segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Uma dose de literatura hispano-americana





Em outubro, em Montevidéu, da bela e sofisticada librería Puro Verso (acima), saí com dois livros de Jorge Luis Borges, um autor que me tem sido caro, embora não para ser lido com muita frequência: Poesía Completa (da Editorial Lumen, que ganhei) e a coletânea que ele reuniu, citações de vários autores, intitulada Libro de Sueños (da Random House Mondadori, que comprei). Esses são livros que tenho lido, mas não com a preocupação de começar e terminar. São obras para ter e abrir de vez em quando para um deleite muito particular, que é o trazido pela literatura borgeana. 
São belas edições, livros que valem a pena possuir em sua biblioteca. 

Ao voltar da capital Uruguaia, ganhei de aniversário o belíssimo A Longa Viagem de Prazer, de Juan José Morosoli, uma revelação para mim estimulante e sobre a qual já escrevi aqui.

E acabo de ler o romance Os Passos Perdidos (1953, editora Martins Fontes), de Alejo Carpentier (1904-1980), de leitura mais árdua, às vezes não muito fluente. A literatura de Carpentier é uma das precursoras do chamado realismo fantástico, segundo os críticos, tendo influenciado uma série de autores no século XX. Diz a Enciclopédia Britânica que Carpentier "também foi um musicólogo, ensaísta e dramaturgo. Entre os primeiros praticantes do estilo conhecido como ‘realismo mágico’, exerceu uma influência decisiva sobre as obras de escritores latino-americanos [de língua espanhola] mais jovens, como Gabriel García Márquez”. Embora eu não seja um especialista em literatura hispano-americana, penso que Leopoldo Lugones (1874-1938), que influenciou tanto Borges como Cortázar, entre vários outros, é muito mais importante do que Carpentier no que diz respeito às origens do realismo fantástico, mas isso é outra história (aliás, Carpentier parece mais vinculado ao surrealismo francês, que o influenciou de fato, do que ao próprio realismo mágico...). Os Passos Perdidos não me parece nem de perto pertencente à tradição de García Márquez, mas a uma espécie de realismo barroco-existencialista (sic) (sabe-se que Carpentier reverenciava o barroco). 

O livro conta a história de um musicólogo incumbido por uma instituição acadêmica de coletar instrumentos musicais primitivos e, para isso, viaja para a Amazônia venezuelana. Lá, conhece um local ainda intocado pela civilização e passa a viver o dilema entre ficar nessa nova realidade ou voltar à cidade grande, onde já não há vestígios do sagrado e as pessoas andam como seres sem vontade própria, com o caminhar que “corresponde à ideia fixa de chegar a tempo de ver acender-se a luz verde que lhes permite atravessar a avenida”.

A narrativa de Os Passos Perdidos (ao lado, a feia capa da edição da Martins Fontes) não flui muito facilmente devido ao intrincado estilo detalhista, barroco, do autor, e ao caráter existencialista exagerado, além dos dramas conjugais que ocupam um lugar muito destacado na obra e às vezes são enfadonhos.

Além disso, o vocabulário demasiadamente rebuscado de Carpentier (você precisa de um dicionário para ler o livro) se alia a tecnicalidades ligadas à musicologia, o que configura uma arrogância intelectual um pouco irritante, já que nem todo mundo é versado nos eruditismos do assunto e poucos conhecem as terminologias para iniciados na ciência da música.

Essas características fazem de Os Passos Perdidos, como literatura, exatamente o oposto do livro A Longa Viagem de Prazer, de Morosoli, do qual já falei, autor que deixa os personagens, a cultura e a terra falarem, sem interferir na ação, que não depende das reflexões, desejos ou vaidades estéticas do autor ou narrador; já Carpentier, escritor que nasceu na Suíça e morou na Venezuela e em Cuba (país que, dizia, considerava como sua pátria), abarrota as páginas com reflexões sobre si mesmo, com seu narcisismo estilístico e seus dramas pequeno-burgueses.

Os Passos Perdidos, o quarto e último título da literatura de língua originariamente hispânica que li nos últimos dois meses, é um bom livro, nada mais do que isso.

Por falar em literatura de língua hispânica, não faço muita, na verdade nenhuma questão, de ler obras em espanhol no idioma original: primeiro, porque, confesso, acho a língua espanhola um pouco irritante – curiosamente, me soa como uma língua infantilizada; em segundo, porque uma boa tradução de uma obra em espanhol não compromete em nada o texto original, devido ao parentesco ibérico, e, pelo contrário, não é raro um texto ou um poema traduzido ao português me parecer melhor do que o dos originais em espanhol.

domingo, 22 de dezembro de 2013

O primeiro ano do governo Haddad, o socialismo e a "Casa Grande"



Elza Fiúza/ABr

Não passou despercebido aos ouvidos atentos a frase que o prefeito Fernando Haddad disse ao sancionar na sexta-feira (20) a lei de criação da SP Cine (aliás, uma iniciativa do Executivo, aprovado na Câmara, digna de muitos aplausos). “Sou socialista, acredito na necessidade da distribuição de renda”, declarou, a propósito da batalha político-jurídica em torno do IPTU.

Um amigo meu chegou a comentar quão significativa é a frase de Haddad.  ”Fazia muito tempo que eu não ouvia um petista dizer ‘sou socialista’”. O que estaria por trás da declaração de Haddad na cerimônia, que aconteceu na Biblioteca Mario de Andrade? Ela foi dita premeditadamente ou saiu no meio do discurso naturalmente?

No curto discurso de cerca de 5 minutos, ele também falou outras coisas significativas: pronunciou três vezes a palavra “espírito”, num sentido que soou para mim, obviamente, não como qualquer alusão a misticismo, mas como categoria filosófica, com uma conotação iluminista.

Haddad disse ainda – já que estava num evento de cultura, onde havia cineastas e produtores culturais, embora o assunto do dia fosse o IPTU – que a cultura é mais importante à sociedade do que a política, e aqui não coloco entre aspas porque a citação é de memória, mas o sentido é literalmente esse.

Na política, como se sabe, fala-se mais nas entrelinhas do que na superfície do texto. Haddad – formado em Direito, mestre em Economia e doutor em Filosofia pela USP – não é nenhum bobo.

Ele teve um ano duro. Como prefeito, foi engolfado pelas manifestações de junho e posteriormente atacado ao mesmo tempo pela mídia, pela oposição e até por setores da esquerda. Perdeu seu secretário de Governo, Antonio Donato, que caiu vítima das denúncias de corrupção sobre a “máfia dos fiscais”, cuja elucidação foi possível principalmente pela ação da Controladoria Geral do Município, que o próprio governo Haddad criou.

O corredor de ônibus foi outro problema. Nesse caso, até a mim – que defendo a prioridade do transporte púbico sobre o automóvel – a medida conduzida pelo secretário Jilmar Tatto pareceu um pouco precipitada e mal feita, sem estudos prévios sobre o impacto e sem o devido esclarecimento à parcela da classe média que ajudou a eleger Haddad em 2012.

Enfim, Haddad descobriu na prática que sua excelente gestão como ministro da Educação não era condição suficiente para governar a maior cidade da América do Sul sem ter de se relacionar com as comezinhas e mundanas necessidades da pequena política.

É notório que ao prefeito de São Paulo incomoda muito a tal pequena política. Parece estar claro que a necessidade de conviver bem com um acordo em âmbito nacional do PT com o PSD de Gilberto Kassab está longe de ser seu sonho político.

