quarta-feira, 30 de março de 2016

Ciro Gomes sobre Michel Temer: "anão moral, traidor e parceiro de tudo que não presta"


Valter Campanato/Agência Brasil

Ministro da Integração Nacional do governo Lula, ex-governador do Ceará e atualmente no PDT, Ciro Gomes divulgou a seguinte nota em sua página no Facebook:

"Acabo de assistir a uma das cenas mais repugnantes de minha já longa vida política. Em apenas três minutos o PMDB anunciou o abandono do governo da presidente Dilma após 5 anos de fisiologia e roubalheira. Trata-se de capítulo que deve encher de vergonha todo e qualquer cidadão ou cidadã deste sofrido País!

"Como anão moral, traidor e parceiro intimo de tudo que não presta, à frente deste capítulo do golpe de estado em marcha no Brasil, Michel Temer e seu sócio Eduardo Cunha.
Levantemo-nos, povo brasileiro! VAI TER LUTA!"

terça-feira, 29 de março de 2016

Desembarque do PMDB do governo mostra que sistema político faliu


Anderson Riedel/Fotos Públicas


Publicada originalmente na RBA

O desembarque do PMDB do governo, oficializado na tarde de hoje (29), e todo o processo que culminou com esse ato, mostra, acima de tudo, que o sistema político brasileiro faliu, segundo analistas. O partido do vice-presidente da República, Michel Temer, que agora de fato assume a posição oposicionista já conhecida dos corredores e articulações, assumiu a posição concreta de apostar na crise e saciar seu interminável apetite pelo poder. O grande problema é que não há perspectivas de fim da crise.

"Tudo isso mostra que é o nosso sistema político-partidário que está falido. Ele foi corrompido pela mercantilização que tomou conta das campanhas eleitorais", diz Cândido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). "O que acho é que está se criando uma outra forma de crise, a crise dentro da crise, cujo desfecho é mais crise, e assim o país vai indo."

Para Grzybowski, não é novidade que o PMDB se tornou um partido que mantém o poder pelo poder e não é mais nem sombra da legenda de Ulysses Guimarães, que subsistiu até a Constituição de 1988. A crise ganhou, com a decisão do PMDB de sair do governo, um novo ingrediente: a presidente Dilma Rousseff tem agora um vice de oposição. A Constituição prevê esse quadro. Determina a Carta Magna: Temer continua no posto sendo parte do governo ou oposição.

O grande problema do governo Dilma, que hoje, no Congresso, principalmente com o desembarque do PMDB, enfrenta um processo de impeachment cada vez mais possível, tem um nome: Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o presidente da Câmara dos Deputados. 

"O maior erro de articulação política do governo foi ter lançado candidato do próprio PT (Arlindo Chinaglia), em fevereiro de 2015. Está pagando um preço caríssimo por ter Eduardo Cunha na presidência da Câmara. Ele é um das figuras mais estranhas que já existiram na política brasileira, apesar de ser um político bem comum. Mas é o presidente da Câmara, eleito pelos pares", avalia o cientista político Humberto Dantas, coordenador do curso de pós-graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política (Fespsp).

A aliança do governo com o PMDB, fechada ainda pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para conseguir governar no presidencialismo de coalizão, é considerada por muitos o erro primordial dos governos petistas. Mas, para Cândido Grzybowski, o problema ainda é o sistema político do país. "Na nossa realidade política não tinha outra saída. Mas o sistema transformou as campanhas políticas em campanhas de imagem, de disputa de mercado, de marqueteiros, com dinheiro dos quem não querem perder nada."

Para ele, esse quadro permite criar partido "às pencas, por quem quiser, mas não acabou com o cerne do sistema eleitoral criado por João Figueiredo, no fim da ditadura".

A íntegra da matéria da RBA está aqui.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Escosteguy e Lobão estariam presos se estivéssemos nos Estados Unidos


Como jornalista, mantenho o protocolo. Como blogueiro, não.

Deixo o protocolo da isenção de lado apenas para falar de figuras secundárias, ou desprezíveis, da história brasileira. Por exemplo, o editor-chefe da revista Época, da editora Globo, Diego Escosteguy, que no Twitter fez sérias ameaças, veladas, ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, após o ministro ter decidido que o comando de Curitiba deve enviar ao STF o processo de investigação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, retirando a competência do todo poderoso Sérgio Moro.

"Será difícil conter o ânimo da população contra Teori. A revolta começou agora e vai piorar", previu o jornalista porta-voz da família Marinho.

Já o "artista" Lobão, figura de quem só se pode ter o sentimento de pena ou piedade, postou, também no Twitter, o endereço do filho do ministro Teori Zavascki no Rio Grande do Sul, convocando seus seguidores para protestar em frente ao endereço. As palavras de Lobão, proferidas nos alto-falantes golpistas desde que o "artista" perdeu a noção, como se diz, seriam cômicas, se não fossem tristes.

