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sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Favoritos do cinema (13): Invictus, de Clint Eastwood




Cena do cinema: Morgan Freeman e Matt Damon em Invictus


Cena real: Mandela entrega o troféu a Pienaar em 1995 no Ellis Park


Luis Buñuel disse que um filme não deveria apelar para a emoção. Para ele, isso era um recurso vulgar. Ninguém é perfeito, e o mestre Buñuel estava errado.

Não consigo assistir a Invictus, de Clint Eastwood, sem me emocionar, e não vejo razão para que a emoção provocada por uma obra de arte deva ser condenada por motivos meramente estéticos, com o perdão do advérbio.

O filme conta a história da Copa do Mundo de rúgbi realizada na África do Sul em 1995, já governada por Nelson Mandela. Copiando um texto explicativo da ESPN: "Em 1995, a Copa do Mundo de rugby desempenhou um papel importantíssimo na história da África do Sul. Nelson Mandela, recém-eleito presidente, apostou suas fichas no esporte e na conquista do Mundial para tentar unificar o país separado pelo apartheid. Abraçados pelo líder da nação, os Springboks (a seleção sul-africana) conseguiram unir negros e brancos, mesmo que momentaneamente, ao vencerem justamente a Nova Zelândia na grande final".

Invictus, título de um poema do inglês William Ernest Henley (1849–1903), é um sensível e delicado libelo antirracista. A sensibilidade e a delicadeza são, de resto, duas qualidades permanentes na obra do grande diretor Clint Eastwood, o que é paradoxal, já que ele é membro da Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.

Eu diria que o republicano Eastwood desmente suas posições políticas com seus filmes em que fala da alma humana como poucos, como na sua obra-prima Os Imperdoáveis, sobre o qual já escrevi (leia aqui).

Ao unir esporte e política, Invictus mostra um Mandela tolerante e agregador. Ele deixa seus seguidores furiosos, por exemplo, ao apoiar o time de rúgbi, que era historicamente identificado com os brancos, e por isso odiado pelos negros – mas suas motivações se mostram acertadas e, liderados pelo capitão François Pienaar (Matt Damon), os Springboks arrancam forças para conseguir o que parecia impossível: vencer o temível time do All Blacks, apelido da seleção da Nova Zelândia.

Mandela também enraivece o chefe (negro) de sua segurança ao incorporar ao "time" que vai protegê-lo de possíveis atentados os membros (brancos) da segurança de antigos chefes de Estado identificados com o apartheid. Tudo justificado pelo perdão. O que pode soar glamoroso ou falso. Mas qual o problema de um filme divulgar a paz? Eastwood, o defensor de armas, diretor de um filme que fala de paz e de poesia.

Invictus tem inúmeras cenas e sequências que emocionam. Como a sequência em que François Pienaar (Damon) e os companheiros de seleção visitam o presídio em que Mandela ficou preso por 27 anos. Então, o poema Invictus (que Mandela/Freeman lhe dera de presente num papel) passa pela mente do atleta e capitão, enquanto sua imaginação também lhe traz a imagem de Mandela (Morgan Freeman), prisioneiro, quebrando pedras.

"Eu sou o mestre do meu destino
Eu sou o capitão da minha alma",

diz o poema.

Ótima a sequência em que os seguranças branco e negro de Mandela, pouco a pouco, vão quebrando o gelo da inimizade racial se unindo em torno do time do país, no estádio Ellis Park, em Joanesburgo, em que decide e vence o título mundial contra os neozelandeses.

Mais tarde, François Pienaar contou, em entrevista à BBC, a cena em que Mandela lhe entrega o troféu: “quando subi ao pódio o sr. Mandela esticou a mão e me disse: ‘Obrigado, François, pelo que você fez por este país', eu queria saltar e dar-lhe um abraço, mas eu disse para ele: 'não, senhor, obrigado pelo que você fez para este país'”. 

A cena e o diálogo são reproduzidos literalmente no filme.

A música de Invictus, que mistura temas ocidentais e africanos, também ajuda a emocionar. O filme é belíssimo. E, sobre Morgan Freeman e Matt Damon, o que dizer? Eles dispensam apresentações.

