segunda-feira, 28 de setembro de 2015

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Saída de Alessandro Molon do PT é um gesto isolado ou indica uma tendência?



Gustavo Lima/Câmara dos Deputados


Péssima notícia, para o PT, o anúncio de desfiliação do deputado Alessandro Molon, do Rio de Janeiro. Ele deixa o partido para se filiar à Rede Sustentabilidade, que obteve esta semana o registro no TSE e agora é oficialmente um partido.

A notícia, que pegou muita gente de surpresa, indica estar correta a avaliação da cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), com quem conversei ontem para uma matéria para a Rede Brasil Atual sobre os novos partidos que obtiveram registro no TSE (a própria Rede e o Partido Novo – agremiação de direita assumida cujo ideário não tem nada de novo – mas isso não vem ao caso aqui).

Para Maria do Socorro, a estratégia da Rede Sustentabilidade, sob o comando de Marina Silva, é tentar ocupar um espaço à esquerda. Esse espaço que está aberto com a atual crise de representação e com a rejeição de grande parte da população a partidos como os conhecemos. “Existe um espaço a ocupar à esquerda. Esse espaço, PSTU e PSOL não conseguiram ocupar, não conseguiram a envergadura de um PT quando o partido de Lula começou a crescer nos anos 1990”, diz a professora.

O "passe" de Alessandro Molon dá à Rede no Rio de Janeiro um quadro combativo cuja perda o PT tem (ou deveria ter) muito a lamentar.

No Congresso Nacional, assim como Maria do Rosário, do PT gaúcho, Molon era um dos que seguravam os embates mais ferrenhos na defesa de princípios históricos de um tempo em que a pragmática não era exatamente a principal conselheira do partido de Lula e Dilma Rousseff.

As informações que circulam no Rio de Janeiro são de que Molon estava muito contrariado com a aproximação entre o PT e o PMDB no estado. Não custa lembrar que o manda-chuva no PMDB no Rio de Janeiro é ninguém menos do que Eduardo Cunha. Há duas semanas, o agora ex-petista declarou que "o PT do Rio está se rendendo ao PMDB e virando refém".

Nas polêmicas votações do financiamento privado de campanhas eleitorais e da maioridade penal, levadas a cabo com o tacão de ferro de Eduardo Cunha, Molon foi um dos que promoveram os debates mais acalorados contra as manobras de Cunha. “No Parlamento está se gerando instabilidade institucional e hipertrofia dos poderes de alguns em detrimento do poder de todos”, me disse Molon em entrevista à RBA.

No Rio, o que se diz é que o PT, presidido por Washington Quaquá (francamente, isso é nome de presidente de partido?), deve apoiar o candidato do PMDB à prefeitura. É uma situação de fato insustentável para um quadro como Molon. Mas, saindo do PT, ele abre novos horizontes a seus próprios projetos, já que tem todas as condições de ser ele mesmo o candidato da Rede à prefeitura.

Em entrevista que fiz em março com o cientista político André Singer, ele fez a seguinte análise (claro que bem mais simples do que a desenvolvida no seu livro Os sentidos do lulismo): “Na medida em que o PT foi estabelecendo um padrão de alianças indiscriminadas, alianças eleitorais, acho que o PT começa a perder a sua cara própria e começa, justamente, a predominar aquilo que chamo de segunda alma. De 2002 para a frente, mudou. Aqueles que representavam a primeira alma do PT ficaram no partido, mas ela não predomina mais no PT”.

A questão, portanto, é saber se o emblemático gesto de Molon de sair do PT é isolado ou se pode significar uma tendência dos grupos mais à esquerda do partido, os representantes do que Singer chama de “primeira alma” do partido. Se a saída de Molon for um indício de que essa alma está de fato abandonando a legenda, isso representaria o fatal esvaziamento de tudo o que o PT representou desde sua fundação. 

sábado, 19 de setembro de 2015

O papel do Supremo Tribunal Federal




 "A guerra às drogas fracassou", disse Barroso em seu voto

Na falta de um Legislativo digno de uma República na acepção do termo e já que o Executivo não teve "vontade política" e atualmente não tem sequer força política para tomar medidas que apontem para a modernidade ou para o futuro, o Supremo Tribunal Federal em alguns momentos tem cumprido um papel essencial no Brasil.