Lobão não passa de uma caricatura muito pobre do personagem Höfgen, do livro Mefisto, de Klaus Mann. Höfgen, um ator, tem muitas ideias platônicas sobre a grandeza da Arte, e graças a essas ideias é cooptado pelo nazismo. Lobão, que fez trabalhos importantes no rock brasileiro, infelizmente se perdeu na loucura do fascismo. A diferença é que Höfgen (um personagem fictício) era grande, e Lobão (um personagem real) é muito pequeno, tão pequeno que dá pena.

Seja como for, a verdade é que vivemos em uma República que tolera o crime, ao invés de combatê-lo. Se estivéssemos nos Estados Unidos ou na Rússia, ou quiçá na China, tanto faz, esses dois personagens (Escosteguy e Lobão) poderiam estar na cadeia, por incitar a violência contra um ministro da Suprema Corte. Seria um crime federal, mas no Brasil é liberdade de expressão.

Pobres de nós, que estamos cercados de pessoas que acreditam em criaturas tristes e grotescas como Lobão, Escosteguy ou José Serra. A esperança é de que #NãoPassarão.

Lobão, Escosteguy ou José Serra talvez figurem futuramente, de alguma maneira, nos livros das escolas, mas de modo algum terão a menor relevância. Serão esquecidos após a contaminação e a cura. Serão condenados à "imortalidade risível", para usar o termo de Milan Kundera.

A eles, a essas personagens desprezíveis, dedico uma frase do grande escritor argentino Jorge Luis Borges: "Tanta soberba, e os dias passam, inúteis".

quarta-feira, 23 de março de 2016

Teori Zavascki coloca um freio em Moro: luz no fim do túnel?




Foto:  Rosinei Coutinho/STF 

Terá sido a concessão de liminar pelo ministro Teori Zavascki, na noite desta terça-feira, em pedido da Advocacia Geral da União, um indício de que ainda podemos acreditar que a Constituição não será rasgada? Difícil responder. Mas a decisão do ministro (veja íntegra em link abaixo), relator da operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, é sem dúvida um freio na absurda e crescente sequência de violações a garantias fundamentais inscritas na Constituição, que culminou com a escuta da conversa da presidente da República e Lula.

Teori Zavascki determinou a remessa das investigações que envolvam Lula ao próprio STF, retirando a competência do juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal em Curitiba. “O ministro determina, ainda, a suspensão dos efeitos da decisão da 13ª Vara Federal (de Curitiba) que autorizou a divulgação das conversações telefônicas interceptadas entre a presidente e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, diz a página do STF.

A nomeação de Lula como ministro continua suspensa, por decisão de Gilmar Mendes, mas o ato de Mendes de enviar o processo a Moro fica anulado.

Sobre a divulgação dos grampos, Teori escreveu: "Há de se reconhecer, são irreversíveis os efeitos práticos decorrentes da indevida divulgação das conversações telefônicas interceptadas. Ainda assim, cabe deferir o pedido no sentido de sustar imediatamente os efeitos futuros que ainda possam dela decorrer e, com isso, evitar ou minimizar os potencialmente nefastos efeitos jurídicos da divulgação".

Agora, espera-se o julgamento do Plenário da corte. A parcela da sociedade comprometida com a luta e a garantia de direitos duramente conquistados e inscritos na Constituição, depois de uma ditadura de 21 anos, readquire um sopro de confiança de que ainda existe Justiça e Judiciário neste país.

Seja como for, é apenas uma liminar. E é apenas um caso. A guerra jurídica não vai ter fim tão cedo.

A ministra Rosa Weber vai relatar o habeas corpus apresentado pela defesa de Lula no STF. A nomeação do ex-presidente como ministro de Dilma foi suspensa pela liminar de Gilmar Mendes. Rosa Weber é a mesma que, ao condenar José Dirceu sem provas no “mensalão”, argumentou com a seguinte declaração: ”Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”.

Acredito, pelo que acompanho do caso e do posicionamento dos ministros sobre vários temas ao longo do tempo,  que no Plenário do STF quatro votos podem ser favoráveis, não a Lula, mas à cidadania: Luís Roberto Barroso, Cármem Lucia, Marco Aurelio e o presidente da corte, Ricardo Lewandowski. Talvez Teori. O fato de ele ter concedido a liminar não quer dizer que seu voto será favorável , mas indica que ele está alinhado com parâmetros legalistas. Se for assim, faltaria um voto. Mas posso estar errado.

Leia a íntegra da decisão de Teori Zavascki: MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 23.457 PARANÁ


quinta-feira, 17 de março de 2016

Para que serve o artigo 142 da Constituição Federal?


