Muita gente que apostou nela, a essa altura, já deve estar arrependida.

Enquanto isso, Dilma Rousseff discursa amanhã na abertura da Assembleia Geral da ONU.

E Aécio Neves deve continuar sua desesperada cruzada para convencer o eleitorado de que votar em Marina e em Dilma é a mesma coisa, “é votar no PT”, como dizia um cartaz de sua campanha que vi hoje no centro da cidade.

Por incrível que pareça, a direita parece ter errado a estratégia, se dividiu e até mesmo no primeiro turno a eleição pode se decidir, embora seja ainda difícil. Mas não impossível.


* Publicado originalmente 23/09/14 às 23:37 de Brasília

Moniz Bandeira: "a Sra. Marina Silva joga o PSB na lixeira"


Inúmeros sites publicaram a carta do historiador e cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, que dispensa apresentações, ao presidente do PSB, Roberto Amaral, sobre o partido ter permitido que Marina Silva "entrasse" na legenda. Não sei onde a carta foi publicada primeiro. Mas é um documento contundente que deve ser registrado e reproduzido. Na carta, Moniz Bandeira recomenda a Roberto Amaral "que renuncie à presidência do PSB" e afirma que "a Sra. Marina Silva joga e afunda (o PSB) na lixeira".

Reprodução/Youtube/Café na Política


Estimado colega, Prof. Dr. Roberto Amaral
Presidente do PSB,

A Srª Marina Silva tinha um percentual de intenções de voto bem maior do que o do governador Eduardo Campos, mas não conseguiu registrar seu partido – Rede Sustentabilidade – e sair com sua própria candidatura à presidência da República.

O governador Eduardo Campos permitiu que ela entrasse no PSB e se tornasse candidata a vice na sua chapa. Imaginou que seu percentual de intenções de voto lhe seria transferido.

Nada lhe transferiu e ele não saiu de um percentual entre 8% e 10%. Trágico equívoco.

Para mim era evidente que Sra. Marina Silva não entrou no PSB, com maior percentual de intenções de voto que o candidato à presidência, para ser apenas vice.

A cabeça de chapa teria de ser ela própria. Era certamente seu objetivo e dos interesses que representa, como o demonstram as declarações que fez, contrárias às diretrizes ideológicas do PSB e às linhas da soberana política exterior do Brasil.

Agourei que algum revés poderia ocorrer e levá-la à cabeça da chapa, como candidata do PSB à Presidência.

Antes de que ela fosse admitida no PSB e se tornasse a candidata a vice, comentei essa premonição com grande advogado Durval de Noronha Goyos, meu querido amigo, e ele transmitiu ao governador Eduardo Campos minha advertência.

Seria um perigo se a Sra. Marina Silva, com percentual de intenções de voto bem maior do que o dele, fosse candidata a vice. Ela jamais se conformaria, nem os interesses que a produziram e lhe promoveram o nome, através da mídia, com uma posição subalterna, secundária, na chapa de um candidato com menor peso nas pesquisas.

O governador Eduardo Campos não acreditou. Mas infelizmente minha premonição se realizou, sob a forma de um desastre de avião. Pode, por favor, confirmar o que escrevo com o Dr. Durval de Noronha Goyos, que era amigo do governador Eduardo Campos.

Uma vez que há muitos anos estou a pesquisar sobre as shadow wars e seus métodos e técnicas de regime change, de nada duvido. E o fato foi que conveio um acidente e apagou a vida do governador Eduardo Campos. E assim se abriu o caminho para a Sra. Marina Silva tornar-se a candidata à presidência do Brasil. 

Afigura-me bastante estranho que ela se recuse a revelar, como noticiou a Folha de S.Paulo, o nome das entidades que pagaram conferências, num total (que foi, declarado) de R$1,6 milhão (um milhão e seiscentos mil reais), desde 2011, durante três anos em que não trabalhou. Alegou a exigência de confidencialidade. Por que a confidencialidade? É compreensível porque talvez sejam fontes escusas. O segredo pode significar confirmação. 

Fui membro do PSB, antes de 1964, ao tempo do notável jurista João Mangabeira. Porém, agora, é triste assistir que a Sra. Marina Silva joga e afunda na lixeira a tradicional sigla, cuja história escrevi tanto em um prólogo à 8ª edição do meu livro O Governo João Goulart, publicado pela Editora UNESP, quanto em O Ano Vermelho, a ser reeditado (4a edição), pela Civilização Brasileira, no próximo ano.

As declarações da Sra. Marina Silva contra o Mercosul, a favor do subordinação e alinhamento com os Estados Unidos, contra o direito de Cuba à autodeterminação, e outras, feitas em vários lugares e na entrevista ao Latin Post, de 18 de setembro, enxovalham ainda mais a sigla do PSB, um respeitado partido que foi, mas do qual, desastrosamente, agora ela é candidata à presidência do Brasil.