***

Leia também, da série Favoritos do cinema

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Vamos ver cinema? – uma pequena lista de grandes filmes


Antigamente a gente indicava filmes e as pessoas podiam ir à videolocadora e alugar, levar pra casa e assistir. Hoje, essa era romântica acabou, junto com as videolocadoras. Seja como for, seja no Netflix, na TV a cabo, baixando na internet ou por outra forma, qualquer um desses filmes listados abaixo deve agradar a amantes do cinema que gostam de aproveitar feriados para poder fazer coisas mais úteis do que não fazer nada, como ver um grande filme.

Os Imperdoáveis  (Dir. Clint Eastwood - 1992).

Morgan Freeman e Clint Eastwood 
Os Imperdoáveis é um dos grandes filmes que já vi, e que vale a pena ver, se a alma não é pequena, ou seja, mesmo se você acha que o western é uma coisa imperialista, norte-americana e desprezível, e que a arte deve ser instrumento de luta política. A arte não tem nada a ver com luta política. A arte transcende isso. Um pouco mais sobre essa obra-prima de Clint Eastwood aqui: Os Imperdoáveis .


Era uma vez no Oeste (Dir. Sergio Leone - 1968) - O maior western de todos os tempos. Épico, antológico e genial. O texto publicado no blog é de Nicolau Soares e está no link: Era uma vez no Oeste.



Os outros (dir. Alejandro Amenábar - 2001). No gênero "terror", uma obra-prima. Atuação magistral de Nicole Kidman. Mas o termo "terror" não define este filme, que é mais próximo de uma abordagem que eu considero espírita, comparável a O Sexto Sentido (direção de M. Night Shyamalan – 1999). A resenha de Os Outros está aqui: Os outros, um filme espírita.






Interestelar (dir. de Christopher Nolan - 2014).


Matt Damon em Interestelar: interpretação magnífica
Algumas pessoas têm críticas que me parecem muito acadêmicas sobre este filme que, particularmente, me fascina. Tem que desculpar  alguns hollywoodianismos, como já escrevi. Para quem gosta de ficção científica, é uma maravilha. Para quem gosta de ciência, também. O filme discute questões ligadas à Física com uma abordagem possível, para a linguagem do cinema, dada a complexidade de algumas delas, como a Teoria da Relatividade e outras. Escrevi sobre o filme dois posts, que você pode ler a partir deste: Uma resenha sobre Interestelar.


Melancolia (dir. Lars von Trier - 2011).


Kirsten Dunst como Justine, no belíssimo Melancolia
Um contraponto à ficção científica Interestelar, o filme existencialista Melancolia, do diretor de Dogville Dançando no Escuro, é inquietante e belo. Quem conhece o cinema da Lars von Trier não deve se surpreender com nada. Melancolia ("Melancholia", no original) é uma obra-prima riquíssima em imagens e metáforas do diretor, dinamarquês como Sören Kierkegaard.


James Coburn e Rod Steiger
Quando explode a vingança, de Sergio Leone. Já escrevi sobre este filme  aqui. Não tem como não gostar, se você gosta de western. É uma epifania.


The Ghost Writer (Dir. Roman Polanski)

The Ghost Writer, de Roman Polanski (2010). Ewan McGregor interpreta um ghost writer que acaba trabalhando para o primeiro-ministro britânico. Um thriller típico de Polanski. 

Kim Cattrall e Ewan McGregor
O thriller de Polanski, não ganhou o Urso de Ouro em Berlim à toa. De fato, é um Polanski em grande forma. O diretor do antológico O Bebê de Rosemary continua com seu estilo peculiar de fazer filmes. Quando você começa a se entediar achando que o filme virou clichê, ele destrói o clichê. Como Coppola, Polanski usa bem a máquina de Hollywood.



Vincent Gallo, em Tetro
Tetro (dir. de Francis Ford Coppola – 2009). É em parte ambientado em Buenos Aires, com destaque para o bairro La Boca. Tetro (Vincent Gallo – na foto) é um homem solitário e enigmático que vive com sua companheira na capital argentina. Ele recebe a visita de seu irmão mais novo, Bennie (Alden Ehrenreich), em busca do contato perdido. Com esse filme, Coppola mostra que ainda existe arte no cinema. Imperdível. Se quiser saber mais sobre Tetro, clique aqui.