Art. 142: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica (...)  sob a autoridade suprema do Presidente da República (...) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.


Roberto Stuckert Filho/PR
Dilma na posse de Lula

As palavras de Dilma na posse de Lula no Ministério da Casa Civil hoje são precisas:

Em que pese o teor absolutamente republicano do diálogo que eu tive ontem com o ex-presidente Lula, ele foi publicizado com uma interpretação desvirtuada. Mudaram tempos de verbo, mudaram “a gente” para “ele”, e ocultaram que o que nós fomos buscar era esta assinatura dele. Mas não tem a minha assinatura e, portanto, isto não é posse.

“Repudio, total e integralmente, todas as versões contra esse fato. Estamos avaliando, com precisão, as condições deste grampo que envolve a Presidência da República. Nós queremos saber quem o autorizou, por que o autorizou e por que foi divulgado quando ele não continha nada que possa levantar qualquer suspeita sobre seu caráter republicano.

Mas a verdade é que as violações aos direitos individuais mais básicos só fazem aumentar. O país pode entrar em conflagração social a qualquer momento. Após cada um dos incontáveis episódios que atemorizam e ameaçam a democracia, é sempre o mesmo blablablá de sempre: fala-se em estado de direito, em violação de direitos individuais, que isto é crime, que aquilo é crime, e tudo fica por isso mesmo até o próximo ato golpista.

O clímax de tudo se deu na noite de terror de ontem, quando Rede Globo (uma concessão pública) e Sérgio Moro (um juiz federal, que deveria zelar pelas leis) fizeram uma dobradinha para derrubar o governo. Na outra ponta, Eduardo Cunha acelera o processo de impeachment.

O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) publicou na noite de ontem (16), em sua página no Facebook, um texto em que acusa três “atores” de estarem trabalhando para “convulsionar” o país: o juiz Sérgio Moro, a TV Globo e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Após a edição de ontem do Jornal Nacional, conclamando as pessoas ao golpe, atos de violência aconteceram em vários locais do país. Destacou-se a Avenida Paulista, mas não foi só.

Paulo Teixeira disse que Moro praticou gravíssimo ataque à Constituição e à ordem jurídica ao investigar a presidente da República e divulgar grampos. "Ao mesmo tempo, ao divulgar um áudio sem qualquer conteúdo ilegal, agravou o clima de conflito no país."

Fico me perguntando: para que serve o artigo 142 da Constituição Federal? Diz ele: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Ou a Constituição do país, em meio ao caos em vigor, já não vale mais nada?

Era só isso o que tinha a dizer por hoje. 


sábado, 12 de março de 2016

A luta é de vida ou morte; porque Lula é Brics



"Brics" é a sigla mais amaldiçoada no eixo Avenida Beltway [onde ficam várias instituições do governo dos EUA em Washington]-Wall Street, e por razão de peso: a consolidação do Brics é o único projeto orgânico, de alcance global, com potencial para afrouxar a garra que o Excepcionalistão mantém apertada no pescoço da chamada "comunidade internacional".

Por Pepe Escobar*, no Russia Today


 Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Reunião dos lideres dos Brics em 2014

Assim sendo, não é surpresa que as três potências chaves do Brics estejam sendo atacadas simultaneamente, em várias frentes, já faz algum tempo. Contra a Rússia, a questão é a Ucrânia e a Síria, a guerra do preço do petróleo, o ataque furioso contra o rublo e a demonização ininterrupta da tal "agressão russa". Contra a China, a coisa é uma dita "agressão chinesa" no Mar do Sul da China e o (fracassado) ataque às Bolsas de Xangai/Shenzhen.

O Brasil é o elo mais fraco dessas três potências emergências crucialmente importantes. Já no final de 2014 era visível que os suspeitos de sempre fariam qualquer coisa para desestabilizar a sétima maior economia do mundo, visando a uma boa velha 'mudança de regime'. Para tanto criaram um coquetel político-conceitual tóxico ("ingovernabilidade"), a ser usado para jogar de cara na lama toda a economia brasileira.

Há incontáveis razões para o golpe, dentre elas: a consolidação do Banco de Desenvolvimento do Brics; o impulso concertado entre os países Brics para negociarem nas respectivas moedas, deixando de lado o dólar norte-americano e visando a construir outra moeda global de reserva que tome o lugar do dólar; a construção de um cabo submarino gigante de telecomunicações por fibra ótica que conecta Brasil e Europa, além do cabo Brics, que une a América do Sul ao Leste da Ásia – ambos fora de qualquer controle pelos EUA.

E acima de tudo, como sempre, o desejo pervertido obcecado do Excepcionalistão: privatizar a imensa riqueza natural do Brasil. Mais uma vez, é o petróleo.