Nesse sentido, o julgamento em que o Plenário do Supremo derrubou o financiamento privado de campanhas políticas por 8 a 3, depois de o julgamento da ADIn 4.650 ficar na gaveta de Gilmar Mendes por um ano e cinco meses, é histórico.

Embora ainda não esteja concluído, um outro julgamento tem tudo para entrar para os anais da história: o que está em andamento para decidir sobre a constitucionalidade de o porte de drogas ser considerado crime ou não. A apreciação do caso está em 3 votos a zero pela descriminalização do porte de drogas, mas, caso esta tese vença, deve se restringir ao porte de maconha. O julgamento foi interrompido no dia 10 por pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Votaram pela descriminalização Gilmar Mendes, Luiz Fachin e Luís Roberto Barroso.

Seja como for, o voto do ministro Luís Roberto Barroso já é em si histórico, riquíssimo tanto juridicamente como do ponto de vista de desmitificar moralmente a questão e separá-la do Direito.

Disse Barroso:  "A guerra às drogas fracassou. Passados 40 anos do combate à droga, convivemos com consumo crescente, não tratamos os dependentes e vemos uma explosão do tráfico. Insistir em uma política pública que não funciona há tantas décadas é fechar os olhos à realidade. É preciso ceder aos fatos".

Em outra passagem, Barroso faz uma separação muito inspirada entre a confusão entre moral e direitos, que se faz sobre o tema:  "se um indivíduo, na solidão das suas noites,beber até cair desmaiado na cama, isso pode parecer ruim, mas não é ilícito. Se ele fumar meia carteira de cigarros entre o jantar e a hora de dormir, isso certamente parece ruim, mas não é ilícito.O mesmo deve valer se ele, em vez de cigarro, fumar um baseado entre o jantar e a hora de ir dormir".

Nem é necessário comentar, tal a clareza do raciocínio.

O brilhante voto do ministro abordou também a questão social: "A má distinção entre usuário e traficante é o que faz com que, pela mesma quantidade (de maconha), pessoas sejam presas nos bairros pobres e não sejam nos bairros mais abastados".

Como escrevi em outro post depois de assistir a uma palestra de Barroso na Faculdade de Direito do Largo São Francisco,  ele "é um ser iluminista, muito esclarecido e capaz de falar com uma clareza impressionante sobre algumas coisas que estão emperradas no Brasil".

De resto, nos últimos anos o STF tem cumprido papel relevantíssimo quando julga questões que se associam ao conceito de Estado laico.

Leia também:



Anencefalia: mais uma vez, STF decide contra o obscurantismo

sábado, 5 de setembro de 2015

A tragédia síria e a hipocrisia



Reprodução


Há três anos e meio publiquei neste blog o post linkado abaixo (ou aqui). Na época, poucos estavam interessados no que acontecia na Síria, um dos países mais importantes do Oriente Médio, e consequentemente do mundo. Sua capital, Damasco, além de ser historicamente riquíssima, sempre foi talvez a mais laica e culta daquela região. Damasco ainda permanece de pé e se mantém como bunker do presidente Bashar al-Assad. É como se a capital estivesse sendo preservada enquanto o resto do corpo (o país) vai sendo consumido pela doença.

A Síria é um ponto geopoliticamente estratégico do planeta, como qualquer pessoa minimamente informada pode entender vendo o mapa aqui publicado.

Era óbvio em 2012, na verdade desde o início do conflito, em 2011, o interesse na destruição da Síria como país, pois sua simples presença era uma ameaça à hegemonia israelense e estadunidense na região. A Síria era uma nação militar, cultural e politicamente incômoda. Uma ameaça tênue, é verdade, pois não poderia ameaçar de fato o maior império da Terra e seu preposto sionista. Mas, tênue ou não, uma ameaça não pode ser tolerada pelo império americano e sionista.

Mas ninguém falava nada. Na época, havia um silêncio quase unânime sobre a tragédia anunciada. O silêncio e a indiferença estavam na mídia, no jornalismo "alternativo", nas reuniões de amigos.

