domingo, 29 de setembro de 2013

Portuguesa espetacular, Corinthians em crise e medíocre Santos é o melhor paulista no Brasileiro


Se a Portuguesa já foi destaque na semana passada, ao derrotar o Internacional no Sul por 1 a 0, o que vamos dizer hoje, quando aplicou a sonora, eu diria ensurdecedora goleada de 4 a 0 no Corinthians de Tite no estádio Morenão, em Campo Grande (MS). Por que em Campo Grande? Porque o clube da zona leste da capital foi punido, junto com o Vasco da Gama, pela pancadaria protagonizada pelas torcidas dos dois times no dia 25 de agosto, no empate de 1 a 1 no Estádio Mané Garrincha, em Brasília.
(**Erramos: ao contrário do que eu disse acima, o jogo foi em Campo Grande porque, devido a problemas financeiros, a Portuguesa "vendeu" o mando de campo do clássico contra o Corinthians, que seria no Canindé, a um grupo de empresários. "Erramos" à parte em relação a esse jogo da Portuguesa, ressalte-se que o Corinthians foi realmente punido devido à pancadaria do jogo contra o Vasco.* Por conta disso, seu próximo jogo, que seria no Pacaembu, contra o Bahia, quarta-feira, será realizado em Mogi Mirim.)



A última vez que a Lusa goleara o rival da capital por 4 a 0 foi no longínquo 29 de maio de 1968, pelo campeonato paulista.

A Lusa dá uma boa respirada e chega a 11° lugar, com 31 pontos, ficando a 6 pontos da zona do rebaixamento, já que o Criciúma, 17°, o primeiro dos quatro que cairiam hoje, tem 25. A Portuguesa ganhou uma gordurinha oportuna, pois pega na próxima rodada o líder Cruzeiro, e pode perder sem precisar se desesperar.
  
Impressionante a Portuguesa, assim como é impressionante a espetacular queda do Alvinegro do Parque São Jorge desde maio, quando o recém-campeão mundial conquistou o Paulistão e ainda contava com o camisa 8 Paulinho no time. Só há uma explicação, que se ramifica em duas: (1) o ciclo de Tite acabou e (2) o elenco quer derrubar o treinador.

A derrota do São Paulo pro Grêmio, por 1 a 0, em pleno Morumbi, se deu graças ao goleiro Dida, que pegou até vento, e ao golaço de Vargas para os gaúchos aos 22 do segundo tempo. E o tricolor paulista volta a beirar o abismo, em 16° lugar, com 27 pontos, só 2 à frente do 17° Criciúma.

E o Santos, como era mais do que esperado, perdeu para o Atlético-MG no Independência, por 3 a 1.

Outra coisa impressionante neste Brasileirão 2013 é que o Santos, com sua campanha medíocre, hoje em 9° lugar, ainda consegue ser o melhor time paulista no campeonato. A seguir vêm Portuguesa (12°), Corinthians (13°), São Paulo (16°) e Ponte Preta (19° e penúltima colocação).

Pelo andar da carruagem, pela primeira vez em não sei quantos anos, o futebol paulista não colocará nenhum representante no G4. O Corinthians ainda disputa uma vaga à Libertadores porque está na Copa do Brasil. Mas aposto 10 contra 1 que não levantará a taça nem que a vaca tussa.

E o futebol de São Paulo terminará 2013 de maneira lamentável. Bem feito.

***

*O asterisco no primeiro parágrafo era só pra colocar esta nota lembrando que (não vou citar o nome) um dos 12 corintianos presos na Bolívia acusados de matar o jovem Kevin Espada, recentemente soltos, participou da pancadaria com torcedores do Vasco no dia 25 de agosto, no Estádio Mané Garrincha.

Quer dizer, o marginal que participou da arruaça que culminou na morte do menino na Bolívia estava fazendo nova arruaça... em Brasília! E ainda há quem defenda esse tipo de criminoso.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O filho da promessa



Pessoal, estou lançando um pequeno romance, de 88 páginas, intitulado O filho da promessa, pela editora Paulinas.