Assim como saber que o mesmo Paulo Skaf que, como presidente da Fiesp, combateu e venceu no Judiciário sua proposta de fazer do IPTU um imposto mais justo e progressivo, é paparicado pelo PT paulista e nacional, por Lula e pela presidente Dilma, como eventual aliado no segundo turno das eleições para governador de São Paulo em 2014. Como se sabe, Skaf é o “candidato próprio” do PMDB que Michel Temer quer emplacar no estado, como parte da estratégia de tentar levar a eleição ao segundo turno e finalmente vencer o tucano Geraldo Alckmin, seja com Skaf, seja com Alexandre Padilha.

O prefeito estava visivelmente contrariado na sexta-feira, na Mario de Andrade, dia em que o STF do honorável Joaquim Barbosa manteve na última instância a liminar obtida pela Fiesp contra o IPTU e a reformulação da planta genérica do município. “A Casa Grande – disse, referindo-se à Fiesp e a Skaf – não deixa a desigualdade ser reduzida na velocidade que a gente deseja”.

Ele parecia manifestar uma certa perplexidade com a feroz oposição da elite paulistana a uma reforma urgente da planta do município rumo a uma cidade mais justa. Uma ferocidade mais real, talvez, do que ele previa.

Acho provável que em 2014 o governo Haddad comece a ser entendido por parte da população que hoje está ressentida porque ainda não assimilou sua proposta de governo. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Film Socialisme de Godard: poesia e política


“Você gosta de Jean-Luc Godard? (Se não está por fora).”

Lembrei  desta frase de Glauber Rocha hoje, vendo Film Socialisme (2010), de Godard. No estilo fragmentado e não linear característico, uma discussão sobre a velha e triste Europa forjada por sangue e guerras, entre os passageiros de um cruzeiro no Mediterrâneo, ou entre pessoas comuns que vão aparecendo como se já fizessem parte da história desde sempre.



Uma discussão permeada pelos ventos do Oriente Médio.

A velha discussão francesa sobre liberdade, igualdade e fraternidade. Uma discussão tão velha quanto hipócrita.

A Argélia sufocada pelo cruel colonialismo francês

Referências diretas ao Egito, Palestina, Odessa, Grécia, Nápoles e Barcelona, todos, com exceção de Odessa (na Ucrânia), países ou regiões banhados pelas águas do mar Mediterrâneo. Odessa, na história, é uma licença poética?  Em se tratando de Godard, esta é uma das possibilidades:  na escadaria Richelieu de Odessa é onde é filmada a antológica cena do massacre no filme O Encouraçado Potemkin, de Serguei Eisenstein (1925), uma das cenas-símbolo da história do cinema e que, em Film Socialism de Godard, como que amarra as referências fílmicas e históricas que dialeticamente se relacionam. A narrativa em torno do preço que tantos povos pagaram pela liberdade.

"A Liberdade custa caro, mas não se pode comprá-la com ouro nem com sangue, mas com covardia, prostituição e traição."

"Quando a lei não é justa, a justiça ultrapassa a lei"
As mazelas e os sofrimentos que viveram Egito, Palestina, Odessa, Hellas (Grécia), Nápoles e Barcelona é como o pano de fundo por trás das imagens que vão se sucedendo como livre-associações, como poemas e versos em forma de imagens.

As imagens falam: a futilidade dos valores ocidentais contemporâneos, por exemplo.

O dinheiro: “o dinheiro foi inventado para que os homens não se olhem nos olhos”.

Um símbolo da morte: tourada.

Um símbolo da majestade de tudo: o mar.

Um símbolo eterno do cinema: Godard.

Por isso faço minhas as palavras de Glauber: “Você gosta de Jean-Luc Godard? (Se não está por fora)”.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Artistas de rua em São Paulo – Les Chats-Potés



O casal estava fazendo um som na avenida Paulista esta semana, em frente à estação Brigadeiro do metrô. São André e Lia, que se intitulam Les Chats-Potés. A imagem não é lá essas coisas, é de celular.




quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Futebol brasileiro em 2013 só valeu pela foto



Luiza já veste a camisa

Fim de ano é época de balanços. Começo uma pequena série antes do fim dos 12 meses pelo assunto que nesse período do calendário quase abandonei aqui no blog: futebol. E, nesse tema, pouca coisa realmente valeu a pena em 2013. Uma delas foi a foto que (entre outras) fiz na festa de aniversário da Luiza, minha sobrinha, filha do Alexandre. Como se vê, ela foi definitivamente conquistada para as hostes palmeirenses pelo pai, pelo tio Paulo e pelo avô. O tio santista aqui, isolado, nada poderia ter feito. Claro que na festa, dia 16/11, ela usou outras roupas (era festa!), trocou algumas vezes de figurino, o do Palmeiras foi só no fim, já à noite. Mas consta também que, dias antes de ganhar a camisa do Palmeiras de aniversário do tio, ela reclamou: "pai, minha camisa do Palmeiras já tá pequena". 

Por falar em criança e alegria, e também em Palmeiras, nasceu dia 30/11 a formosa Alice, que o pai Anselmo (do Futepoca) tem esperança de que se torne outra adepta da tradição de Ademir da Guia. Mas aí já são outros quinhentos, muita água vai rolar debaixo da ponte e o pai terá de se empenhar um pouco. A pequena sagitariana tem apenas dez dias de vida! Luiza já tem 7, tudo indica que já é palmeirense.

O Brasileiro de 2013

Bem, mas tirando as crianças e essas associações afetivas, de resto, o futebol brasileiro em 2013 deu tédio. No último fim de semana acabou o campeonato (para mim) mais chato de que me lembro. Este ano, aliás, quase não perdi tempo com futebol, e não só pelo meu time, o Santos, ter passado um ano em branco (com o perdão do trocadilho). O campeonato Brasileiro acabou como começou: com uma emoção similar à provocada por um torneio de vôlei. Sem contar com espetáculos sórdidos como o da pancadaria brutal entre torcedores de Atlético-PR e Vasco, na última rodada.

Eu, que passei um ano muito ocupado e cheio de coisas a fazer, só fiquei sabendo que o Cruzeiro tinha sido campeão dois dias depois, vendo uma notícia na Web. Meu desinteresse deve-se em boa parte a essa fórmula insossa, importada e chata de pontos corridos. A cada ano o Brasileiro fica mais e mais desinteressante, quase tanto quanto uma novela da TV Globo, que aliás é quem manda no calendário. O título virou uma coisa secundária. O que importa mesmo é a Libertadores.

Tive o privilégio de ver in loco meu time ser campeão no último Nacional disputado na antiga fórmula de mata-mata, quando o Alvinegro da Vila derrotou o Corinthians em duas partidas (2 a 0 e 3 a 2) e sagrou-se campeão brasileiro de 2002 depois de 18 anos sem um título considerado importante, na época. “Pontos corridos é mais justo”, dizem os defensores do atual sistema.

Mas quem disse que futebol tem de ser justo? Futebol é esporte e jogo, e jogo sem sorte e sem duelo, politicamente correto, só justo (e viva a justiça!), não tem graça. Quem gosta de jogo sabe disso.
Voltando a 2013, o destaque é do futebol mineiro, campeão brasileiro (Cruzeiro) e da Libertadores (Atlético). 

Paulistas decepcionantes

O futebol paulista deu vexame e, incluindo todos os torneios, não emplacou nenhum clube na Libertadores de 2014. O melhor time do estado no Brasileiro foi o Santos, em 7° lugar (57 pontos), seguido pelos medíocres São Paulo e Corinthians (7° e 8°, ambos com 50) e Portuguesa (12ª, 48). 

Para os paulistas, além do fracasso generalizado, foi um ano de lambanças. O Santos, que muitos consideravam candidato ao rebaixamento, surpreendeu muito, positivamente: ficou sete pontos à frente dos rivais da capital e, mesmo tendo perdido Neymar e passado por crise política, conseguiu 4 pontos a mais do que no ano passado com o milionário Muricy Ramalho. Mas, mesmo assim, demitiu o jovem treinador Claudinei Oliveira, oriundo da base do clube, que fez um trabalho excelente ganhando menos do que 10% do que era pago ao tosco Muricy, que tinha Neymar. Se contratar Oswaldo de Oliveira, me parecerá uma boa escolha, que eu achava (mesa de bar) que deveria vir para o Santos quando foi para o Botafogo em 2011. Mas a escolha certa por Oswaldo não apagará a injustiça (ah, a justiça) com Claudinei.