Lamento muitíssimo expressar-lhe, aberta e francamente, o que sinto e penso a respeito da posição do PSB, ao aceitar e manter a Sra. Marina Silva como candidata à Presidência do Brasil.

Aos 78 anos, não estou filiado ao PSB nem a qualquer outro partido. Sou apenas cientista político e historiador, um livre pensador, independente. Mas por ser o senhor um homem digno e honrado, e em função do respeito que lhe tenho, permita-me recomendar-lhe que renuncie à presidência do PSB, antes da reunião da Executiva, convocada para sexta-feira, 27 de setembro. Se não o fizer – mais uma vez, por favor, me perdoe dizer-lhe – estará imolando seu próprio nome juntamente com a sigla.

As declarações da Sra. Marina Silva são radicalmente incompatíveis com as linhas tradicionais do PSB. Revelam, desde já, que ela pretende voltar aos tempos da ditadura do general Humberto Castelo Branco e proclamar a dependência do Brasil, como o general Juracy Magalhães, embaixador em Washington, que declarou: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.”

Cordialmente,

Prof. Dr. Dres. h.c. Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Pra não dizer que não falei de Luciana Genro


O que penso sobre o PSOL e Luciana Genro já escrevi aqui.

Acho que o PSOL tem uma visão míope sobre ser de esquerda. Tanto é que não é incomum que o partido se una ao PSDB em vários parlamentos do país. Basta procurar na internet para achar exemplos. Se consideram que ser de esquerda é posicionar-se radicalmente contra o PT e colocá-lo no mesmo saco que o PSDB e se, ao atacar o partido de Lula citando o "mensalão", por exemplo, corroboraram as decisões juridicamente absurdas de Joaquim Barbosa (ao lado da TV Globo e toda a mídia conhecida), só se pode ver miopia no PSOL. Ou algo pior: "uma estratégia eleitoreira das mais tradicionais", como observou o Felipe Cabañas da Silva em comentário ao post anterior acima citado/linkado: o PSOL "precisa desconstruir a imagem do PT enquanto partido de esquerda para disputar a fatia progressista do eleitorado e se viabilizar como alternativa de poder".

Seja como for, apesar de minhas críticas e ressalvas feitas, a candidata do PSOL à presidência da República aplicou um nocaute incontestável no tucano Aécio Neves, no debate promovido pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na terça-feira (16). Por isso, a pouco mais de duas semanas do primeiro turno, fica o registro. Para quem não viu a única passagem importante do debate.





segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Dilma tem o apoio de quem não pensa só em si



Chico, Fernando Morais, Nachtergaele e Beth  
Luis Fernando Veríssimo, Chico Buarque, Matheus Nachtergaele, Beth Carvalho, Paulo Betti, Hugo Carvana, Ivana Bentes e Maria da Conceição Tavares, entre muitos outros artistas, intelectuais, produtores culturais e jornalistas assinam o manifesto de apoio à candidatura de Dilma Rousseff.

Segundo o manifesto,“o Brasil precisa de mudanças, como as manifestações de rua do ano passado revelaram (...) aprofundar as transformações na educação e na saúde públicas, na agricultura, consolidando com ousadia as políticas de cultura, meio ambiente, ciência e tecnologia, e combatendo, sem trégua, todas as discriminações (...) o Brasil precisa urgentemente de uma reforma política. Mas precisa mudar avançando e  não recuando ".

Deve-se notar que há algumas vozes dissonantes. As de Caetano Veloso e Gilberto Gil, por exemplo, que declararam voto em Marina Silva. Tempos atrás, dona Canô, mãe de Caetano, puxou a orelha do filho publicamente, porque ele tinha chamado Lula de "analfabeto", e declarou voto em Dilma. Infelizmente, dona Canô já morreu. Nada contra Caetano ou Gil votarem em Marina. É da democracia. Mas Caetano dizer que Marina representa a "chegada de evidentes fenótipos negros no posto da Presidência da República. Isso não é pouco", é bastante ridículo. "É a sociedade brasileira se movimentando para crescer com dores suportáveis", escreveu ainda Caetano, que tem uma obra tão bonita, e poderia nos poupar de tamanhas tolices.

Abaixo, a íntegra do documento assinado por Luis Fernando Veríssimo, Chico Buarque, Matheus Nachtergaele etc:

Os brasileiros decidem agora se o caminho em que o país está desde 2003 é positivo e deve ser mantido, melhorado e aprofundado, ou se devemos voltar ao Brasil de antes - o do desemprego, da entrega, da pobreza e da humilhação.

Nós consideramos que nunca o Brasil havia vivido um processo tão profundo e prolongado de mudança e de justiça social, reconhecendo e assegurando os direitos daqueles que sempre foram abandonados. Consideramos que é essencial assegurar as transformações que ocorreram e ocorrem no país, e que devem ser consolidadas e aprofundadas. Só assim o Brasil será de verdade um país internacionalmente soberano, menos injusto, menos desigual, mais solidário.