Peguem esse Lula, ou...

WikiLeaks já expôs há muito tempo, em 2009, o quanto o Big Oil estava ativo no Brasil, tentando modificar, servindo-se de todos os meios de extorsão, uma lei proposta pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conhecido também como Lula, que estabelece que a estatal Petrobrás (lucrativa) será a única operadora de todas as bacias de petróleo no mar, da mais importante descoberta de petróleo desse jovem século 21: as reservas de petróleo do pré-sal.

Lula não só deixou à distância o Big Oil – especialmente ExxonMobil e Chevron –, mas também abriu a exploração do petróleo no Brasil à Sinopec chinesa – parte da parceria estratégica Brasil-China (Brics dentro de Brics).

O inferno não conhece fúria maior que a do Excepcionalistão descartado. Como a Máfia, o Excepcionalistão nunca esquece; mais dia menos dia Lula teria de pagar, como Putin tem de pagar por ter-se livrado dos oligarcas cleptocratas amigos dos EUA.

A bola começou a rolar quando Edward Snowden revelou que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (ing. NSA) andava espionando a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, e vários altos funcionários da Petrobrás. Continuou com o fato de que a Polícia Federal do Brasil coopera, recebe treinamento e/ou são controladas de perto por ambos, o FBI e a CIA (sobretudo na esfera do antiterrorismo). E prosseguiu via os dois anos de investigações da Operação Lava Jato, que revelou vasta rede de corrupção que envolve atores dentro da Petrobrás, as maiores empresas construtoras brasileiras e políticos do governante Partido dos Trabalhadores.

A rede de corrupção parece ser real – mas com "provas" quase sempre exclusivamente orais, sem nenhum tipo de comprovação documental, e obtidas de trapaceiros conhecidos e/ou neomentirosos seriais que acusam qualquer um de qualquer coisa em troca de redução na própria pena.
Mas para os Procuradores encarregados da Operação Lava Jato, o verdadeiro negócio sempre foi, desde o início, como envolver Lula em fosse o que fosse.
Entra o neo-Elliott Ness tropical
Chega-se assim à encenação espetacularizada, à moda Hollywood, na 6ª-feira passada em São Paulo, que disparou ondas de choque por todo o planeta. Lula "detido", interrogado, humilhado em público (comentei esses eventos em"Terremoto no Brasil").

O Plano A na blitz à moda Hollywood contra Lula era ambicioso movimento para subir as apostas; não só se pavimentaria o caminho para o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (que seria declarada "culpada por associação"), como, também, já se neutralizaria Lula, impedindo-o de candidatar-se à presidência em 2018. E não havia Plano B.

Como não seria difícil prever que aconteceria – e acontece muito nas 'montagens' do FBI – toda a 'operação' saiu pela culatra.

Lula, em discurso-aula, master class em matéria de discurso político, reproduzido ao vivo por todo o país pela internet, não só se consagrou como mártir de uma conspiração ignóbil, mas, mais que isso, energizou suas tropas de massa. Até respeitáveis vozes conservadoras condenaram o show à moda Hollywood, de um ministro da Suprema Corte a um ex-ministro da Justiça, que serviu a governo anterior aos do Partido dos Trabalhadores, além do conhecido professor e economista Bresser Pereira (um dos fundadores do PSDB, que nasceu como partido da social-democracia do Brasil, mas virou a casaca e é hoje defensor das políticas neoliberais do Excepcionalistão e lidera a oposição de direita).

Bresser disse claramente que a Suprema Corte deveria intervir na Operação Lava Jato para impedir novos abusos. Os advogados de Lula, por sua vez, requereram à Suprema Corte que detalhasse a jurisprudência que embasaria as acusações assacadas contra Lula. Mais que isso, um advogado que teve papel de destaque na blitz hollywoodiana disse que Lula respondeu a tudo que lhe foi perguntado durante o interrogatório de quase quatro horas, sem piscar – eram as mesmas perguntas que já lhe haviam sido feitas antes.

O professor e advogado Celso Bandeira de Mello, por sua vez, foi diretamente ao ponto: as classes médias altas no Brasil – nas quais se reúnem quantidades estupefacientes de arrogância, ignorância e preconceito, e cujo maior sonho de toda uma vida é alcançar um apartamento em Miami – estão apavoradas, mortas de medo de que Lula volte a concorrer à presidência – e vença – em 2018.

E isso nos leva afinal ao juiz mandante e carrasco executor de toda a cena: Sergio Moro, protagonista de "Operação Lava Jato".