O Corinthians foi a maior surpresa negativa. Ninguém podia imaginar que o campeão mundial obteria míseros 50 pontos, cairia sem dar trabalho na Libertadores, não ganharia nada (a não ser o Paulistinha –dou a mão à palmatória– e ainda demitiria Tite. Vai entender.

O São Paulo passou o ano no limbo e não ganhou nem jogo de par-ou-ímpar. Foi salvo do rebaixamento por Muricy, que nunca deveria ter saído do São Paulo e poderia ficar lá para sempre, que assim não prejudicaria tanto o futebol, e de quebra poderia ajudar seu amado São Paulo, onde dá certo.

Entre os paulistas, destaque mezzo a mezzo para a Ponte Preta, rebaixada para a Segundona no Brasileiro mas que pode se sagrar campeã da Sul-Americana na quarta-feira e conquistar seu primeiro título em 113 anos, se superar o argentino Lanús no segundo jogo da final na periferia de Buenos Aires nesta quarta-feira (no jogo de ida, 1 a 1 no Pacaembu). E, se conseguir o título, rouba a vaga do Botafogo, 4° no Brasileiro, na Libertadores. E assim se completaria a urucubaca (que só o STJD, sempre essa entidade nefasta, pode amenizar, palmas à Justiça) do futebol carioca em 2013. 

E o Palmeiras... Bem, o Palmeiras já foi devidamente homenageado com a foto que ilustra este post e conseguiu seu segundo título brasileiro da segunda divisão em 2013, feito inédito entre os grandes de São Paulo. Mas os palmeirenses pelo menos tiveram o que comemorar em 2013.

Sendo assim, vai uma segunda foto, do tio Paulo-coruja, que deu a camisa para a sobrinha Luiza, com a própria.



E a Lusa...

A Portuguesa, time para o qual sempre torço para se dar bem, ou pelo menos não se dar mal, seria um destaque positivo, pois era tida e havida como certa ao rebaixamento e heroicamente se safou. Mas eis que acabo de saber que, por ter escalado um jogador suspenso, a Lusa pode ser punida com a perda de 4 pontos e aí seria rebaixada. E quem seria o beneficiado? Adivinhem? Fluminense!, que subiu em 2000 beneficiado pelo tapetão. O mesmíssimo Fluminense…

Mas, se o caso for juridicamente líquido e certo e a Lusa for punida, fica a pergunta: como um time profissional, que joga a série A do Brasileiro, poderia cometer um erro desse, digno de futebol de várzea? Francamente. Se o jogador estava mesmo irregular, onde estavam os departamentos de futebol, jurídico e técnico do clube? E onde estava o próprio jogador, Heverton? Seu pai, sua mãe, seu empresário, sei lá, alguém? Ninguém sabia da suspensão? Chega a ser estranho. Torço para que haja algum engano.

Pobre futebol carioca

Os times do Rio, Vasco, e Fluminense, caíram no campo, e assim o futebol da “Cidade Maravilhosa” foi ainda pior, mas muito pior do que o paulista. Bateu um recorde, com dois de seus “grandes” sendo degolados. O Flu, aliás, me parece ser o primeiro campeão brasileiro num ano que vem a cair no seguinte. O Flamengo, como o São Paulo, ficou no limbo. Palmas ao futebol carioca!

Menção aos gaúchos: como sempre, o Inter promete, promete, e não chega a lugar nenhum. E o Grêmio honra a tradição de um time que está sempre na disputa.

No ano que vem tem Copa do Mundo. Em termos de futebol, vai ser bem menos chato do que em 2013.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Juan José Morosoli – a solidão, a pureza, a viagem


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Juan José Morosoli. Este é o nome de um escritor uruguaio que nasceu em 19 de janeiro de 1899, em Minas (capital do departamento de Lavalleja), e morreu em 29 de dezembro de 1957, na mesma cidade.

Acabo de ler A Longa Viagem de Prazer, infelizmente único título do autor publicado no Brasil. A pequena coletânea de contos da editora L&PM revela (e para mim foi mesmo uma revelação) uma literatura densa e impressionante. Os relatos tratam da vida simples de gente simples, num cenário regionalista do qual o autor dá testemunho.

Sob certos aspectos, é possível fazer um paralelo entre a literatura deste pequeno e precioso livro com a do nosso Guimarães Rosa. Ambos falam de um tipo de gente cuja simplicidade esconde vastidões da alma humana. Ambos falam de criaturas solitárias que parecem não ter mais lugar no mundo ocidentalizado no qual as modernidades, lenta e cruelmente, foram apagando a pureza, cultural e espiritual, mesmo que essa pureza seja bruta para os padrões da civilização que a extinguiu.

Os relatos de Morosoli não são descritivos. Neles, o autor não opina, não dirige e não afirma. Não descreve. Os que falam, e com extrema economia (um pouco como os nossos caipiras ou sertanejos, vá lá), são personagens que às vezes não têm como interlocutor senão um burro ou um cavalo, ou no máximo homens e mulheres que com eles dividem a solidão, e, no entanto, muito à vontade nesse seu pequeno e suficiente universo. Em Morosoli, a solidão fala.

Citei Rosa porque é uma analogia óbvia, mas é preciso dizer que, ao contrário da complexa narrativa do escritor das nossas Minas Gerais, a do uruguaio não se propõe a discutir a linguagem e nem com isso jamais se preocupou. A linguagem são pura e simplesmente os homens de sua terra.

É Morosoli quem define sua própria obra:

"(...) los gauchos no son clásico gauchos. Imagínese. No hay una sola doma de potro. No hay un solo baile. No hay una sola parada de rodeo. Guitarreros menos. En realidad no pasa nada. Son unos trabajadores que sufren el campo aquel. (...) El pueblo de mi libro es igual a muchos. (...) Yo sé que mucha gente cree que estas miserias las inventan los noveleros. Yo escribo lo que veo."

A doutora e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na pequena introdução à edição da L&PM (com tradução de Sérgio Faraco), diz que os contos do livro são “escritos com economia verbal invejável, fruto, com certeza, de muito trabalho e revisão”. “No entanto – continua ela –, o leitor não deve se deixar enganar pela aparente simplicidade da forma: o andamento narrativo é sempre surpreendente.”

A solidão dos personagens é onipresente e às vezes cruel. A singeleza perpassa as páginas. Como em uma passagem em que um personagem leva alguns gauchos para conhecer o mar que nunca viram. Para ele, o mar é sobrenatural em seu mistério e vastidão, e ele quer compartilhar com eles esse sentimento epifânico, inexplicável, único, de presenciar essa obra sem autor, que “é uma cosia soberba e bárbara... Pra mim, o mar não tem explicação”, diz esse personagem. No entanto, seus companheiros de viagem não conseguem compreender essa sensação do infinito. “Que tal?”, pergunta o extasiado Rodriguez, homem simples de alma poética, querendo saber do outro o que ele acha do mar que nunca vira. “Pois... é pura água, não? Mais ou menos como a terra, só que é água”. E assim, um por um, seus amigos vão definindo o mar segundo suas concepções simplórias, telúricas, toscas, incapazes de compreender, para espanto e sofrimento daquele que, por sua vez, não consegue entender a ignorância dos outros diante do infinito, embora Rodríguez também não consiga expressar por palavras a grandeza do que quer definir e não pode.