Abandonar esse caminho para retomar fórmulas econômicas que protegem os privilegiados de sempre seria um enorme retrocesso. O brasileiro já pagou um preço demasiado para beneficiar os especuladores e os gananciosos. Não se pode admitir voltar atrás e eliminar os programas sociais, tirar do Estado sua responsabilidade básica e fundamental.

O Brasil precisa, sim, de mudanças, como as próprias manifestações de rua do ano passado revelaram. Precisa, sem dúvida, reformular as suas políticas de segurança pública e de mobilidade urbana. Precisa aprofundar as transformações na educação e na saúde públicas, na agricultura, consolidando com ousadia as políticas de cultura, meio ambiente, ciência e tecnologia, e combatendo, sem trégua, todas as discriminações.

O Brasil precisa urgentemente de uma reforma política. Mas precisa mudar avançando e não recuando. Necessita fortalecer e não enfraquecer o combate às desigualdades. O caminho iniciado por Lula e continuado por Dilma é o da primavera de todos os brasileiros. Por isso apoiamos Dilma Rousseff.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Pensamento para sexta-feira [53]
Eleições: Veredas



"(...) Olhe: o que devia de haver, era de se reunirem-se os sábios, políticos, constituições gradas, fecharem o definitivo a noção - proclamar por uma vez, artes assembléias, que não tem diabo nenhum, não existe, não pode. Valor de lei! Só assim, davam tranquilidade boa à gente. Por que o Governo não cuida?!
Ah, eu sei que não é possível. Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias...Tanta gente - dá susto de saber - e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons..."

(Guimarães Rosa - trecho de Grande Sertão: Veredas, a partir de post de Gabriel Megracko no Facebook)

Ilustração: Poty (do livro Sagarana/1980- Livraria José Oympio)

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O racismo é inadmissível e é crime, mas é à Justiça que cabe julgar. E condenar





Concordo plenamente com a exclusão do Grêmio de Porto Alegre da Copa do Brasil pelas atitudes racistas de sua torcida contra o goleiro Aranha, do Santos, na semana passada. Aliás, defendi isso na minha página do Facebook: “Enquanto não houver severas punições aos clubes (perda de pontos, multas pesadas etc) casos absurdos como o do goleiro ... vão continuar acontecendo”, escrevi lá no dia 28. Por incrível que pareça, houve quem discordasse de que o clube deveria ser punido.

Acho que não apenas a garota Patrícia, mas todos os que têm esse tipo de comportamento devem ser alvo da justiça, de acordo com investigações sérias e isentas, e impedidos de entrar nos estádios. As investigações devem chegar à torcida organizada, no caso a gremista, que, segundo depoimentos, incentiva, dissemina e pratica o racismo em suas manifestações.

O racismo é hoje inadmissível de acordo com qualquer parâmetro legal e de defesa dos direitos humanos. E é absurdo principalmente no Brasil, país multicultural e que tem na miscigenação das raças e culturas uma de suas maiores belezas.

Mas acho também que o devido processo legal e o direito à ampla defesa devem ser assegurados às pessoas que são acusadas de qualquer coisa. O Direito prevê punições e também atenuantes para qualquer crime, dependendo de inúmeras circunstâncias.

À Justiça é que cabe julgar. Estamos numa República, e não em um Estado teocrático. Determina a Constituição brasileira que “aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa” (inciso LV do artigo 5º) e que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (inciso LVII do mesmo artigo).

Violência e linchamentos morais ou físicos, midiáticos ou perpetrados por pessoas, o ódio e a vingança não levam a construir nada. Não são justiça. Pelo contrario, só alimentam o conflito e fomentam o ódio num moto-contínuo sem fim. Há incontáveis casos para comprovar isso, é só buscar na memória. 

Essa histeria punitiva que cerca o caso Grêmio é apenas um exemplo. Há outros, de outro gênero, como o caso do "mensalão",  muito diferente, que vai ser esclarecido pela história, isso é certo, mas até lá a injustiça, a afronta a direitos constitucionais básicos, já estará mais do que consumada. Há o antigo caso da escola Base.

Na mídia, o que não falta são justiceiros, mas não cabe à mídia fazer justiça, embora ela própria tenha se autodenominado "o quarto poder" e seus representantes acreditem nisso.

Há alguns meses uma mulher inocente foi linchada por ser confundida com uma criminosa no litoral de São Paulo porque uma horda de ignorantes e criminosos achou por bem fazer justiça pelas próprias mãos, talvez alguns deles com a cabeça cheia de recalques alimentados por ódios pessoais e midiáticos bem-intencionados e politicamente corretos.

A sede de vingança distorce e deteriora as relações sociais.

E, como se diz, de boas intenções o inferno está cheio.