O jornalista Pepe Escobar era um dos únicos que rompiam essa indiferença diante da catástrofe anunciada da Síria. No meu post de 2012, eu citava uma análise do jornalista:

A crise síria “está fazendo aumentar os temores, no mundo em desenvolvimento, de uma insurreição armada apoiada pelo Ocidente, para tentar recriar, na Síria, o caos criado na Líbia. Segundo Escobar, o governo Assad não cai porque mais da metade da população síria ainda o apoia". O texto mencionado de Pepe Escobar, de 2012, está aqui.

Assad ainda não caiu, mas seu governo é hoje como uma alma sem corpo. O Departamento de Estado dos Estados Unidos defende que o presidente sírio renuncie para “facilitar” a luta contra o Estado Islâmico (EI – ou ISIS na sigla em inglês). É o cinismo habitual do país de John Wayne.

E agora, depois de anos de indiferença, agora que apareceu o corpo de uma criança morta numa praia da Europa, todo mundo ficou indignado. Todo o mundo parece ter acordado de um sono indigno. Muitos manifestam sentimentos verdadeiros, mas isso tudo seria piegas, se não estivéssemos falando de uma tragédia planetária e histórica. Mas estamos.

Meu coração está partido pela Síria, mas não é porque agora apareceu aquela criança morta. Eu já estava triste antes.

A tristeza do mundo já deveria ter batido antes, a indignação precisaria ter se manifestado antes. Muitas crianças já morreram antes. Agora é tarde. A indignação agora é tardia e hipócrita.

Ainda: A violência em Homs, minha história e o que importa ao mundo: qual o futuro da Síria?



quinta-feira, 3 de setembro de 2015

O que é ser de esquerda? [1]
Fernando Haddad, a política de trânsito e os 50 km por hora



Há tempos quero escrever uma série de posts sobre o que é ser de esquerda. Os temas perpassados por essa ideia são muitos: racismo, literatura, políticas públicas, linguagem etc. Começo por um tema aparentemente banal: as medidas que vêm sendo adotadas pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e que incorporam muito do que se chama de politicamente correto, mas nem tanto de uma visão verdadeiramente de esquerda.




Mesmo com a queda do Muro de Berlim, ser de esquerda não diz respeito a um conceito abstrato que deixou de ter razão no mundo contemporâneo, como querem alguns (ignorantes ou direitistas). Muito resumidamente, quem se situa no espectro da esquerda necessariamente se identifica com a defesa de princípios universais tais como humanismo, solidariedade, tolerância, harmonia entre as raças e gêneros, direitos humanos, igualdade, assim como com a prevalência dos direitos coletivos sobre os individuais, dos direitos dos trabalhadores sobre os do capital, da paz sobre a guerra, a prevalência do Estado laico, entre outros princípios.

Aqui entre nós brasileiros, devido aos curtos períodos de democracia espremidos entre ditaduras, e, em consequência disso, do desconhecimento histórico, as pessoas se arvoram em determinar o que é ser de esquerda com um simplismo assustador. Ser de esquerda muitas vezes se resume à identificação com pequenas políticas, sejam quais forem, desde que venham dos heróis eleitos (literal ou simbolicamente) para representar as pequenas políticas, hoje muitas vezes traduzidas pelo que se conhece como o politicamente correto.

Com esta série de posts pretendo falar de atitudes ou políticas elencadas numa espécie de cartilha tacitamente aceita para ser seguida pelos "esquerdistas" de hoje.

Começo então a série com temas que dizem respeito ao cotidiano dos paulistanos. Aqui, o fato de a capital de São Paulo ter uma tradição conservadora e ter sido governada por direitistas como Paulo Maluf ou Gilberto Kassab, ironicamente ministro das Cidades de Dilma Rousseff, obscurece a mente das pessoas que se dizem de esquerda ou acham que são de esquerda.

Disso, decorre que as pessoas, principalmente as mais jovens, rezam uma cartilha segundo a qual há verdades absolutas. Se o prefeito adota uma medida, não importa se bem ou mal executada, inteligente ou burra, técnica ou politicamente justificável, você tem de ser a favor, desde que a medida esteja de acordo com a cartilha. Se você não for a favor, você não é de esquerda.

Por exemplo, não importa se você sempre se posicionou (não só em palavras, mas sobretudo em atos) na defesa dos princípios universais citados acima. Se você tem críticas à implantação das ciclovias na capital de São Paulo tal como foi (muito mal) feita, ou se não está de acordo com a decretação de velocidade máxima de 50 km por hora na via local da Marginal, pronto. Você é um reacionário. Você não é de esquerda.