Um homem bom (Good, no original em inglês – direção: Vicente Amorim - 2008). O texto que publiquei no blog, Um homem tolo, foi escrito pelo companheiro Felipe Cabañas da Silva. Pode parecer um trocadilho infame, mas esse é talvez o mais delicado filme sobre o holocausto, muito valorizado pela atuação magistral de Viggo Mortensen como John Halder, um professor de literatura na Alemanha dos anos 30 que, devido a sua tese sobre a eutanásia, atrai a atenção do governo nazista. Halder/Mortensen  se deixa envolver. A violência é psicológica, sem a híperdramatização fácil dos filmes do gênero. Uma curiosidade: o diretor do filme, Vicente Amorim, é filho do ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.

Sobre o mesmo tema holocausto, outro filme que vale a pena é O Menino do Pijama Listrado (dir. Mark Herman – 2008), uma impactante história de amizade entre dois meninos de sete ou oito anos, um judeu e um alemão.


Frances McDormand
Fargo, um clássico dos irmãos Coen (1996). Em termos de thriller policial, é um dos meus filmes preferidos. A direção de atores de Ethan e Joel Cohen já vale a pena. Frances McDormand (à direita) como a policial provinciana de Dakota do Norte é uma interpretação magistral, assim como de todo o elenco. Com o perdão do trocadilho, crítica violenta à cultura da violência dos Estados Unidos. Escrevi sobre Fargo neste link.




Os Incompreendidos de François Truffaut, é um filme que sempre vamos assistir com emoção.


A delicadeza com que o cineasta francês trata do tema da difícil adolescência de um menino rejeitado pelos pais – que odeia a escola, que descobre que a mãe tem um amante e, diante de tantas dificuldades, foge de casa – é muito diferente da proposta de permanente manifesto do cinema de seu contemporâneo, colega de Nouvelle Vague e amigo, depois inimigo, Jean-Luc Godard. 




É difícil citar apenas um filme de Pasolini para colocá-lo na série Favoritos do cinema. Não dá para começar a falar do diretor italiano sem citar pelo menos cinco filmes:

Accattone (1961)
Mamma Roma (1962)
Il vangelo secondo Matteo (1964)
Uccellacci e uccellini (em português, Gaviões e passarinhos, 1966)
Salò o le 120 giornate di Sodoma (em português, Salò ou os 120 dias de Sodoma, 1975).

Mais sobre esse grande cineasta neste link .



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Grandes atores (7): Leonardo DiCaprio



Em O Aviador, faz o excêntrico Howard Hughes

Leonardo DiCaprio, na minha opinião, divide com Matt Damon um lugar na galeria de grandes atores de sua geração. Nascido em 11 de novembro de 1974 (nativo de escorpião), com 42 anos, é quatro anos mais novo do que Damon.

Como já escrevi em outro post, DiCaprio não está sempre trabalhando com grandes diretores por acaso. Senão vejamos: atuou em filmes de Quentin Tarantino (Django Livre - 2012), Clint Eastwood (Edgar - 2011), Steven Spielberg (Prenda-me se For Capaz - 2002), Woody Allen (Celebridades - 1998) e outros. Com Martin Scorsese, diretor com o qual tem o "casamento" mais bem sucedido, o ator tem sua mais ampla parceria no cinema: foi protagonista de O Aviador (2004), Gangues de Nova York (2002), Os Infiltrados (2006), A Ilha do Medo (2010) e O Lobo de Wall Street (2013). Em Os Infiltrados, aliás, um thriller policial, faz ótimo "dueto" com Matt Damon.

O time de diretores não é pouca coisa e já quer dizer muito. Mas se você assistir a Edgar, O Aviador ou Django Livre, por exemplo, verá que DiCaprio é dos atores que, como já disse em algum lugar, fazem um  filme ser diferenciado, já que seus personagens são dotados de alma. Tire DiCaprio de O Aviador, filme com quase três horas de duração, mas que você não vê passar. Além da excelente trama  e roteiro, que conta a vida do milionário Howard Hughes (1905-1976), o filme tem cenas como  na epifânica sequência em que Hughes/DiCaprio filma (filme dentro do filme) um combate de Hell's Angels, produção de cinema que “na vida real” o empresário lançou em 1930 com estrondoso sucesso ao custo astronômico, para a época, de quase 4 milhões de dólares. A interpretação do ator no filme é magistral.

