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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Quando a ciência se aproxima do espiritual



Reprodução
Imagem de 2001 - uma Odisséia no espaço, de Stanley Kubrick


Estava lendo um artigo interessante sobre o cientista Robert Lanza. Ele tem uma teoria, obviamente ainda não demonstrada, segundo a qual a vida não termina com a morte do corpo. O cientista trabalha com conceitos de física, mecânica quântica e astrofísica. Norte-americano de Boston (Massachusetts), ele fez parte da equipe que clonou os primeiros embriões humanos em estágio precoce, com o objetivo de gerar células-tronco embrionárias, e seus estudos chegaram à Harvard Medical School.

Longe de mim querer entrar em discussões tão complexas, minha ignorância me impede.

Mas, segundo o cientista tenta demonstrar, a consciência precede a matéria. Nós carregaríamos o espaço/tempo em torno de nós, como (numa analogia possível e simples) a tartaruga carrega seu casco.

(Particularmente, penso numa metáfora mais impressionante, que é a da borboleta. A lagarta virar borboleta é uma metáfora muito significativa para simbolizar a transformação, as dimensões da vida e o que a anima, o que é conhecido como alma, anima em latim. Edgar Allan Poe tinha certas teorias a respeito de a borboleta significar o espírito em relação à matéria – a lagarta.)

Bem, mas divagações à parte, a teoria de Robert Lanza, de que a morte da consciência não existe, já que ela precede o corpo, remete claramente à teoria das ideias, de Platão. Com instrumentos científicos do século XXI que Platão não teve à sua disposição (pelo menos não conscientemente), Lanza postula, segundo o artigo que li, que a consciência existe fora das restrições de tempo e espaço e pode estar em qualquer lugar: no corpo humano e no exterior do corpo. “Em outras palavras, a consciência é ou está num não-lugar, no mesmo sentido que os objetos quânticos são ou estão num não-lugar.”

A teoria de Lanza, científica e filosoficamente, se opõe (ou vai além) da concepção mais ortodoxa que é expressa pelo cientista brasileiro Marcelo Gleiser, por exemplo, mais fiel aos cânones das teorias e princípios comprovados, uma ciência que, até prova em contrário, rejeita a tese de que há vida fora da Terra.

Seja como for, para os curiosos e perseverantes, deixo abaixo dois links, caso queiram ler um pouco mais.

O primeiro é o artigo que li sobre a teoria de Robert Lanza (em inglês):
Cientistas afirmam que a teoria quântica prova que a consciência se movimenta para outro universo na morte

O segundo, uma humilde resenha deste blogueiro sobre o livro Criação  Imperfeita, de Marcelo Gleiser:
Nota sobre Criação Imperfeita, de Marcelo Gleiser ("Só sei que nada sei")



terça-feira, 16 de outubro de 2012

Nota sobre Criação Imperfeita, de Marcelo Gleiser ("Só sei que nada sei")


LITERATURA


Acabo de ler um livro fascinante, que ganhei de presente, já faz quase dois anos, dos queridos cunhados Milton Machado Luz e Ana Rohrer. Aliás, tão fascinante quanto hermético para quem, como eu, é um leigo em física. Daqueles livros que, se você não é do ramo, mereceriam uma leitura cuidadosa, concentrada, sem distrações ou interrupções do cotidiano, para fruir simplesmente. Mas, como é muito difícil essa disponibilidade de tempo no mundo em que vivemos, li como foi possível.

Trata-se de Criação Imperfeita, de Marcelo Gleiser (editora Record), a propósito do qual aliás o tempo – como conceito da física, como motor da imaginação humana e mesmo como poesia – é um dos temas principais.


Nossa Via Láctea é apenas uma de bilhões de outras

O físico Gleiser, que muitos conhecem de documentários e programas de TV que discutem cosmologia em linguagem popular, faz uma verdadeira viagem pelo tempo através da qual tenta nos resumir os caminhos traçados pelos homens que buscaram com a ciência e a física tentar entender ou explicar os mistérios da matéria, da natureza, do tempo e do espaço, que poderíamos chamar de universo. Alguns desses homens são Pitágoras, Kepler, Newton, Faraday, Einstein, Pasteur e outros.

 A busca desses homens levou a ciência a explorar o infinito e o infinitesimal, chegando depois à física quântica e às teorias sobre surgimento e funcionamento do universo, busca que muitas vezes tentou encontrar uma prova final para um modelo científico que se adequasse à visão totalizadora e matematicamente perfeita, que expressasse de alguma forma algo como a ideia de Deus, ou a ideia da Perfeição, de um propósito lógico e ainda desconhecido de que seriam expressões os fenômenos da natureza, inclusive a vida. Para Marcelo Gleiser, o momento a que o estudo da ciência nos trouxe depois de muitos séculos de pesquisas e investigações mostra que, ao contrário da crença de que a natureza é forjada na perfeição e na simetria, na qual muitos cientistas basearam seus modelos e teorias ao longo do tempo, se mostra equivocada.