Ninguém em sã consciência dirá que Moro teve carreira acadêmica da qual alguém se orgulharia. Não é de modo nenhum teoricista peso pesado. Formou-se advogado em 1995 numa universidade medíocre de um dos estados do sul do Brasil e fez algumas viagens aos EUA, uma das quais paga pelo Departamento de Estado, para aprender sobre lavagem de dinheiro.

Como já comentei, a chef-d’oeuvre da produção intelectual de Moro é artigo antigo, de 2004, publicado numa revista obscura, nos idos de 2004 ("Considerações sobre Mãos Limpas", revista CEJ, n. 26, julho-Set. 2004), no qual claramente prega a "subversão autoritária da ordem judicial para alcançar alvos específicos" e o uso dos veículos de mídia para envenenar a atmosfera política.

Quer dizer, o juiz Moro literalmente transpôs a famosa operação da Justiça italiana de 1990 Mani Pulite ("Mãos Limpas") da Itália para o seu próprio gabinete – e pôs-se a instrumentalizar os veículos da grande mídia brasileira e o próprio judiciário, para alcançar uma espécie de "deslegitimação total" do sistema político. Mas não quer deslegitimar todo o sistema político: só quer deslegitimar o Partido dos Trabalhadores, como se as elites que povoam todo o espectro da direita no Brasil fossem querubins.

Assim sendo, não surpreende que Moro tenha contado com a companhia solidária, enquanto se desenrolava a Operação Lava Jato, do oligopólio midiático da família Marinho – o império midiático O Globo –, verdadeiro ninho de reacionários, nenhum deles particularmente inteligente, que mantiveram íntimas relações com a ditadura militar que, no Brasil, durou mais de 20 anos.

Não por acaso, o grupo Globo foi informado sobre a "prisão" hollywoodiana que Moro aplicaria ao presidente Lula antes de a operação começar, e pode providenciar cobertura que efetivamente tudo encobriu, ao estilo CNN.

Moro é visto por muitos no Brasil como um sub Elliot Ness nativo. Advogados que têm acompanhado o trabalho dele dizem que o homem cultiva a imagem de que o Partido dos Trabalhadores seria uma gangue que viveria a sanguessugar o aparelho do Estado, com vistas a entregar tudo, em cacos, aos 'sindicatos'.

Segundo um desses advogados, que falou com a mídia independente no Brasil, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Moro é cercado por um punhado de Procuradores fanáticos, com pouco ou nenhum saber jurídico, que fazem pose de Antonio di Pietro (mas sem a solidez do Procurador milanês que trabalhou na Operação Mãos Limpas).

Ainda pior, Moro não dá sinais de preocupar-se com a evidência de que depois que o sistema político italiano implodiu, ali só prosperaram os Berlusconi. No Brasil, certamente se veria a ascensão ao poder de algum palhaço/idiota de bairro, elevado ao trono pela Rede Globo – cujas práticas oligopolistas já são bastante berlusconianas.

Pinochets digitais

Pode-se dizer que a blitz à moda Hollywood contra Lula guarda semelhanças diretas com a primeira tentativa de golpe de Estado no Chile, em 1973, que testou as águas em termos de resposta popular, antes do golpe real. No remix brasileiro, jornalistas globais fazem as vezes de Pinochets digitais. Mas as ruas em São Paulo já mostram graffiti que dizem "Não vai ter golpe" e "Golpe militar – nunca mais."

Sim, porque tudo, nesse episódio tem a ver com um golpe branco – sob a forma de impeachment da presidenta Rousseff e com Lula atrás das grades. Mas velhos vícios (militares) são duros de matar: vários jornalistas próximos da Rede Globo e ativos agora na Internet já 'conclamaram' os militares a tomar as ruas e "neutralizar" as milícias populares. E isso é só o começo. A direita brasileira está organizando manifestações para o próximo domingo, exigindo – e o que mais exigiriam? – o impeachment da presidenta.

A Operação Lava Jato teve o mérito de investigar a corrupção, a colusão e o tráfico de influência no Brasil, país no qual tradicionalmente a corrupção corre solta. Mas todos, todos os políticos e todos os partidos políticos teriam de ser investigados – inclusive e sobretudo – porque em todos os casos esses são corruptos conhecidos há muito tempo! – os representantes das elites comprador brasileiras. A Operação Lava Jato não opera igualmente contra todos. Porque o projeto político aliado aos Procuradores do juiz Moro absolutamente não está interessado em fazer "justiça"; a única coisa que interessa a eles é perpetuar uma crise política viciosa, como meio para fazer fracassar a 7ª maior economia do mundo, para, com isso, alcançarem seu Santo Graal: ou aquela velha suja 'mudança de regime', ou algum golpe branco.

Mas 2016 não é 1973. Hoje já se sabe quem, no mundo, é doido por golpes para mudar regimes.