Em Prenda-me se For Capaz, de Spielberg, um genial falsário, 
Assim como no antológico Prenda-me se For Capaz, de Spielberg, em que interpreta um adolescente genial e fora da lei, perseguido pelo trapalhão policial Carl Hanratty (a cargo do excelente Tom Hanks). O f ilme é baseado na história real de Frank William Abagnale, Jr., um falsário que começou como falsificador de cheques na década de 1960 e, graças a sua genialidade, conseguiu se fazer passar por piloto da Pan Am, médico e advogado. O personagem é uma pessoa com sérios problemas psicológicos e manias, com raízes freudianas profundas. Manifesta uma obsessão – transtorno obsessivo compulsivo (TOC) – que lhe causa horror de pegar em trincos de portas (principalmente banheiros) e cumprimentar as pessoas, situações diante das quais Abagnale/DiCaprio é tomado pelo sincero pânico.

Em Django Livre, uma espécie de western em quadrinhos em forma de filme, ao estilo de Tarantino, que pode levar você à gargalhada ou às lágrimas, DiCaprio faz o vilão: o senhor de fazenda escravagista Calvin Candie. No filme, ele contracena com Jamie Foxx (que faz  Django) e o espetacular Christoph Waltz (atua no ótimo Deus da Carnificina, de Polanski, e Bastardos Inglórios, também de Tarantino).


Como o vilão Calvin Candie, em Django Livre

Escrevi no post anterior já citado (de 2014) que talvez DiCaprio, então com apenas 39 anos, precisasse de um pouco mais de estrada em sua carreira para amadurecer e se tornar realmente um dos grandes. Fazendo pequena correção, parece-me que ele já é.

Se você pesquisar sobre o ator, verá que ele é "mais conhecido" pelos papeis de Jack Dawson, em Titanic, e Romeu, em Romeu e Julieta. Dois filmes menores que não vi nem verei. Também não assisti a O Regresso (dir. de  Alejandro Iñárritu), pelo qual ganhou o Oscar. Quero ver este fime, que une DiCaprio e Iñárritu, diretor de Babel (2006) e 21 Gramas (2003).

A biografia do ator tem uma curiosidade. Segundo consta, seu nome teria sido inspirado, de acordo com sua mãe, porque ele teria dado seu primeiro pontapé quando ela, grávida, contemplava um quadro de Leonardo da Vinci na Itália. Mas essa história precisaria ser checada talvez com o próprio Leonardo DiCaprio...


quarta-feira, 5 de março de 2014

Favoritos do cinema (9): Os Imperdoáveis



Morgan Freeman e Clint Eastwood




A palavra “Faroeste” não quer dizer nada. Farwest (e consequentemente western) quer dizer bastante coisa.

Como já escrevi em post anterior, sobre Sergio Leone, às vezes é difícil entender por que alguém que é contra o imperialismo, a opressão e a cultura das armas gosta do western como gênero de cinema. Western que, entre nós, ficou conhecido pela aportuguesada, feia e burra expressão faroeste (do inglês far west, o oeste distante, o extremo oeste, em tradução livre, mas que comporta também o sentido metafórico do não-lugar, do lugar bíblico que se busca conquistar, seja por uma nação, seja por cidadãos).

O problema é a confusão que se faz entre arte e política. Se você, como eu, abomina a opressão, a cultura das armas e o imperialismo, mesmo assim, ou até por isso, veja Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992, de Clint Eastwood), um filme dos que eu levaria para uma ilha deserta para assistir às vezes, se eu fosse para uma ilha deserta onde houvesse energia elétrica para reproduzir um DVD...

Já escrevi posts para a série Favoritos do Cinema sobre filmes que estão longe de ser obras-primas. Os Imperdoáveis é uma obra-prima.

Não por acaso, vários importantes diretores de Hollywood fizeram questão de registrar sua visão do western. Tirando experts no gênero (por exemplo, o próprio Leone e John Ford), cito aqui três diretores contemporâneos que fizeram questão de fazer um western para constar de sua cinematografia: Quentin Tarantino (com Django, 2012), Jim Jarmusch (com Dead Man, de 1995) e o próprio Clint Eastwood, com Os Imperdoáveis.