O livro inaugura a coleção Ponto de Encontro, e já está no mercado (por enquanto, no site da editora).

Não vou me alongar falando de meu próprio livro. Como diria Borges, o julgamento da obra não depende do autor, mas dos leitores e das gerações, e portanto do tempo.

Reproduzo abaixo a sinopse do livro publicada no site da editora, que está neste link.

Neste romance temperado por um clima de suspense, o leitor será conduzido por Miguel, um homem sem fé, que acredita na ciência e nas coisas que se podem entender sob a luz da razão e da lógica. Mas, durante mais uma jornada diária de andanças profissionais pela cidade de São Paulo, um aparente acaso abala suas convicções.

Na plataforma do metrô, enquanto aguarda a chegada do trem, Miguel tem a incômoda sensação de que um homem o observa e se depara com seu olhar penetrante, irradiando algo inefável. Os dois começam a conversar e, num breve e fortuito diálogo, o homem de aparência semita diz ser descendente de uma dinastia que remonta à Galileia de dois mil anos atrás e que seus antepassados fazem parte da história contada por Mateus, no Novo Testamento.

Com palavras e previsões enigmáticas, o homem afirma que o encontro no metrô não é casual: ele está ali para transmitir a história que Miguel contará – uma missão que, depois de cumprida, revelará o "testamento".

Miguel não dá muita importância ao ocorrido, mas, aos poucos, as palavras do misterioso personagem começam a se impor e ele é tomado por uma obsessão inexplicável. Que testamento é esse? Que história deverá ser contada? Quem é esse homem misterioso que mais parece um fantasma ou alucinação? 

Na busca por respostas, uma transformação vai ocorrendo em seu íntimo. Vitória, sua esposa, não percebe a mudança, mas sua inconsciente interferência será fundamental para o desfecho do mistério que tem a ver com a devoção popular a São Judas Tadeu, de quem Miguel é afilhado por promessa de sua mãe.

Documentos sugerem que presidentes militares comandavam centros de tortura


Publicado originalmente na Rede Brasil Atual


A ideia de “porões da ditadura” para definir locais ocultos onde se torturava e matavam os opositores do regime militar e militantes de esquerda é falsa, segundo constatação da Comissão da Verdade estadual de São Paulo. Em audiência realizada hoje (20) na Assembleia Legislativa, a comissão apresentou documentos em que fica claro que o aparato da repressão funcionava com base numa cadeia do comando e num organograma de Estado.

A oitiva “Os ditadores, o sistema de repressão política e a cadeia de comando” teve a participação dos presidentes da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog (da Câmara Municipal paulistana), o vereador Gilberto Natalini (PV), e da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso.

Segundo as pesquisas desenvolvidas pela comissão paulista, o sistema que começava no estado de São Paulo, por exemplo, funcionava a partir da Operação Bandeirante (OBAN) e chegava ao ditador, o presidente da República. A OBAN se reportava ao Destacamento de Operações de Informações (DOI), e a cadeia de comando seguia na sequência: Centro de Operações de Defesa Interna (Codi), chefia do Estado Maior do Segundo Exército, Estado Maior das Forças Armadas, Sistema Nacional de Informações (SNI) e, por fim, presidente da República.

Segundo o coordenador da comissão paulista, Ivan Seixas, o estudo e a sistematização dos aparatos repressivos demonstram claramente que “o torturador não está num porão, mas no sistema, através do qual ele se reporta por fim ao ditador, chamado Presidência da República”.

A comissão paulista pretende desmontar a visão segundo a qual torturadores e assassinos da ditadura (1985-1964) cometiam excessos não autorizados pelos comandos e pela alta patente da República.