O átomo e partículas subatômicas:
como sistemas cósmicos
A natureza, o girar de planetas, estrelas e galáxias, talvez universos, ou as partículas subatômicas em seus movimentos às vezes incrivelmente análogos ao dos corpos cósmicos, a composição da matéria interestelar e dos átomos, moléculas e seres vivos, tudo isso, seguindo a visão científica de Gleiser, se deve à imperfeição e à assimetria. Não é à toa, claro, que, dividido em cinco partes, o livro tenha quatro delas assim intituladas: A assimetria do tempo, A assimetria da matéria, A assimetria da vida e A assimetria da existência. Escreve o autor: “Não há dúvida de que adoramos simetria. Basta olhar em torno para confirmar que vivemos cercados de objetos simétricos: computadores, cadeiras, carros, pratos (...) Mesmo antes do surgimento das religiões monoteístas, nas culturas do mundo inteiro ordem e simetria já eram relacionadas com o divino.”

O ideal de beleza clássico ou a iconografia religiosa, a música séculos afora, o movimento dos astros no céu ou o ciclo da natureza com suas quatro estações, entre inúmeros outros exemplos, mostram que concebemos o mundo no qual “ordem foi equacionada com segurança e simetria com o previsível e o confiável”.

No entanto, a arte moderna veio para romper com o conforto da simetria (a música atonal, os quadros cubistas de Picasso, por exemplo).

Assim como a física. Na física, na ciência, acontece a mesma coisa, guardadas as devidas diferenças, claro. Mas, apesar de toda a evolução proporcionada pela ciência baseada na simetria “é necessária uma nova estética para a ciência, um novo tipo de beleza que substitua as antiquadas qualidades de ordem e simetria inspirada na fé monoteísta. Essa nova estética tem um princípio básico: que a natureza cria a partir do desequilíbrio”, escreve Gleiser, e não do equilíbrio e da simetria.

Claro que daí o autor entra numa zona que é árida para um leigo. Como por exemplo: os estudos teóricos que levaram à descoberta da antimatéria mostram, segundo os físicos, que se houvesse um equilíbrio (portanto a simetria) entre matéria e antimatéria, “caso matéria e antimatéria tivessem coexistido em quantidades iguais durante a infância cósmica, teriam se aniquilado em radiação de forma tão eficiente que, hoje, o universo consistiria principalmente em um banho de radiação. A vida, nesse caso, seria impossível”.

“De acordo com a mecânica quântica, é perfeitamente possível que antiátomos existam e que, portanto, possam existir galáxias de antimatéria. O anti-hidrogênio, por exemplo, já foi produzido em laboratório”, continua o autor, já aqui numa passagem menos fácil. E passagens muito menos fáceis se sucedem no livro.

Muito do que sabíamos no passado foi desmentido ou superado pela ciência contemporânea, mas para esse desmentido ou essa superação foi preciso uma inimaginável dedicação e amor ao conhecimento (ou a busca pelo conhecimento) para chegarmos ao que conhecemos hoje. Que será superado no futuro, próximo e distante. Muitos podem contestar a ciência. Mas muitas vezes a ciência se aproxima da poesia.

A origem da vida, por exemplo, continua sendo um mistério. Como ela começou na Terra. Quando? Ao que parece, entre 3,8 e 3,5 bilhões de anos, depois de um longuíssimo processo pelo qual “sistemas químicos autônomos devem ter desenvolvido membranas que os protegessem de ataques externos, permitindo que extraíssem nutrientes e energia (...) uma célula é um reator químico complexo, particularmente isolado, cuja função principal é degradar energia (...)quanto mais células houver, quanto mais eficiente for a reprodução, maior a capacidade coletiva de degradar energia”. Enfim, o assunto é inesgotável.

A busca por Deus ou por uma lógica perfeita deve ser superada para que nós, humanos, sejamos responsáveis pelo nosso destino. Até prova em contrário, estamos sozinhos no universo. Portanto, conclui o autor, devemos lutar pela preservação da vida, que, ao contrário, segundo ele, de ser fruto de um desígnio divino ou consequência da perfeição e simetria de uma natureza e universo “inteligentes”, é decorrente da assimetria e do próprio desequilíbrio das partículas subatômicas, da matéria e antimatéria que compõem o universo (ou universos, ou multiverso – estou sendo quase pueril na minha abordagem, pois o tema é muito complexo). A vida é algo muito raro, talvez único, para ser perdido pela incompetência e prepotência humanas, nos diz o livro.

É incrível pensar que a vida poderia, pelo menos teoricamente, existir sem água e carbono: "É concebível que a vida possa existir sem água como solvente, ou mesmo sem uma química baseada no carbono (...) Talvez o solvente seja a amônia e o elemento básico seja o silício", propõe Marcelo Gleiser, que faz algumas ressalvas, como: "se esse tipo de vida existir, certamente não será muito complexa".

O livro é da editora Record
Bem. Gleiser pode ser ateu. Eu posso não ser. Isso significa pouco perto do que nos sugere o autor de Criação Imperfeita. Até porque ele nunca deixa de reconhecer que, como disse Sócrates, “Só sei que nada sei”.

Como disse o próprio autor em outro livro (que não li), A Dança do Universo, “Nossa galáxia, a Via Láctea, é apenas uma entre bilhões de outras, sendo sua posição perfeitamente irrelevante. Nosso planeta não ocupa uma posição especial no sistema solar, nosso Sol não ocupa uma posição especial em nossa galáxia, e nossa galáxia não ocupa uma posição especial no Universo. O que temos de especial é a habilidade de nos maravilharmos com a beleza do cosmo".

Mas o livro de Marcelo Gleiser de que trata este post é, enfim, perdoem o clichê, uma viagem fascinante e imperdível.