Não é por acaso que dois dos relatos da coletânea são intitulados “A longa viagem de prazer” (que dá título ao pequeno volume) e “A viagem até o mar”.

A viagem, em Morosoli, parece assumir uma dimensão metafórica, quase como um sonho, para criaturas, “viventes”, que não sabem senão as coisas cotidianas de seu rincão, onde a rotina se resume às coisas mais básicas: acordar, fazer o mate, cuidar do cavalo... “Umpiérrez despertava, começava o mate, acendia o fogo e preparava um churrasquinho nas brasas. Comia, ia para o forno de tijolos onde trabalhava. Ao meio-dia separava-se do grupo de cortadores que faziam o fogo em comum, acendia seu próprio fogo, tomava mate, encostava uma carne e almoçava.”

Em uma palavra, uma maravilha essa literatura que recém-conheço.

Pena que, exceto pela edição da L&PM, os editores brasileiros ainda não descobriram Juan José Morosoli. Eu vou tratar de comprar outros livros dele, em espanhol. 

domingo, 24 de novembro de 2013

Favoritos do cinema (8): Meu nome não é Johnny


Esta seção Favoritos do cinema está longe de pretender ser algo como uma lista de "melhores filmes" (listas de “melhores” que, aliás, nunca deixam de ser arbitrárias e subjetivas). Esta é só uma relação de filmes que, digamos, eu revejo ou tenho vontade de rever.


Reprodução
Selton Mello, na cena do tribunal

Entre os brasileiros, Meu nome não é Johnny, de 2008, dirigido por Mauro Lima, é um desses. Conta a história verídica de João Guilherme Estrella, um rapaz de classe média da zona Sul do Rio de Janeiro que de balada em balada acabou se tornando traficante de cocaína e personalidade da sociedade carioca. 

O ótimo resultado final do filme se deve já de início ao roteiro de Mauro Lima e Mariza Leão sobre livro homônimo de Guilherme Fiúza. E a direção do próprio Lima dá à película um caráter sensível que o distancia do lugar comum da maioria de filmes brasileiros sobre o tema, que descambam pela violência e apelações rasteiras fáceis. 

Para dar liga à trama e dar alma ao personagem central, a interpretação de Selton Mello é essencial. A cena no tribunal, por exemplo, quando Estrella/ Selton assume ser o dono da droga, em diálogo com a juíza responsável pelo caso, é um primor dramatúrgico. Não só pela atuação emocionante de Selton, mas também pela de sua interlocutora Cássia Kiss no papel da magistrada, que tem fama de ser "mão de ferro" na aplicação da lei, mas, no fundo, se impressiona com o drama e a sinceridade do rapaz, como revela a expressão da juíza/Cássia Kiss com seu olhar.
Reprodução
Cássia Kiss, como a juíza "mão de ferro"
Nem todo bom diretor é um bom diretor de atores, mas Meu nome não é Johnny não sofre desse mal. Mauro Lima teve a sorte, ou a oportunidade, de trabalhar com atores que realmente encarnaram seus personagens, casos de Selton Mello e Cássia Kiss. A bela Cléo Pires é apenas eficiente como Sofia, a namorada de João Guilherme Estrella/Selton Mello, e Júlia Lemmertz é convincente como a sofredora mãe de João. Mas as personagens da namorada e da mãe não ajudam muito, são naturalmente fracas no enredo, por isso as atrizes não podem fazer mais do que fazem.

E a trilha sonora também ajuda muito. Ela se encaixa na narrativa de tal maneira que acaba fazendo parte do filme. Nesse sentido, destaque para a canção "It's a long way" (Caetano Veloso), na interpretação de Olivia Broadfield.


Meu nome não é Johnny (2008)
Direção: Mauro Lima
Roteiro: Mauro Lima e Mariza Leão sobre livro homônimo de Guilherme Fiúza

Atores principais:
Selton Mello - João Guilherme Estrella
Cássia Kiss - juíza
Cléo Pires - Sofia
Júlia Lemmertz - Mãe de João
Giulio Lopes - Pai de João

***

Leia também, da série Favoritos do cinema:

Os outros, com Nicole Kidman

"Quando explode a vingança", de Sergio Leone

Fargo (irmãos Coen)

Era uma vez no Oeste - Sergio Leone e o faroeste de cinéfilo italiano

Os Incompreendidos, de François Truffaut

Pasolini

Acossado, de Godard

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Não é bem assim, Joaquim



Valter Campanato/ABr


De repente, algumas vozes de "formadores de opinião" vindas da chamada "grande mídia" lacerdista começam a se manifestar, mesmo que timidamente, em oposição ao caráter autocrático, antidemocrático e antirrepublicano do presidente do Supremo Tribunal Federal. Em uma palavra, fascista. Certamente, o fato de vozes da mídia fazerem uma "reflexão" não se dá por acaso. Mas também, minha gente, não precisa ficar de repente achando o máximo que Gilberto Dimenstein tenha resolvido questionar a conduta nefasta (como disse o deputado Ricardo Berzoini) do presidente da mais alta corte do país, Joaquim Barbosa, contra vários direitos violados nos episódios recentes envolvendo a prisão de José Genoino, José Dirceu e Delúbio Soares, sem falar na condução de todo o julgamento da Ação Penal 470, por demais conhecida.

Janio de Freitas, tudo bem. Tem sido voz resistente faz anos, muitos anos. Mas o texto de Dimenstein é ruim e medroso. Diz ele, por exemplo (os grifos em itálico são meus):

"Não tenho condições de dizer se o que estão fazendo com o José Genoino obedece ou não a lei. Talvez obedeça."

"Pegar um homem doente, que passou por uma operação gravíssima e jogá-lo numa cadeia. O ato pode ser legal. Mas é irresponsável."

É o que diz Dimenstein em seu texto publicado ontem, 20. Como se dissesse: "Genoino talvez seja  um criminoso. Mas, coitadinho, merece piedade".

Não é isso. Genoino nem é criminoso nem merece piedade. Nenhum combatente de valor, como Genoino e Dirceu, merece piedade. 

Mas é claro que o articulista tão bem informado entende alguma coisa de direitos individuais, e sabe também que o tal "domínio do fato" foi uma filigrana jurídica (para dizer o mínimo) utilizada para justificar condenações sem provas. No entanto, Dimenstein prefere ficar no "talvez" da primeira frase acima citada de seu artigo, e no verbo "pode", na segunda.

A verdade é que se fazem cada vez mais presentes as vozes a questionar esse estado de coisas que violenta direitos individuais e atropela mandamentos jurídicos, a Justiça de um homem só que coloca em xeque a própria credibilidade da "mais alta corte do país".

Como diz Helena Sthephanowitz em seu blog da Rede Brasil Atual, "não parece ser por virtude, mas por esperteza, que William Bonner passou um minuto no Jornal Nacional de quarta-feira (20) lendo a notícia: Divulgada nota de repúdio contra decisão de Joaquim Barbosa".

A impressão é de que Joaquim Barbosa se empolgou demais, e foi mais longe do que deveria ou poderia ter ido. Como se lentamente, dos intestinos da República, uma voz começasse a dizer: "Não é bem assim, Joaquim".

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Ghiggia e o Maracanã – 1950


Este lindo vídeo sobre e com Ghiggia, que relembra a final da Copa do Mundo de 1950 no Maracanã, foi enviado por Alexandre em comentário ao post anterior, sobre as classificações de Portugal e Uruguai ao Mundial de 2014. Fica como homenagem à classificação dos uruguaios à Copa do Mundo no Brasil, sacramentada nesta quarta-feira 20, com um 0 a 0 sonolento frente à Jordânia em Montevidéu, após a vitória dos platenses em Amã, na semana passada, por 5 a 0.