“Porões dão a ideia de algo escondido, sem controle. A partir de agora vamos começar a trazer documentos para mostrar que não era nada por acaso, mas vinha do gabinete do presidente da República”, diz Adriano Diogo, presidente do colegiado.

Não foi por acaso, por exemplo, que o governador de São Paulo Roberto Abreu Sodré e seu secretário de Segurança Pública, Hely Lopes Meireles, foram os dois principais organizadores da Operação Bandeirante, lançada oficialmente em junho de 1969.

“Eram os homens de confiança do presidente da República que assumiam os órgãos públicos”, afirma Diogo. Um dos mais renomados é Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi, órgão do Segundo Exército, por quatro anos (1970-1974). Ele comandava seções de tortura pessoalmente.

USP

No âmbito do estado de São Paulo, o sistema de espionagem passava pelos órgãos vinculados ao governo, entre os quais um dos mais caros ao regime era a Universidade de São Paulo.

Um documento apresentado pela Comissão da Verdade mostra a participação direta do gabinete da reitoria da USP no monitoramento de atividades acadêmicas e eventos políticos de iniciativa de então jovens lideranças.


Clique na foto para ampliar
Documento mostra relação da reitoria da USP com SNI


O documento “Confidencial” trata de informações de atividades relacionadas à Semana dos Direitos Humanos e data de 24 de novembro de 1975. O reitor da USP na época era Orlando Marques de Paiva.
No cabeçalho, pode-se ver o trâmite das informações que passam pela DSI (Divisão de Segurança e Informação) do Ministério da Educação e SNI. Cada ministério tinha uma DSI.

“No período de 10 a 15 de novembro de 1975, realizou-se a Semana de Direitos Humanos na Igreja de São Domingos, situada na rua Caiubi- 164-Perdizes-SP”, diz o documento. A seguir, lista as entidades que promoveram o evento, quase todas grêmios estudantis. Mas a relação inclui a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.

A comissão da verdade mostrou um documento da Marinha, datilografado, em que se define o Sistema Nacional de Informações (Sisni) como “o conjunto de órgãos destinados a produção de informações em proveito da política de segurança e da política de desenvolvimento do país”.

Segundo o documento, o Serviço Nacional de Informações (SNI), “o órgão de cúpula do Sisni, tem como clientes principais” o presidente da República, “em primeira prioridade”, o Conselho de Segurança Nacional e sua Secretaria-Geral. Eram considerados “clientes eventuais do SNI” o poder Judiciário e o poder Legislativo.

*Publicado em 21 de set de 2013 às 03:04

domingo, 22 de setembro de 2013

Lusa é destaque da 23ª rodada do Brasileiro. E o Santos (apesar da torcida) se aproxima do G4


A Lusa foi a Novo Hamburgo (RS) e lá bateu o Internacional por 1 a 0. Quem diria. Certamente o destaque da rodada. Com os 3 pontos, a Portuguesa do técnico Guto Ferreira (quem?) dá uma escapada da zona de rebaixamento e chega a 28 pontos, a uma honrosa 14ª colocação no Brasileiro. Entre os paulistas, à frente de São Paulo (15°, 27 pontos) e Ponte Preta (19°, 22), e atrás de Santos (7°, 32 pontos) e Corinthians (11°, com 31). Brava Lusa.

Veja o gol da Lusa contra o Inter:



O segundo destaque da rodada é o Santos. E, por contraste, sua insuportável torcida. Apesar de no início do campeonato ser considerado candidato ao rebaixamento, em meio a uma crise política, técnica e no meio de uma reformulação, órfão de Neymar, o time comandado por Claudinei Oliveira vem se superando, contra todas as previsões contrárias.

Disputadas 23 rodadas (60%) do campeonato, o time do jovem treinador de 44 anos, responsável pela base e pelo time campeão da Copa São Paulo de Futebol Junior de 2013, é o melhor colocado entre os paulistas. Tem ainda um jogo a menos, que será realizado quarta-feira na Vila Belmiro, contra o lanterna Náutico. Se ganhar (o que deve ocorrer), o Santos estará em 5° lugar, com 35 pontos, à beira do G-4, a apenas 4 pontos do claudicante Grêmio de Renato Gaúcho. 