*Jornalista brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputnik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Rede Voltaire e outros; é correspondente/articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Marco Aurélio Mello aponta para riscos de "estado de exceção" ao falar da Lava Jato


Foto: Nelson Jr./STF 
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, foi contundente (veja vídeo abaixo neste post) ao analisar as graves violações de direitos individuais não só na chamada Operação Aleteia, desencadeada na sexta-feira 4, contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como na operação Lava Jato de modo geral. Ele deu as declarações no programa Canal Livre (exibido na madrugada desta segunda-feira 7), da Band, em cuja banca, a bem da verdade, só se salva a colunista Mônica Bergamo.

Um dos principais pontos das mordazes avaliações de Marco Aurélio diz respeito a um ponto ao qual quase nenhum cidadão dá atenção. “E o mais sério: é que tudo se deu em relação a uma pessoa que, duas vezes, foi eleita pelo povo. O que se dará com um cidadão comum? O que nós poderemos ter amanhã ou depois quanto a este ou aquele acusado?”

Que cidadãos comuns ou leigos não entendam a importância desse raciocínio pode-se entender. Mas que supostos cultos jornalistas, empenhados em destruir reputações e direitos, finjam não enxergar o ovo da serpente, isso é imperdoável.

Veja abaixo alguns trechos importantes da entrevista  de Marco Aurélio (o vídeo está ao fim do post):

"E o mais sério: é que tudo se deu (na operação Aleteia) em relação a uma pessoa que, duas vezes, foi eleita pelo povo. O que se dará com um cidadão comum? O que nós poderemos ter amanhã ou depois quanto a este ou aquele acusado? Paga-se um preço, e é um preço módico, por se viver em um estado de direito: o respeito irrestrito às regras estabelecidas. Somente assim é que teremos dias melhores no Brasil. Que realmente se observe acima de tudo o devido processo legal."

"(...) Evidentemente o leigo talvez não perceba o alcance desse ato extremo, de conduzir alguém de baixo de vara sem que esse alguém antes tenha se recusado a espontaneamente, como cidadão, comparecer perante a autoridade judicial (...) Em Direito, o meio justifica o fim, mas não o fim ao meio. Eu não posso simplesmente, sob pena de adentrar o campo da exceção, do regime de exceção, simplesmente criar o critério que eu ache mais aconselhável, muito menos para se ter o efeito que se teve na sexta-feira, em termos de repercussão nacional, e também internacional." 

"(...) Se prende, se fragiliza o cidadão, para obter-se dele uma delação. Será que se coaduna com o princípio da dignidade humana? A meu ver, não. A delação deve ser um ato espontâneo, de quem queira colaborar com o Judiciário na elucidação dos fatos, e ter com isso quem sabe, já que o delator é um co-réu, ter a diminuição da pena futura."

"Nos vem da Constituição Federal o princípio da não-culpabilidade (...)."

"Que nós estamos com uma generalização de atos extravagantes, estamos (...) Nada justifica uma condução coercitiva sem que antes o cidadão tenha sido intimado mediante mandado e tenha deixado de atender ao chamamento judicial. Premissa da condução coercitiva sempre e sempre. A não ser que haja atropelos (...) E ainda me levam o conduzido para o aeroporto de Congonhas, para um local público."

domingo, 6 de março de 2016

Dilma Rousseff, Getúlio Vargas e as coincidências



Fotos: Lula Marques (Agência PT) e Reprodução
Ponto comum entre 1954 e 2016

Há um ano, postei no Facebook um artigo de F. William Engdahl, engenheiro (Princeton), pós-graduado em economia comparativa (Estocolmo), pesquisador de economia, geopolítica e geologia. No artigo, Engdahl chama a atenção para uma série de coincidências envolvendo o então (recém-confirmado nas urnas) segundo mandato de Dilma Rousseff e o interesse dos Estados Unidos em cercar e acabar com essa brincadeira de esquerda no poder no Brasil. O alerta de Engdahl está mais atual do que nunca. Mas, como sabemos, não existem coincidências na história.

Depois da condução coercitiva de Lula na sexta-feira (que alguns analistas viram como um ensaio), ao atropelo da lei e da Constituição, e as novas conclamações e insinuações para que as Forças Armadas façam valer o artigo 142 da Constituição, conforme "informações" colhidas por colunistas e porta-vozes das organizações Globo (Merval Pereira e Ricardo Noblat), o país chega ao alerta máximo. O objetivo é ao mesmo tempo derrubar Dilma (que colabora para a atual situação com um governo hesitante) e evitar que Lula sobreviva politicamente, custe o que custar.