Vale a pena ver.



quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Uruguai e Portugal, bem vindos à Copa do Mundo no Brasil


Torci pros patrícios estarem no Copa do Mundo no Brasil. Nada contra a Suécia, mas a vitória da seleção de Cristiano Ronaldo por 3 a 2 em Estocolmo (após vencer em Lisboa por 1 a 0) que a colocou no Mundial foi incontestável, e com a marca do craque. Cristiano Ronaldo, pode-se dizer, é um entojo. Arrogante e egocêntrico. Mas o que esse cara joga de futebol é brincadeira. Está no auge da forma. Foi autor dos três golaços de hoje e ainda o de cabeça no jogo em casa. Quatro gols em dois jogos numa decisão de vaga de Copa do Mundo, só isso. Vai ser ótimo vê-lo atuar na nossa Copa. Copa do Mundo precisa de craques. Ibrahimovic que me desculpe, mas não deu pra ele. Além disso, a colônia portuguesa no Brasil é grande.


Vale a pena ver os três gols de Ronaldo:



Outra classificada para mim bem-vinda à Copa do Mundo é a Celeste Olímpica, bicampeã mundial (1930 e 1950). Definitivamente, boa parte do charme do Mundial de 2014 se perderia sem a seleção do Uruguai, que, por ter ficado em 5° lugar na zona sul-americana, foi para a repescagem (um mata-mata), eliminando a inexpressiva Jordânia (5 a 0 pro Uruguai em Amã, capital jordaniana, na semana passada, e escrevo estas linhas antes do desnecessário jogo em Montevidéu, nesta quarta-feira 20). A seleção que protagonizou um dos mais impressionantes episódios da história do futebol (ganhar a final da Copa de 1950 justamente no Maracanã contra o Brasil por 2 a 1) tinha que estar aqui novamente, nem que para representar a tradição de Obdúlio Varela e Ghiggia, autor do segundo gol contra o Brasil naquele 16 de julho de 1950, Ghiggia que ainda vive. E saludos ao maestro Oscar Tabárez, que merece o triunfo mais do que todos.

Entre os outros classificados na repescagem da Europa, estão a Croácia, que eliminou a Islandia; a Grécia, que despachou a Romênia; e a França, que bateu a Ucrânia. Os dois primeiros, normal e irrelevante. No caso da França, torci muito contra o time do país de Robespierre, Danton e Marat. Conseguiram se classificar na Copa passada com a ajuda da FIFA, naquele célebre gol ilegal em que Thierry Henry fez uma jogada de basquete com a mão esquerda, eliminando a Irlanda em 2009. Depois, os campeões de 1998 deram um vexame e não passaram da primeira fase na Copa de 2010 na África do Sul. O segundo gol dos bleus hoje, mais uma vez, foi ilegal. Benzema estava completamente impedido ao fazer o 2 a 0. Desta vez, os franceses pelo menos têm a desculpa de que tiveram um gol legal anulado antes. No final, 3 a 0.

sábado, 16 de novembro de 2013

Presos políticos





Registrem-se, na íntegra, as notas divulgadas pelo ex-ministro José Dirceu e pelo deputado federal José Genoino sobre a prisão de ambos, decretada pela "mais alta corte do país", no dia 15 de novembro do ano da graça de 2013, 124° da República.


A nota de Genoino: "considero-me preso político"

"Com indignação, cumpro as decisões do STF e reitero que sou inocente, não tendo praticado nenhum crime. Fui condenado por que estava exercendo a Presidência do PT. Do que me acusam? Não existem provas. O empréstimo que avalizei foi registrado e quitado.

Fui condenado previamente em uma operação midiática inédita na história do Brasil. E me julgaram em um processo marcado por injustiças e desrespeito às regras do Estado Democrático de Direito.

Por tudo isso, considero-me preso político.

Aonde for e quando for, defenderei minha trajetória de luta permanente por um Brasil mais justo, democrático e soberano."


A nota de José Dirceu: "É público e consta dos autos que fui condenado sem provas".


O julgamento da AP 470 caminha para o fim como começou: inovando – e violando – garantias individuais asseguradas pela Constituição e pela Convenção Americana dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

A Suprema Corte do meu país mandou fatiar o cumprimento das penas. O julgamento começou sob o signo da exceção e assim permanece. No início, não desmembraram o processo para a primeira instância, violando o direito ao duplo grau de jurisdição, garantia expressa no artigo 8 do Pacto de San Jose. Ficamos nós, os réus, com um suposto foro privilegiado, direito que eu não tinha, o que fez do caso um julgamento de exceção e político.

Como sempre, vou cumprir o que manda a Constituição e a lei, mas não sem protestar e denunciar o caráter injusto da condenação que recebi. A pior das injustiças é aquela cometida pela própria Justiça.

É público e consta dos autos que fui condenado sem provas. Sou inocente e fui apenado a 10 anos e 10 meses por corrupção ativa e formação de quadrilha – contra a qual ainda cabe recurso – com base na teoria do domínio do fato, aplicada erroneamente pelo STF.

Fui condenado sem ato de oficio ou provas, num julgamento transmitido dia e noite pela TV, sob pressão da grande imprensa, que durante esses oito anos me submeteu a um pré-julgamento e linchamento.

Ignoraram-se provas categóricas de que não houve qualquer desvio de dinheiro público. Provas que ratificavam que os pagamentos realizados pela Visanet, via Banco do Brasil, tiveram a devida contrapartida em serviços prestados por agência de publicidade contratada.

Chancelou-se a acusação de que votos foram comprados em votações parlamentares sem quaisquer evidências concretas, estabelecendo essa interpretação para atos que guardam relação apenas com o pagamento de despesas ou acordos eleitorais.

Durante o julgamento inédito que paralisou a Suprema Corte por mais de um ano, a cobertura da imprensa foi estimulada e estimulou votos e condenações, acobertou violações dos direitos e garantais individuais, do direito de defesa e das prerrogativas dos advogados – violadas mais uma vez na sessão de quarta-feira, quando lhes foi negado o contraditório ao pedido da Procuradoria-Geral da República.

Não me condenaram pelos meus atos nos quase 50 anos de vida política dedicada integralmente ao Brasil, à democracia e ao povo brasileiro. Nunca fui sequer investigado em minha vida pública, como deputado, como militante social e dirigente político, como profissional e cidadão, como ministro de Estado do governo Lula. Minha condenação foi e é uma tentativa de julgar nossa luta e nossa história, da esquerda e do PT, nossos governos e nosso projeto político.

Esta é a segunda vez em minha vida que pagarei com a prisão por cumprir meu papel no combate por uma sociedade mais justa e fraterna. Fui preso político durante a ditadura militar. Serei preso político de uma democracia sob pressão das elites.

Mesmo nas piores circunstâncias, minha geração sempre demonstrou que não se verga e não se quebra. Peço aos amigos e companheiros que mantenham a serenidade e a firmeza. O povo brasileiro segue apoiando as mudanças iniciadas pelo presidente Lula e incrementadas pela presidente Dilma.

Ainda que preso, permanecerei lutando para provar minha inocência e anular esta sentença espúria, através da revisão criminal e do apelo às cortes internacionais. Não importa que me tenham roubado a liberdade: continuarei a defender por todos os meios ao meu alcance as grandes causas da nossa gente, ao lado do povo brasileiro, combatendo por sua emancipação e soberania.”


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O Brasil de Jango e de Zé Dirceu


A história e seus simbolismos.

No dia 14 de novembro de 2013, véspera do 124° aniversário da República, os restos mortais do ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe de 1964, foram recebidos com honras militares pela presidente Dilma Rousseff, e um dia antes o Supremo Tribunal Federal decretou a prisão do ex-ministro José Dirceu, um dos construtores do Partido dos Trabalhadores, assim como de José Genoino, que mora numa casa comum de classe média no Butantã, em São Paulo.