E mesmo assim, vejo santistas reclamarem que Claudinei Oliveira é "técnico de time pequeno", que o time jogou "como pequeno" na Vila na vitória de 2 a 1 sobre o Criciúma hoje... 


Enfim, a torcida do Santos é muito chata. Não sei o que acontece. Sei muito bem o que é ver o Santos jogar na Vila Belmiro e portanto posso dizer sem medo de errar: o santista é aquele que aos 15 minutos do primeiro tempo, se o time enfrenta dificuldades e não agrada, já está vaiando. Vaia até quando ganha. Ao contrário de palmeirenses e corintianos, que empurram o time mesmo nas dificuldades, o santista joga contra. É um dos torcedores mais chatos que há.

Acho que Claudinei tem que ser apoiado por quem se diz santista. Ele simboliza um Santos que busca a renovação, que tem tentado colocar os meninos pra jogar, mesclando com os jogadores mais experientes que tem à disposição. Mesmo com todas as dificuldades e as cobranças, após assumir o time de Muricy Ramalho com seu salário de R$ 700 mil, Claudinei vai tocando. Está bem na tabela. Está bem na fita. E os santistas reclamando. Impressionante.

Bando de loucos

Outra coisa impressionante é a revolta do "bando de loucos" contra Tite. O "fora Tite" invadiu as redes sociais. Torcida organizada entra no clube com o beneplácito da diretoria do clube para cobrar o elenco e o treinador, que há pouco mais de um ano era campeão da Libertadores e há 9 meses campeão do mundo. 

O empate contra o cada vez mais líder Cruzeiro por 0 a 0, hoje, seria um resultado normal para o time de Tite num clássico nacional como esse, mas na atual conjuntura foi um resultado ruim. 

A última vitória do Corinthians no Brasileiro foi dia 1° de setembro, 4 a 0 contra o Flamengo. Depois foram quatro derrotas e dois empates: perdeu para Inter, Botafogo, Ponte Preta (todos fora) e Goiás (no Pacaembu), e empatou com Náutico e Cruzeiro (ambos no Pacaembu). Que fase!, como diria Milton Leite.

Mas é preciso notar que o caso corintiano é diferente do santista num ponto fundamental: o time da Baixada está no início de um processo, enquanto o Timão, ao contrário, no fim de um ciclo. Ambas as torcidas estão insatisfeitas. Na minha opinião, os santistas reclamões têm bem menos razão do que os corintianos.

São Paulo de Muricy

Já Muricy Ramalho perdeu hoje sua primeira partida após a volta para seu amado São Paulo, para o Goiás, por 1 a 0, no Serra Dourada. Derrota normal, visto que o Goiás tem tradição e nunca é um adversário fácil de enfrentar. O professor Muricy vai ter que trabalhar bastante. Seu tricolor está em 15° lugar, só 3 à frente de Vasco e Criciúma, que estão dentro do Z-4, a zona da degola.

É um desafio interessante. Pois Muricy é um treinador que baseia seu jogo na defesa. Vamos ver como ele supera a dificuldade de ter de atacar, fazer gols e vencer, para não cair.

sábado, 21 de setembro de 2013

Notícias da semana: Chico Buarque (Genoino), Celso de Mello e papa Francisco


Vale a pena registrar três notícias desta semana, duas das quais (1 e 2) relacionadas. São notícias que mereciam postagens específicas, mas não tive tempo nos últimos dias.

1 - Chico Buarque de Hollanda aderiu ao abaixo-assinado em favor de José Genoino no contexto da semana em que o STF terminaria a apreciação dos embargos infringentes. Por isso, Chico foi objeto de ataques e xingamentos nas redes sociais.