Estamos cada vez mais próximos de 1954 (com o cerco a Getúlio Vargas) e a 1964 (o cerco a Jango). O cerco a Dilma e Lula parece uma triste e sinistra repetição da história. Mas, entre as datas 1954 e 2016, há um ponto em comum: a Petrobras. Por isso, 1954 e 2016 têm mais semelhanças entre si do que qualquer uma delas com 1964, apesar de o processo político ser muito semelhante entre as três.

No citado artigo, Engdahl chamou a atenção para uma coincidência envolvendo a visita do vice-presidente dos Estados Unidos ao Brasil, Joe Biden, em maio de 2013:

"Dilma Rousseff tinha uma taxa de popularidade de 70 por cento. Menos de duas semanas depois da visita de Biden ao Brasil, protestos em escala nacional convocados por um grupo bem organizado chamado 'Movimento Passe Livre', relativos a um aumento nominal de 10 por cento nas passagens de ônibus, levaram o país virtualmente a uma paralisação e se tornaram muito violentos. Os protestos ostentavam a marca de uma típica 'Revolução Colorida', ou desestabilização via Twitter, que parece seguir Biden por onde quer que ele se apresente. Em semanas, a popularidade de Rousseff caiu para 30 por cento."

Não sou eu quem fala, é F. William Engdahl.

Antes disso, lembra o analista de Princeton, Dilma "sobreviveu a uma enorme campanha do Departamento de Estado americano  para ganhar o segundo turno contra Aécio Neves, apoiado pelos Estados Unidos. No entanto, é já claro que Washington abriu um novo assalto contra um dos principais líderes do grupo de não-alinhados BRICS, das economias emergentes. (...) Livrar-se da presidente do Brasil é uma prioridade."

Disse ainda o analista, em artigo de novembro de 2014:

"A razão pela qual Washington quer se livrar de Rousseff é clara. Como presidente, ela é uma das cinco cabeças dos BRICS que assinaram a formação de um crédito de US $ 100 bilhões do Banco de Desenvolvimento. (...) Dentro do Brasil, ela é apoiada por milhões de brasileiros de baixa renda que foram retirados da pobreza por seus vários programas, especialmente o Bolsa Família, um programa de subvenção econômica para as mães de baixa renda e famílias. O Bolsa Família e as políticas econômicas de seu partido trouxeram um número estimado de 36 milhões de famílias a sair da pobreza via Rousseff, algo que cria apoplexia em Wall Street e Washington."

Concluindo: a operação Lava Jato, PSDB, entidades afins, a mídia e golpistas em geral só estão exercendo um papel secundário e auxiliar de uma política maior, segundo o raciocínio de Engdahl.

Leia aqui o artigo de F. William Engdahl, publicado logo após a reeleição de Dilma, em novembro de 2014: BRICS’ Brazil President Next Washington Target


quarta-feira, 2 de março de 2016

A Bolívia após dez anos de Evo Morales


Por Tatiana Fernández *

Seria correto afirmar que a Bolívia mudou muito com Evo Morales. Mas as razões das mudanças também são devidas a fatores regionais e globais que vão além da ação dos governos.


R Martinez c./ABI
Evo Morales é presidente da Bolívia desde 22 de janeiro de 2006

É como nas ondas gravitacionais. As forças que se movem produzem ondas que chegam a toda parte no espaço como no líquido. Na sociedade líquida essas ondas são mais nítidas, mas sempre funcionaram assim. 

Na arte, as “ondas gravitacionais” do que acontecia na Europa demoravam a chegar à América do Sul, "tudo aqui chega mais tarde", se dizia. E a gente protestava. Mas não nos perguntávamos se nós produzíamos eventos capazes de provocar ondas gravitacionais. Os eventos que aconteciam por aqui eram bloqueados, diminuídos, invisibilizados. A Bolívia de Morales provoca “ondas gravitacionais” que hoje chegam em outros lugares.

A confluência de eventos, entre eles o da internet, provocou mudanças em cadeia em toda parte. Evo Morales é parte de um momento de mudança e de visualização dos conflitos. Isso significa que ele é tanto um produto das lutas centenárias pela emancipação como produto dos abusos de poder dos colonizadores e neocolonizadores. Morales é produto da revolta.

Entendo que todo evento tem vários lados. Não podemos colocar tudo dentro de uma categorização só. A afirmação mais simples e verdadeira pode parecer um pensamento dadaísta: a Bolívia de Morales mudou em muitos aspectos, para bem e para mal, mas a Bolívia de Morales não mudou em muitos aspectos, para bem e para mal.

As cidades cresceram com o crescimento da economia. Há uma participação enorme dos indígenas nas decisões, mas também há indígenas que são barrados dessa participação, ou, que protestam contra as decisões que são tomadas porque afetam suas comunidades, como é o caso do TIPNIS (ver aqui toda a história).