Os fatos e o simbolismo histórico falam por si.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
A presidente Dilma e a viúva de Jango, Maria Thereza Goulart

Hoje é um dia de encontro do Brasil com a sua história. Como chefe de Estado da República Federativa do Brasil participo da recepção aos restos mortais de João Goulart, único presidente a morrer no exílio, em circunstâncias ainda a serem esclarecidas por exames periciais." (Dilma Rousseff)


Alexandre Maretti
Como advogado, respeito a decisão do Supremo, mas respeitar não quer dizer que concorde. O STF fechou os olhos para centenas de depoimentos, para a inexistência de provas e depoimentos que incriminassem o ex-ministro José Dirceu (...) Tanto da parte da defesa quanto de José Dirceu e da família, há uma indignação em relação ao que foi decidido ontem. Mas ele está sereno e vai cumprir mais uma situação de sua intensa vida.” (José Luís Oliveira Lima, advogado de José Dirceu)

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

100 anos de Albert Camus – um gênio que morreu cedo demais


Para Gabriel


Reprodução


Hoje, 7 de novembro de 2013, faz 100 anos que nasceu o grande Albert Camus. Argelino de Mondovi (interior da Argélia), ele morreu precocemente, aos 46, num acidente de carro em Villeblevin (França).

Camus foi um gênio inquieto. É autor de inúmeros livros fundamentais, como O Estrangeiro (1942) – romance que nunca deixa de ser atual e inquietante como seu autor; O mito de Sísifo (1942 - ensaio); A Peste (1951 - romance); O Homem Revoltado (1951 – ensaio filosófico); A Queda (romance – 1956); O Primeiro Homem (romance – 1994), entre muitos outros.

Ao contrário de Jean-Paul-Sartre, pensador de classe média com quem teve uma longa e tempestuosa relação, Camus foi muito pobre. Perdeu o pai com um ano de idade, vítima da Primeira Guerra Mundial, e sua mãe passou por enormes dificuldades, tendo de lavar roupas de terceiros para sobreviver.

Os manuscritos da obra-prima O Primeiro homem foram encontrados junto ao corpo de Camus no acidente de carro que o matou em 1960, e que, conta a história, não era para ele ter feito, pois já teria a passagem de trem para ir a Paris. Porém, acabou indo junto com membros da família Gallimard, dona da editora de mesmo nome, no automóvel que se espatifou numa árvore do caminho. Michel Gallimard acabou convencendo-o, conta-se, a desistir da viagem de trem e a literatura perdeu um de seus monstros sagrados por causa dessa infeliz fatalidade. Michel morreu 5 dias depois.

O Primeiro homem

O romance autobiográfico O Primeiro homem é inacabado, o que não o diminui, sendo para mim uma obra-prima. Fiel a esta origem, a Editions Gallimard manteve inclusive as lacunas em que o texto é incompreensível, com os devidos esclarecimentos em notas de rodapé, o que foi seguido pela bela edição brasileira da Nova Fronteira.

O livro tem o status de “testamento” literário. Conta a história de imigrantes franceses, pobres, que se mudam para a Argélia, como colonos, onde tentam uma nova vida. Numa casa velha de aldeia, uma mulher dá à luz o “primeiro homem”, protagonista da história. O pai desse menino é convocado pelo exército francês e vai à guerra da França contra a Argélia. O menino (franco-argelino) é criado nesse ambiente.

No romance, Camus relata a busca das origens (psicológicas, culturais e existenciais) por parte de um estrangeiro que, nessa busca, vai-se conhecendo, e conhecendo a memória, transformando-a, porque conhecimento é transformação. É belíssima e antológica a passagem em que o personagem Jacques Cormery (seu alter-ego) visita o túmulo do pai e se dá conta de que o morto ali enterrado é mais jovem do que ele próprio, o filho. O livro trata, também, da discussão da condição de estrangeiro, real ou psicológica, tema que o autor jamais abandonou.

O Estrangeiro

Outro livro definitivo de Camus (entre outros) é O Estrangeiro, que tem como temas o absurdo da existência e a impossibilidade de o homem ser compreendido pela ética da civilização ocidental. É o primeiro livro de ficção de Albert Camus.

Homem de vida banal e, no entanto, incapaz de responder às mais comuns expectativas do mundo, despojado das ambições mundanas de sucesso profissional e sem desejos de estabelecer vínculos afetivos ou matrimoniais, Mersault, o protagonista do curto mas monumental romance existencialista O Estrangeiro, é uma pessoa espiritualmente indolente, mas na aparência, pois na realidade é consciente até o insuportável para se sentir em paz “neste mundo explicado”, como escreve Rilke (1875-1926) em suas Elegias de Duíno, na tradução de Paulo Quintela, obra que trata, aliás, dos anjos de morte precoce (me perdoem a licença poética).

A leitura de O Estrangeiro é obrigatória, até mesmo como contraponto a O Processo de Kafka. Em ambos, o absurdo determina o destino do homem, embora em Camus seja conseqüência mais da atitude, ou antes, da recusa do indivíduo em aceitar a ética de um mundo que massacra as liberdades, enquanto no escritor judeu-tcheco, a meu ver, o ser esteja submetido sem possibilidade de reação às engrenagens incompreensíveis desse mundo kafkiano.

Mersault, o personagem de Camus, questionado em âmbito judicial sobre seu comportamento aparentemente frio quando do enterro de sua mãe, reflete consigo mesmo: “É claro que amava mamãe. Mas isso não queria dizer nada. Todos os seres normais tinham, em certas ocasiões, desejado, mais ou menos, a morte das pessoas que amavam”.

Mersault não compreende que o mundo (a sociedade) não quer a verdade. Em narrativa fluente, por meio da qual os fatos, um pouco à maneira telegráfica de Hemingway, se sucedem sem muitas interferências de reflexões filosóficas (esta, uma característica de Sartre), O Estrangeiro, em uma palavra, trata da hipocrisia como prerrogativa moral da nossa civilização.



São Paulo em imagens – Viaduto do Chá



Edu Maretti (clique nas fotos para ampliar)


Recentemente, este ano, voltou à baila na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei absurdo, do vereador Wadih Mutran (PP), proposto 12 anos atrás, de mudar o nome do Viaduto do Chá, ícone da cidade de São Paulo, para Viaduto Governador Mário Covas.

O despropósito e o desrespeito à história da cidade é tão flagrante que até mesmo o filho do homenageado, o vereador Mario Covas Neto (PSDB), disse no fim de março que não apoiava a estúpida proposta.

O viaduto está localizado no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. É o primeiro viaduto de São Paulo e foi inaugurado em 6 de novembro de 1892. Ou seja, ontem ele fez 121 anos. Aqui vai minha homenagem.

O nome do logradouro é decorrente do Morro do Chá, na encosta onde hoje é a rua Xavier de Toledo e o Teatro Municipal, segundo nos ensina a professora Wikipédia. No local ficava uma chácara em que o Barão de Tatuí cultivava chá.



Edu Maretti 
Acima, ao fundo, a Praça do Patriarca



Reprodução
Cartão postal de 1923


Veja outros posts da série São Paulo em Imagens a partir deste link



Laurie Anderson: Lou Reed morreu fazendo posição de tai chi


Há uma semana, a artista, música e compositora Laurie Anderson divulgou uma carta no jornal East Hampton Star, sobre a morte de Lou Reed, no dia 27 de outubro, na casa deles em East Hampton, no estado de Nova York.