Pensando em todo o circo armado no ano passado, com o julgamento coincidindo com as eleições municipais, interessante notar que o resultado de 6 a 5 pelos infringentes acabou fazendo lembrar a letra de uma velha canção (Jorge Maravilha) do próprio Chico, assinada pelo pseudônimo Julinho da Adelaide, que diz: “nada como um dia após o outro dia”.

Recomendo o texto do João Peres, da RBA, sobre o assunto: O dia em que Chico Buarque virou Geni

2 - Com seu voto de Minerva, o ministro Celso de Mello decidiu pela admissibilidade dos embargos infringentes na Ação Penal 470, o que possibilita a revisão de aspectos do julgamento do que a mídia chama de mensalão.

José Cruz/ABr


Apesar dos estridentes protestos da “opinião pública” sedenta de punição a qualquer preço, ecoando a mídia, Mello deu uma aula de Direito constitucional. Como disse o jurista Luiz Moreira em entrevista a Conceição Lemes, sobre o julgamento:

Qual é a pressuposição do ordenamento jurídico no Brasil? É que o Supremo Tribunal Federal é o tribunal que garante os direitos fundamentais.

“E garantir os direitos fundamentais – diz o regimento do Supremo — significa que, se em uma ação penal houver quatro votos pela absolvição, esses réus fazem jus a um novo julgamento. Isso ocorre para que se forme uma maioria consistente, de modo que o Tribunal se posicione inequivocamente pela condenação dos réus.

“(...) manda a tradição humanista do ocidente que se proceda à absolvição dos réus se houver dúvidas sobre a sua culpabilidade, se não estiverem cabalmente comprovadas as acusações.”

Mello votou com Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Os votos vencidos foram dos ministros Joaquim Barbosa (relator e verdugo), Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello.

(A entrevista de Luiz Moreira na íntegra está aqui). 


3 - O papa Francisco manifestou esta semana um posicionamento que aponta para mudanças importantes na maneira como a igreja encarna certos tabus, como sobre a homossexualidade e o aborto. Depois do papado dos reacionários João Paulo II e Bento XVI, o Vaticano aponta para uma visão de mundo mais próxima do século XXI.

Não sou ingênio. Claro que a Igreja sabe que se não mudar e evoluir, ela vai acabar. Mas, seja como for, as declarações do papa são bem-vindas.

Disse ele, por exemplo (dirigindo-se a gays, mulheres que abortaram ou se separaram dos companheiros):

"A religião tem o direito de exprimir sua opinião própria a serviço das pessoas, mas Deus na criação nos fez livres: a ingerência espiritual na vida das pessoas não é possível."

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Cálculos políticos e o fator Eduardo Campos


O governador pernambucano Eduardo Campos, do PSB, está desembarcando do governo. É uma das notícias a serem mais comemoradas pela oposição, senão a mais importante, em 2013, fora a efêmera queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff após as manifestações de junho, queda que foi também de governadores como o paulista Geraldo Alckmin, devidamente omitida pelas manchetes. Mas, como mostram as mais recentes pesquisas, Dilma voltou a subir no conceito popular e as manchetes agora ganham a colaboração de Campos.


Elza Fiúza/Agência Brasil
Eduardo Campos (ao fundo) tenta se cacifar para 2018?

O governador do PSB dá ânimo às ainda inconsistentes esperanças tucanas para 2014, na medida em que, supostamente, segundo cálculos tucanos, dividirá parte do eleitorado de Dilma e poderá, junto com Aécio Neves e Marina Silva (se esta conseguir registrar seu partido ou uma legenda que a receba), forçar a realização de um segundo turno.

O problema é que cálculos políticos estão longe da matemática. Na política, muitas vezes 2 + 2 não é = 4. O lance de Eduardo Campos em si era até certo ponto esperado. No final de março, portanto há quase seis meses, conversei com o deputado petista Ricardo Berzoini para uma matéria e já então ele me disse: “Acho que Eduardo tende a ser candidato. Ao que tudo indica, ele aposta que, sendo candidato agora, coloca o nome no quadro nacional e tem a oportunidade de se divulgar nacionalmente, tendo em vista 2018. Ele se coloca agora para já estar na cena nacional em 2018”.