Dos três, o filme de Eastwood (não por acaso dedicado a Don Siegel e Sergio Leone) é de longe o melhor. Um épico que trata ao mesmo tempo da história de uma nação e de um indivíduo, lembrando um pouco Tolstoi, um pouco Fernando Pessoa:

"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia
."

Diferentemente dos citados filmes Dead Man de Jarmusch (baseado na poesia) e Django de Tarantino (que é uma paródia do western, quase uma comédia), Os Imperdoáveis não envereda pelo místico, nem pelo poético, nem por elucubrações metalinguísticas (observação: não dá para comparar o extraordinário Dead Man com o bom, mas limitado, Django).

Gene Hackman como o brutal Little Bill
Mas o filme de Clint Eastwood mostra a cruel, brutal realidade de um roteiro banal: numa cidade do oeste, uma prostituta é espancada e desfigurada por uns vaqueiros arruaceiros, com a complacência do xerife da cidade, Little Bill (Gene Hackman).

As prostitutas oferecem uma recompensa para matar os vaqueiros. A notícia chega a um antigo pistoleiro e assassino que, quando jovem, inspirado pelo whisky, fazia qualquer serviço, mas já não tem mais essas ganas. Hoje cuida dos filhos e de porcos em sua pequena propriedade. Não quer mais problemas. É um viúvo que foi libertado do vício do álcool pela mulher, enterrada no quintal de sua casa. Esse é Bill Munny (Clint Eastwood). Mas, seduzido pela oferta da recompensa, Munny procura um amigo para ajudá-lo nessa missão, Ned Logan (Morgan Freeman).

O roteiro de Os Imperdoáveis é banal, mas o resultado cala fundo. Não só pelo realismo que funde a busca do homem e da nação que ainda não tem identidade, mas também por achados narrativos, como o fato de sugerir um narrador, o jornalista (o sr. Beauchamp, interpretado por Saul Rubinek) que trabalha para quem paga ou encanta mais, e que no fim é o personagem mais importante da história, a quem ninguém deu importância, mas que é, afinal, aquele que contou a história. Western, literatura, realismo, cinema. (O que Clint Eastwood tem de grande é sua competência para fazer cinema: cinema, e não masturbações fílmicas.)

É magnífica a cena em que o jovem pistoleiro interpretado por Jaimz Woolvett tem uma crise de culpa por ter matado alguém. Acontece um diálogo digno de Shakespeare.

- Você sentia medo? – pergunta o rapaz, que acabara de matar o primeiro homem em sua vida, ao mito vivo que está à sua frente, Bill Munny (Eastwood), uma lenda do oeste.

– Matar um homem é uma coisa infernal. Você tira dele tudo o que ele tem e o que poderia vir a ser um dia – responde Munny, depois de dizer que não se lembra das coisas que fazia bêbado.

"Vim aqui para matar você, Little Bill"
Outra cena antológica, entre várias nesse filme antológico, já quase no fim do filme, é quando Munny (Eastwood) chega ao bar, no clima sombrio, com a chuva e os raios caindo, e anuncia ao xerife Little Bill (Hackman) por que está ali: “Eu já matei mulheres e crianças, já matei tudo o que anda e rasteja, e vim aqui para matar você, Little Bill”.

Fora tudo isso, a fotografia (Jack Green) e a direção de atores é monumental. O filme ganhou 4 Oscars: Melhor Filme, Melhor Diretor (Clint Eastwood), Melhor Ator Coadjuvante (Gene Hackman) e Melhor Montagem.

Não à toa.

Os imperdoáveis é um dos grandes filmes que vi, e que vale a pena ver, se a alma não é pequena.


Leia também, da série Favoritos do cinema:








terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Clint Eastwood é bom até em propaganda. Obama agradece


Um comercial de dois minutos da montadora norte-americana Chrysler, com o ator Clint Eastwood, que foi ao ar no intervalo do Super Bowl, a final do futebol americano, no domingo, fez um enorme sucesso e foi considerado como mensagem claramente pró-Barack Obama. Isso porque este é ano de eleições nos Estados Unidos.