A carta de Laurie Anderson:

"Aos nossos vizinhos: que outono lindo! Tudo brilhando e dourado e toda aquela incrível luz suave. Água ao nosso redor. Lou e eu passamos muito tempo aqui nos últimos anos e, embora sejamos pessoas da cidade grande, esse é nosso lar espiritual. Na última semana, eu prometi a Lou que o tiraria do hospital e voltaria com ele para casa, em Springs. E conseguimos! Lou era um mestre do tai chi e passou seus últimos dias aqui sendo feliz e atordoado pela beleza e pelo poder e pela suavidade da natureza. Ele morreu no domingo, observando as árvores e fazendo a famosa posição 21 do tai chi, com apenas suas mãos de músico se mexendo no ar. Lou era um príncipe e um lutador, e eu sei que suas canções de dor e beleza no mundo vão encher muitas pessoas com a incrível alegria que ele tinha pela vida. Vida longa à beleza que descende e atravessa e sobrevoa todos nós."

Veja interpretação da dupla de "I'll be your mirror", em Paris, em 2009

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O Estádio Centenário


No post sobre a viagem a Montevidéu, disse que fiquei emocionado ao visitar o Centenário, pela carga histórica da qual um ambiente como esse está impregnado.




O Centenário foi o primeiro estádio a ser construído para uma Copa do Mundo. Lá, o Uruguai se sagrou campeão do primeiro Mundial, em 1930.

Na época atual de arenas moderníssimas e padronizadas, nas quais a história se dilui, como aconteceu com o Maracanã e o Palestra Itália, fica aqui o registro de um estádio (palavra bonita que hoje ninguém mais usa) que, como dizem os uruguaios, é um "Monumento del Futbol Mundial".

Os pequenos vídeos abaixo (o primeiro com qualidade melhor) mostram um pouco do estádio por dentro, num momento em que estavam sendo feitos testes de som para a partida que seria jogada dali a dois dias, com a Argentina, pelas Eliminatórias da Copa no Brasil. A Celeste venceu por 3 a 2, mas não conquistou a vaga direta e fará a repescagem contra a Jordânia.








Vista externa do estádio construído em 1930

Torço para a Celeste. Penso que a Copa no Brasil perderia muito da graça sem os uruguaios, por questão futebolística e histórica, já que eles venceram o primeiro Mundial jogado no Brasil em 1950, batendo na final a seleção canarinho por 2 a 1 no Maracanã, numa das partidas mais impressionantes da história do futebol.


Leia também: Impressões de Montevidéu



segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Algumas fotos do lançamento d' O filho da promessa



No último sábado, como muitos sabem, lancei meu livro na loja da Paulinas Editora da Vila Mariana. Segue abaixo uma seleção de fotos do lançamento.

Recebi vários e-mails de amigos perguntando como faz para comprar o livro. Pode ser pela internet, neste link, ou nas lojas físicas da Paulinas: aqui tem uma lista dos endereços em todo o Brasil.

Às fotos!




José Arrabal e minha sobrinha Luiza, estrelas do evento





Gisely, Gabriel (filho do blogueiro), Arrabal e Carla Massabki




O mano Paulo




Com Arrabal e a editora da Paulinas Andréia Schweitzer




O amigo e editor Xico Santos




Esse simpático senhor é seu Oswaldo, meu pai



Na companhia de Arrabal, Luiza e a mãe dela, Clara Bastos



Com o jornalista Paulo Santos Lima (ex-Revista Submarino)




Os primos Adilson, Cida e Silvia




Com Roberto (torcedor da Lusa roxo) e Eliana




Carmem, mulher do autor




Com Rafael, da editora Paulinas




Erika Mazon, minha editora nos anos 1990





Ao lado do brother Alexandre (pai da Luiza) e da cunhada Rose, mulher do Paulo





Gabriel Maretti, Arrabal e irmã Terezinha Dambros, da Paulinas




Alexandre Terra e Cristina




Assinando o livro para a amiga Denise




O jornalista Fernando Augusto





Ao lado de Mathilde Massad




À mesa com a prima Angélica



Com Tadeu Breda (esq.) e João Peres da RBA





quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Impressões de Montevidéu



Edu Maretti
Do avião, vista do sul do Uruguai
Montevidéu é uma belíssima cidade, mas isso não faz com que seus habitantes sejam muy alegres. Os montevideanos são circunspectos, um pouco mal humorados, “pra dentro”, o que pode fazer você concluir precipitadamente que há alguma prevenção deles contra nós brasileiros, alguma hostilidade tácita mal disfarçada. Depois você vê que não é nada disso. Eles são assim mesmo. Em relação aos argentinos, sim, há uma rivalidade natural, regional. Os uruguaios comparam a oposição entre eles e argentinos com o que eles supõem ser a nossa com os cariocas. Fazem essa comparação comumente. É engraçado.

Num fim de tarde em que havia um pôr de sol magnífico e estávamos à beira do Rio da Prata, conversamos por acaso com o jornalista chamado coincidentemente Marcelo Tarde, que ali estava, como nós, para contemplar aquela cena que dispensa adjetivações. Tarde deu sua versão sobre por que, na sua opinião, o uruguaio de modo geral é uma pessoa circunspecta e “cinzenta”. Segundo ele, as coisas são bastante difíceis para o povo, que vive num país de economia difícil para eles, onde tudo é caro e as pessoas ganham mal. Esse aspecto econômico não é conjuntural, mas histórico, visto que a economia uruguaia passou nos últimos anos por uma fase de crescimento e baixo desemprego.

Mas nada disso significa (é bom deixar claro) que os uruguaios sejam desagradáveis ou não sejam gentis. Têm apenas um caráter meio introspectivo.


Edu Maretti
Pôr do sol no Rio da Prata

Passamos dias ensolarados em Montevidéu (e um dia em Colônia de Sacramento), mas todos frios. O amigo Marcelo Tarde, naquela tarde, comentou que o clima normalmente cinza colabora para que o uruguaio seja aburrido, meio depressivo, mal humorado e com tendências suicidas. Uma cidade cinza, que tem um inverno longo, acaba deixando as pessoas deprimidas, conjectura Tarde. Segundo pesquisa divulgada pela BBC no ano passado, o Uruguai está em primeiro lugar na taxa de suicídios, ao lado de Cuba, entre os países latino-americanos. Seriam 16,6 suicídios por 100 mil habitantes.


Montevidéu tem 1,9 milhão de habitantes, cerca de 500 mil a mais do que Porto Alegre. O Uruguai inteiro tem 3,5 milhões. Quer dizer, a capital do Uruguai não é tão grande e uns cinco dias são suficientes para conhecê-la mais ou menos bem e usar eventualmente outros dias para conhecer outras cidades, como a cidade histórica de Colônia de Sacramento, a duas horas e meia por rodovia.

Carmem Machado
O jornalista Marcelo Tarde (esq.) e este blogueiro

“Montevidéu é ótima para os turistas, para vocês, pero para nosotros és muy difícil”, diz Tarde. O jornalista faz uma associação entre futebol e sociologia. Afirma que o futebol do Uruguai, duro, raçudo, para o qual tudo é difícil e sofrido, um futebol não agradável, reflete esse estado de espírito de Montevidéu e do Uruguai de modo geral, de sua história, de sua economia, de seu povo. "Não somos alegres como vocês brasileiros com seu futebol alegre, com suas mulheres que se vestem coloridas. Para nosostros és así, como nuestro futbol."

Tarde diz que virá ao Brasil se La Celeste bater a Jordânia na repescagem e garantir o passaporte para a Copa do Mundo de 2014. 

Língua

Como escrevi em post post anterior, diferentemente dos portenhos de Buenos Aires, os uruguaios de Montevidéu, os montevideanos, conversam com você numa boa se você fala portunhol. Nem todos, é claro, mas alguns falam muito bem o português e o vocabulário deles incorporou muitas palavras do português, que eles falam e entendem naturalmente. Claro, isso não se dá por acaso. Todos nos lembramos das aulas de História em que aprendemos sobre a Colônia Cisplatina, lembram-se? O Uruguai foi incorporado ao Brasil em 1821 e se tornou independente em 1828.