Só que, com a mesma frieza com que via os movimentos do governador, Berzoini não achava à época (e acredito que continua não achando) que os votos de Campos virão do eleitorado de Dilma assim como num passe de mágica, como aposta a oposição. “O governador de Pernambuco vai disputar tanto o voto da base do governo como também os votos do Aécio. Pelo perfil dele, pela necessidade de ficar, digamos, numa zona cinzenta entre situação e oposição. Ele não tem como dizer que é oposição porque participou como ministro e governador apoiado por Dilma e Lula. Não tem como dizer que é situação porque, se fosse situação, seria só apoiar a Dilma.” Bingo.

Fora essa encruzilhada, Campos também enfrenta forte oposição dentro de seu próprio partido. Cid Gomes, por exemplo, governador do Ceará, irmão de Ciro Gomes, já manifestou com toda a ênfase possível que desaprova a ambição para ele prematura do colega de Pernambuco e sua justificativa é baseada em raciocínio semelhante ao de Berzoini em março. Cid apoia Dilma e diz que irá com ela até 2014.

Campos enfrentar Dilma no Nordeste, onde ela tem a esmagadora maioria herdada de Lula, vai ser uma tarefa inglória. E ainda pesará sobre ele a pecha de “trairagem”, termo que Cid Gomes teria usado para se referir aos chefes de seu partido, do qual Eduardo Campos é o presidente.

De resto, o governador de Pernambuco tem ainda um tempo para refletir se apostará nessa empreitada de curto prazo que, a longo prazo, pode lhe custar bastante caro. 

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A pentelhação do canto do sabiá – de novo



Postei há dez meses um texto sobre a natureza, em que falo, entre outras coisas, da irritação que me provoca às vezes certas espécies de pássaros cantando, sobretudo o sabiá. Como neste setembro de 2013, primavera chegando, parece que virou moda falar do assunto, reproduzo trechos do texto do ano passado.

Reprodução/Wikimedia Commons
Sou daqueles que nunca mataram passarinho quando moleque. Desse ponto de vista, sempre fui politicamente correto...

[Os passarinhos] São muito bonitinhos e tal, mas quando um sabiá dá de ficar cantando aquele som repetitivo (os sabiás começam a cantar no meio da madrugada, entre 3 e 4 da matina) que parece um relógio, é impossível dormir, quando por acaso sua hora de dormir coincide com o despertar deles.

E o joão-de-barro? Que passarinho incrível, essa criaturazinha que canta (meio caoticamente, mas canta) e constrói. Aqui onde moro tem ninhos de joão-de-barro. São incríveis. Mas de manhã são irritantes. Do nada, explode de repente um estardalhaço que mais parece um despertador. Dura alguns segundos.

Isso irrita (se é fim de semana ou feriado), pois não era pra você acordar, mas aí você lembra que é sábado e pode voltar a dormir, dá um suspiro, vira de lado, ajeita o travesseiro e... de repente, mais um bombardeio sonoro dos joões-de-barro. Os intervalos entre os bombardeios variam. Dá pra ter uma ideia do som que eles fazem neste link (é obviamente editado, pois os intervalos entre as explosões de canto na realidade são maiores): canto do joão-de-barro.

Mas o bem-te-vi é curioso. Ele nunca é chato.

E as baitacas, tão brasileirinhas? São verdadeiramente escandalosas e irritantes. Quando elas começam, você tem de parar de assistir ao filme a que está assistindo, de ler o livro que está lendo. Mas pelo menos são diurnas. Começam a cantar (gritam!) todas ao mesmo tempo, em bandos, voando ou nas árvores. Dura alguns minutos, e depois pára. Como o alvoroço das baitacas não dura muito, não chegam a irritar tanto. Mas as baitacas me parecem neuróticas. “Neurótico é você”, diria Freud talvez. Ok, reconheço que baitacas berrando em bando é melhor do que seres humanos buzinando com seus carros em todos os lugares de São Paulo.