A conotação política é clara: "os times estão discutindo o que fazer para ganhar o jogo no segundo tempo. É intervalo também na América", diz Clint no anúncio, o que seria uma alusão ao período entre os dois mandatos (o atual e o futuro) de Obama. Com a crise de 2008, a Chrysler quase foi à falência. "Detroit está nos mostrando que pode ser feito", afirma Eastwood, referindo-se ao coração da indústria automobilística dos EUA. No final do comercial, a mensagem parece ainda mais óbvia: "Nós nos levantaremos novamente e quando fizermos isso o mundo vai escutar o barulho de nossos motores. Sim, é intervalo na América. E o nosso segundo tempo já vai começar”.




O belíssimo comercial me fez pensar no medonho anúncio da Fiat aqui no Brasil, com aquela música pavorosa do tal Michel Teló, e em como está cada vez mais nojento e sem criatividade o mercado publicitário brasileiro.

Enfim, posto aqui também porque sou um fã do grande Clint Eastwood de Os Imperdoáveis e outros filmes. Estou aliás devendo a mim mesmo um post sobre Os Imperdoáveis para a Série “Favoritos do cinema”, que por falta de tempo até agora só tem dois posts (sobre Quando Explode a Vingança  e sobre Fargo).

A propósito, está em cartaz nos cinemas o novo filme de Clint, J. Edgar, sobre a vida de J. Edgar Hoover, o controverso diretor do FBI. Que ainda não vi.

Sobre a obra anterior do diretor (de 2010), escrevi aqui: O velho e bom Clint Eastwood em cartaz com Além da Vida.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O velho e bom Clint Eastwood em cartaz com "Além da Vida"

Clint Eastwood é um diretor especial. Ele pode desagradar a quem não gosta de violência ou do gênero western. Ou irritar os que evitam os filmes “água-com-açúcar”. Mas Eastwood é tão bom diretor que, paradoxalmente, emociona tanto uns como outros, seja com a brutalidade permeada de poesia de Os Imperdoáveis, seja com a aparente pieguice de Além da Vida (HereAfter, no título original muito melhor), que está em cartaz em São Paulo e Brasil afora.

O médium George Lonegan (interpretado pelo ótimo Matt Damon) recebe comunicações dos mortos, mas sua capacidade de ajudar as pessoas com esse “dom” se torna um peso, "uma maldição" da qual ele tenta se livrar. E as histórias paralelas (de um menino – George McLaren – que perde o irmão gêmeo, de uma jornalista  famosa que teve uma experiência de quase-morte, aqui a bela Cécile De France no papel de Marie LeLay) acabam por se encontrar na trama desse drama de Eastwood, com suas sequências longas, fotografia exuberante e direção de atores como sempre muito competente.

Além da Vida, coproduzido por Steven Spielberg (o que explica a espetacular sequência inicial, por exemplo), está muito longe de ser uma obra-prima. Mas há bastante tempo eu desisti de achar que o cinema tem de ser político, esteticamente revolucionário ou veículo de transformação. Cinema pode ser tudo isso, claro; mas não é nenhum pecado que não seja. Cinema tem que ser cinema. Apesar da enorme diferença de gênero e estilo, numa coisa os filmes de Clint Eastwood podem ser comparados aos de Woody Allen: “mesmo quando é ruim, é bom”.

As qualidades sempre presentes nos filmes de Clint (a delicadeza mesmo quando fala de temas ásperos como a morte, a direção de atores, a fotografia) estão também em Além da Vida, filme que trata de um tema tornado absolutamente piegas pela produção brasileira Chico Xavier, dirigido por Daniel Filho, o global. No filme de Clint Eastwood, o tema espiritismo é apenas mais um pretexto para fazer bom cinema.

Como diz André Setaro em post no seu blog: “Clint, o Dirty Harry vingativo dos anos 70, ou o pistoleiro sem lei e sem alma dos westerns de Sergio Leone, transformou-se através do tempo e se tornou um dos cineastas mais respeitados do cinema americano contemporâneo”.

Na série “Favoritos do Cinema” deste blog, ainda preciso postar um texto sobre Os Imperdoáveis, filme que o diretor dedicou a Don Siegel e Sergio Leone, este sim uma obra-prima. Farei isso qualquer hora dessas.

Veja o trailer (legendado) de Além da Vida (HereAfter)