Eu concordo com a redução de velocidade em São Paulo. Mas não da maneira como foi feita, autoritária e sem critério. O limite é de 50 km/h tanto numa avenidazinha de pista única e estreita, como uma aqui perto de casa, como numa via expressa ou grandes avenidas de duas pistas e quatro faixas. Não faz o menor sentido. A redução de maneira linear e sem critério como foi feita só dá "brecha" a gente de direita, que aproveita para capitalizar o erro. Dá a impressão de que, como tudo o que Jilmar Tatto faz, é implementado sem estudos e por decreto.

É mais do que óbvio que o transporte público deve prevalecer sobre o individual; é mais do que urgente que a cidade deve incorporar o uso da bicicleta (ou a bike, como se prefere dizer hoje em dia) como um direito. É claro também que a cidade de São Paulo precisa se humanizar, o que pressupõe o uso racional dos automóveis e limites aos abusos e à irracionalidade.

Mas as medidas que mexem no cotidiano de milhões de pessoas têm de ser discutidas. De repente aparece uma animosidade política entre pessoas que usam bicicleta e as que usam carro muito como consequência de uma visão autoritária do atual prefeito (e eu posso garantir que o prefeito é considerado autoritário inclusive por deputados do PT paulista). Um pouco como o que aconteceu com os fumantes, que viraram inimigos públicos número 1 quando a lei do (lembremos) José Serra passou a vigorar em São Paulo. Fumar um cigarro ou dirigir seu carro parecem ter virado atos moralmente condenáveis como se fossem os fumantes e motoristas os responsáveis pelos males do mundo.



Se não me engano foi Roland Barthes quem escreveu o seguinte (citação de memória): as revoluções não acabaram com a opressão do homem pelo homem porque a opressão está na linguagem, não no poder político. Não concordo integralmente com tal redução, acho que as coisas são mais dialéticas, mas o que disse Barthes é uma variável que tem de ser considerada.

Nesse contexto, é negativamente muito significativa a seguinte afirmação do secretário municipal dos Transportes de São Paulo, Jilmar Tatto, em entrevista publicada na Rede Brasil Atual: "Sobre os que defendem o carro, não acho que é má-fé ou ideológico, acho que é burrice, mesmo. É um problema de inteligência". É obtusa, para dizer o mínimo, tal declaração de um secretário de governo que se diz de esquerda.

Se é fundamental numa sociedade justa e mais evoluída que o transporte público deve prevalecer sobre o individual e que haja espaço para o ciclista, são condições para isso que o transporte público seja decente e que haja diálogo entre o poder público e os cidadãos.

Mas não há diálogo, muito menos transporte público decente. O metrô de São Paulo (gerido pelo governo do Estado, nas mãos do PSDB há 20 anos) tem um terço da extensão necessária. A Cidade do México, que começou a construir seu metrô mais ou menos na mesma época que São Paulo, tem hoje cerca de 200 km de linhas, enquanto São Paulo tem 74 km. E o serviço de ônibus na nossa cidade só melhorou na gestão Fernando Haddad na velocidade, com os corredores e faixas exclusivas. Mas o serviço em si continua péssimo. Os carros que a prefeitura chama de ônibus são quase literalmente carroças com uma capa de metal chamada carroceria.

Dia desses peguei um ônibus que rangia e fazia tanto barulho que fiquei curioso para saber qual era o ano de fabricação do carro. Perguntei ao motorista. Resposta: 2015. É esse tipo de serviço que temos em São Paulo, com Kassab ou com Haddad no fim do terceiro ano de sua gestão.

Outra constatação: muitos dos que aplaudem cegamente as medidas de Haddad referentes ao trânsito não dirigem ou não têm carro, o que pressupõe desconhecimento ou um certo ressentimento, talvez.

O prefeito de uma cidade como São Paulo tem de procurar proporcionar ciclovias planejadas e implantadas com fundamentos técnicos, não no improviso e na imposição, como tem sido feito; tem de procurar desenvolver um sistema de transportes moderno, eficiente e confortável; tem de procurar proporcionar, sim, aos motoristas, vias (ruas e avenidas) bem sinalizadas, modernas, e pensar numa política de trânsito do século XXI, com um sistema de semáforos inteligente, ao invés de impor por decreto que a partir de hoje você é obrigado a andar a 50 km nas marginais.