Pegamos um táxi e o taxista falou um português correto. Surpreso, perguntei de onde ele é, do Brasil? “Não, sou daqui. Aprendi a falar português trabalhando, e também porque na história tivemos os portugueses aqui, nossa história é próxima”, ele explicou. O Rio Grande do Sul está logo ali. Muito simpático aquele jovem taxista de Montevidéu. É virtualmente impossível acontecer um diálogo como esse em Buenos Aires.

Comida e bebida

O mate é mais do que um hábito. É um vício. Pessoas andando com a garrafa térmica com água quente embaixo do braço enquanto a mão segura a cuia é uma cena onipresente. O taxista que nos levou do hotel ao aeroporto para pegar o avião de volta dirigia com a cuia na mão.
 Carmem Machado
Onde quer se esteja, a cuia e o mate nunca faltam
Algum tipo de carne, batatas (fritas, simplesmente cozidas, na salada russa ou em forma de purê) e uma salada é a combinação básica da culinária do dia-a-dia.

O popular chivito (que reúne carne, queijo e presunto, ovo ou outras combinações), que pode ser um sanduíche ou al plato, é uma solução sempre disponível.

Come-se muito ovo no Uruguai. O ovo deles tem uma gema bem vermelha. Lembra o ovo da galinha caipira que temos aqui, que se vê raramente.

Para comer uma carne, não há nada melhor do que o mercado do Porto. Para quem gosta de carne (de boi, de frango ou linguiça) é o paraíso. Você já começa a salivar chegando ao local, antes de se sentar a um dos inúmeros boxes disponíveis.


Pollo a la vasca
Andando pela calle San José, no número 1168, você encontra um restaurante basco, ali plantado, e se você não presta atenção quase não vê. Pacharan é o nome da taberna. Comemos um pollo a la vasca (frango à basca), sinceramente, inesquecível.

É caro comer em Montevidéu. Um real equivale a 9 pesos uruguaios. Em duas pessoas, você gasta em média para jantar ou almoçar, normalmente, entre 400 e 700 pesos uruguaios, equivalente a 45 e 80 reais, aproximadamente.

Uma coisa interessante é que eles põem pouco sal na comida. Não comi nenhuma vez em que não tivesse, para o meu gosto, ligeiramente sem sal. O que é bom, porque sal faz mal e engorda. E, caso se queira, acrescenta-se. Aqui no Brasil, quase sempre se coloca mais sal do que se deve. Açúcar então, é uma doença.

A cerveja é boa. A Patrícia e a Pilsen, de lá, são de ótima qualidade. É comum a garrafa de um litro. Custa cerca de 130 pesos (14 reais).

É muito comum as pessoas pedirem cigarros nas ruas de Montevidéu. Isso porque, para os pobres de lá, fumar é um luxo. Um maço de Marlboro, que no Brasil custa R$ 5,75, na capital uruguaia é 85 pesos, o que equivale a R$ 9,50.

Também diferentemente dos argentinos, que tomam muito vinho, os uruguaios bebem mais cerveja. E coca-cola. Como gostam de coca-cola! Um casal tomar 1 litro numa refeição é normal.  Na Ciudad Vieja, há muitos estabelecimentos com propagandas antigas da Coca-Cola.



É charmoso, porque remete ao passado, mas um passado invadido pelo kitsch moderno, o que provoca um sentimento de nostalgia inevitável.

Mujica

Cerca da metade das pessoas com quem conversamos em Montevidéu sobre o presidente José Mujica consideram-no pífio, garantem que no ano que vem ele e seu grupo saem do poder e dizem, contra seus programas sociais, que o governo dá plata a quem não trabalha, "pero nosotros que trabajamos pagamos esto". O mesmo argumento dos que vociferam contra o Bolsa-Família no Brasil, porém com uma diferença importante: uma parcela dos que são contra Mujica com esse argumento de que o governo sustenta vagabundos com o dinheiro dos que trabalham são pessoas com problemas. Passam dificuldades. Trabalham muito e não têm nada (no Brasil, o ódio contra o Bolsa Família parece mais ideológico).

A outra metade se divide em duas:

Um quarto, 25%, é expressa pelo taxista jovem citado acima:

     – Te gusta Mujica? – perguntamos.

     – Gosto. Não faz nada, mas pelo menos não rouba – respondeu, nessas mesmas palavras, em português.

Os outros 25% da segunda metade das pessoas com as quais conversamos sobre política e Mujica são mais reflexivos. Dizem que o governo "está bien", que é certa sua política social. Mas há algo que as inquieta. É que essas pessoas parecem ter uma certeza amarga de que não podem ir más allá, e que Mujica não fará nada por elas. É uma parte significativa da população do Uruguai, que oscila entre a compreensão e a indiferença.

 Estádio Centenário e praças

  Carmem Machado

Fiquei emocionado ao visitar o Centenário. O estádio de futebol tal como conhecemos hoje descende das arenas gregas que sediaram a Olimpíada a partir do século VIII a.C., concepção que posteriormente deu origem ao Coliseu de Roma, construído entre 70 e 90 d.C.

Na história do futebol do século XX, o estádio de futebol é filho popular das arenas greco-romanas. E o Centenário é um “monumento del futbol mundial”, como diz uma inscrição no estádio, o primeiro construído para uma Copa do Mundo, onde a Celeste Olímpica se sagrou o primeiro time campeão mundial em 1930.

O estádio Centenário está situado dentro do parque Battle, uma linda área de nada menos do que 60 hectares localizada na região centro-leste da cidade. É um típico exemplo de como as capitais dos países sul-americanos consideram importantes as praças e os parques. Em Montevidéu, como em Buenos Aires ou Santiago de Chile, las plazas estão em toda parte. Nossa Porto Alegre (RS) tem um pouco essa cultura.

 Carmem Machado
As crianças brincam de "pique" (pega-pega) no enorme parque Battle

As praças nas cidades importantes da América do Sul ocupam o espaço que nas cidades históricas brasileiras é ocupado por igrejas católicas. Numa cidade importante de Minas Gerais, você não anda 500 metros, ou menos, sem encontrar uma igreja. Nas cidades sul-americanas, melhor, você encontra praças. Vi poucas igrejas em Montevidéu. Falo das católicas. Infelizmente, há uma (felizmente, uma) “loja” da Universal do Reino de Deus, na avenida 18 de Julio. Seja como for, os montevideanos são mais laicos do que os brasileiros.

Edu Maretti
La Plaza Independencia

Las calles

Jorge Luis Borges define com nuance poética as ruas de Montevidéu como "calles con luz de patio". Lindas calles, muitas das quais, transversais à avenida 18 de Julio, uma veia que atravessa a cidade, são ornamentadas pelos plátanos.


Menino joga bola em rua da Cidade Velha

A avenida 18 de julho (data da primeira Constituição do país, em 1830) leva à Ciudad Vieja, e entre elas la Plaza Independência, uma ampla e agradável praça que é ao mesmo tempo um monumento urbano e ufanista, dedicado a José Artigas. Esse caráter ufano e militarista dessa praça, porém, é um pouco opressivo.

A partir dali, da Plaza Independencia, não existem plátanos, pero "calles con luz de patio" que acabam desembocando no monumental Rio da Prata de cujas ramblas o povo uruguaio mira o horizonte depois das águas.

Carmem Machado
Ao fundo, o Rio da Prata


Abaixo, mais algumas imagens (clique nelas para ampliar)
[
Fotos: Edu Maretti/Carmem Machado]



Fim de tarde: as pessoas namoram, proseiam,
tomam mate à beira do Rio da Prata




Uma carniceria, ou seja, um açougue




Plaza De Cagancha - dia




Plaza De Cagancha - noite