A indústria da construção cresceu, os carros, as lojas e os luxos se multiplicaram. Chegaram os shoppings, o consumismo e tudo que a globalização provoca. Bom? Ruim? Depende do quê e para quem. Soube que o McDonald’s está planejando voltar. Muita gente gostou e muita outra achou uma desgraça.

Mas muita gente concorda que as cidades do altiplano mudaram seu visual. A cidade de La Paz agora tem um aspecto futurista com as cabines do Mi Teleférico, que transitam pelos ares de uma montanha a outra. Como um metrô aéreo.  E é um sistema de transporte público.


Linha Vermelha do Mi Teleférico conecta La Paz e El Alto/Foto: en.wikipedia.org

A maior cidade satélite altiplânica, El Alto, que antes era toda de tijolo aparente, agora veste as mais extravagantes fachadas e interiores que competem com Gaudí nos projetos do arquiteto Freddy Mamani. É o estilo "Neo-Andino", também conhecido como "cholet" (de chola e de chalet), que exibe o orgulho das raízes indígenas, revela um gosto híbrido entre a tradição e as novas tecnologias e evidencia a riqueza econômica dos comerciantes indígenas. Detalhe: as garagens dos prédios não são para carros, são para caminhões; o primeiro andar é para comércio, o segundo salão de festa, o terceiro e quarto apartamentos para alugar e o último para construir a casa do dono do prédio. Uma casa sobre cada edifício.


Freddy Mamani, Fachada de edifício em construção. Foto: http://blog.salinasanchez.com


Freddy Mamani, Salão de festa em El Alto/Foto: www.dara.org.ar

Vi que as escolas públicas estão melhores, os estudantes têm uniformes mais bonitos, mais dignos.  Recebem um bônus anual (não mensal, como escreveu algum jornalista brasileiro, ver aqui: Portal Unesco) para estudar sem grandes dificuldades. Há uma reforma educativa em marcha que preza uma educação produtiva e anticolonizadora. Mas há questões dentro da própria reforma que são conservadoras e até de matriz colonial. É o caso da arte na educação, que é dirigida à produção, mas sempre conservando a visão contemplativa e técnica da arte e do artesanato. E agora ,para dar aula na educação básica, seja pública, privada ou de convênio, é necessário ser graduado da Escuela Superior de Formación de Maestras y Maestros, a Normal de hoje, ou passar por uma formação de um ano no modelo educativo sociocomunitário produtivo que promove o governo. Assim, eu, como artista licenciada, não poderia dar aula. Por isso, dentro da própria mudança, que é boa, muitas coisas não mudam ou mudam para pior.

Viajando no "trufi" (transporte de carro que faz um percurso definido, diferente do táxi que vai onde quiser e do minibus e ônibus em que vai muita gente) escutava o rádio que continua tocando música pop dos anos 60 e 70 (Los Iracundos, Palito Ortega, Rafael, Leonardo Fabio, etc). Nos anos 80 isso parecia com o problema de que "tudo chega mais tarde". Mas nos 90 cheguei a pensar que essas músicas eram as preferidas dos bolivianos. Agora, em 2016, me parece que há algo na Bolívia que permite conservar certas práticas que, em outros lugares, não se consegue devido à força das ondas gravitacionais do que acontece no mundo. Algo sempre é diferente na Bolívia.

Muitas coisas mudaram para bem e para mal, como em todo lugar. Mas na Bolívia muitas coisas ainda teimam em permanecer iguais, indefinidamente... Isso também é bom em muitos aspectos, mas em outros, como a corrupção, que não mudou quase nada, não.

A única agente de trânsito, mulher, "a choca" (loira para os bolivianos, ela é loira pintada) que era conhecida como a mais temida agente em La Paz, porque não aceitava nenhuma insinuação de corrupção, desapareceu das ruas. Dizem que enviaram ela a Santa Cruz e lá ela foi atropelada por um carro; que a polícia, integralmente constituída por homens de origem indígena, nem pagou sua internação e suas cirurgias. As pessoas esqueceram dela. Ninguém queria um agente não corrupto no departamento do trânsito, não é?

Uma tarde, uma jovem artista boliviana me contou dos seus planos com um grupo de artistas jovens para mudar a situação da arte na Bolívia. Parecia que eu estava me escutando, me vendo no começo dos anos 90. Fiquei pensando em quanto as coisas não mudaram, mas isso também é devido à roda da vida que volta novamente ao mesmo ponto. O que mudou então na Bolívia? Muita coisa mudou para o bem de muitos cidadãos, mas isso não significa que chegamos ao paraíso. Mas quem diz que queremos sempre chegar ao paraíso, não é?





*Tatiana Fernández, artista plástica, doutora em Arte e professora do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Arte da Universidade de Brasília (UnB)