Enfim, o prefeito tem de procurar governar para tentar construir uma cidade realmente inclusiva, cujas diferentes formas de linguagem convivam de maneira harmônica. Se isso é uma utopia, é em busca da utopia que um governo de esquerda deve caminhar. E não por imposições, como faz a gestão Haddad, cujo secretário chama os cidadãos de burros.

O prefeito tem de ser o mediador dessas linguagens, sobretudo quando falamos de uma megalópole como São Paulo. Quero crer que inconscientemente, o prefeito alimenta divisões com suas disputas e bandeiras do politicamente correto contra o politicamente incorreto, que é tudo o que um governo dito de esquerda não deve fazer na atual conjuntura de animosidade política no país, e principalmente em São Paulo.

Citei Roland Barthes acima porque me parece oportuno falar em linguagem, que tem a ver com cultura, que tem a ver com poder. Não é porque o cara adora bicicleta que é do bem e porque o cara gosta, prefere ou precisa de carro que é do mal. É comum atitudes de ciclistas francamente contrárias ao bom senso, à educação e a qualquer princípio de esquerda ou cidadania. Muitos deles desrespeitam leis de trânsito e pessoas e adotam posturas agressivas incompatíveis com o que quer que se entenda por esquerda.

César Ogata/SECOM
Haddad e seu secretário de Transportes, Jilmar Tatto, 
que prefere xingar cidadão de "burro" do que dialogar 

Vamos falar francamente: 1) Sob alguns aspectos, Haddad está agradando gente mais próxima do pensamento de uma Soninha Francine do que de pessoas que votaram nele, muitas das quais estão irritadas com seu afã de querer radicalizar; 2) essa restrição exagerada à velocidade obedece muito fielmente à necessidade de a prefeitura arrecadar com as multas, a chamada “sanha arrecadatória” do estado.

Algumas medidas que Fernando Haddad adota no seu afã de radicalizar e “falar” a linguagem dos jovens o levam a esquecer que São Paulo é uma megalópole multicultural.

Nesta megalópole há também muitos milhares de pessoas que estão aborrecidas com o prefeito porque aqui há quem, como eu, é de esquerda, respeita os direitos dos outros, anda a 10 km por hora quando tem um ciclista perto de seu carro, que nunca atropelou sequer um cãozinho, mas é um cidadão, também gosta de dirigir, gosta de vias decentes e de uma política de trânsito competente. Que pecado há nisso?

Curiosamente, hoje a imprensa (a chamada mídia conservadora) publica balanço segundo o qual caiu em 27% o número de acidentes com vítimas nas marginais com o novo limite. Esse é o argumento principal. Vamos considerar, com boa vontade, que o balanço da CET seja fidedigno, e não manipulado. Mas tal argumento, levado ao limite, nos levaria a concluir que a melhor solução seria então que todos os carros ficassem parados, o que reduziria os acidentes em ideais 100%. O que me parece fundamental é que houvesse punição real a quem provoca acidentes criminosos. É comum que ricos cheios de dinheiro atropelem e matem (não raro, dirigindo bêbados) e fique tudo por isso mesmo. Se esses criminosos fossem punidos exemplarmente, se a lei previsse enquadramento inafiançável e outras sanções severas, não haveria necessidade de se recorrer ao mais simples.

O ex-presidente Lula, de cujo governo Haddad foi um ótimo ministro da Educação, como sempre foi preciso ao fazer o comentário em tom de brincadeira, no dia 1°, no lançamento do Memorial da Democracia no ABC paulista: "O Haddad tinha se comprometido a vir, mas não compareceu. Vai ver que ele tá vindo a 50 por hora, não chegou ainda aqui em São Bernardo. Ou tá vindo de bicicleta."

Humor (tão em falta hoje em dia), ironia e mordacidade. E não digam que Lula não é de esquerda. Ou pelo menos de centro-esquerda, como se depreende da leitura de Os sentidos do lulismo, de André Singer. Mas aí já é outro (longo) assunto.