Tirando essas coisas mais estúpidas como "cidadãos" (na verdade energúmenos) buzinando seus automóveis (ou seus cérebros), passarinhos às vezes são chatos, sim.

A natureza é a mata, as lindas praias, o canto dos pássaros e as aves de rapina, o lobo, o tigre, o barulho do mar e o próprio mar, mas é também às vezes a pentelhação do canto do sabiá.

sábado, 14 de setembro de 2013

José Dirceu e Celso de Mello – uma foto com três planos


A foto de capa da Folha de S. Paulo desta sexta-feira, 13, merece um prêmio. Uma grande foto (uma imagem vale mais do que mil palavras).


Foto: Marlene Bergamo/Folhapress (clique para ampliar)

José Dirceu no segundo plano (pois o primeiro é a janela) e, ao fundo, em imagem de TV, em terceiro plano, o ministro Celso de Mello, que na próxima quarta-feira, 18 de setembro, proferirá o voto de minerva sobre os embargos infringentes que podem permitir que o caso da AP 470 ganhe um rumo diferente do pretendido por Joaquim Barbosa e o império midiático.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A morte de Allende e o golpe no Chile há 40 anos, por Pablo Neruda



Reprodução
Salvador Allende (1908-1973) *


Pablo Neruda, em Confesso que vivi (Confieso que he vivido):

"Escrevo essas rápidas linhas para minhas memórias há apenas três dias dos fatos inqualificáveis que levaram à morte meu grande companheiro, o presidente Allende. Seu assassinato foi mantido em silêncio, foi enterrado secretamente, permitiram apenas à viúva acompanhar o imortal cadáver. A versão dos agressores é que acharam o seu corpo inerte, com mostras visíveis de suicídio. A versão que foi publicada no exterior é diferente. Após o bombardeio aéreo vieram os tanques, muitos tanques, para lutar intrepidamente contra um só homem: o presidente da República do Chile, Salvador Allende, que os esperava em seu gabinete, sem outra companhia a não ser seu grande coração envolto em fumaça e chamas.

Não podiam perder uma ocasião tão boa. Era preciso metralhá-lo porque jamais renunciaria a seu cargo. Aquele cadáver que foi para a sepultura acompanhado por uma única mulher, que levava em si mesma toda a dor do mundo, aquela gloriosa figura morta ia crivada e despedaçada pelas balas das metralhadoras dos soldados do Chile, que outra vez tinham atraiçoado o Chile." (Tradução: Olga Savary)

Nota: Pablo Neruda morreu apenas 12 dias depois dos fatos acima narrados ocorridos em 11 de setembro de 1973, sobre o golpe do Chile e a morte de seu amigo Allende. A morte de Neruda até hoje não foi esclarecida. Não se sabe se o poeta morreu de câncer ou envenenado.



*Atualizado à 0:41 de 13/09/2013, com imagem enviada via comentário pelo amigo chileno-brasileiro Daniel Razón

O Santos de Aranha e Claudinei, o São Paulo de Muricy, Neymar e os imbecis


Divulgação/SFC
Pegando tudo
Não vi, pois estava trabalhando, mas o que vale é que, jogando com Aranha, Cicinho, Edu Dracena, Gustavo Henrique e Emerson; Alison, Alan Santos (Renê Júnior), Cícero e Leandrinho (Renato Abreu); Giva (Everton Costa) e Thiago Ribeiro, o Santos de Claudinei Oliveira bateu o Internacional em Novo Hamburgo (RS) por 2 a 1, ontem. E a sorte está ajudando: vi os gols, e Renato Abreu, aquele, entrou no segundo tempo e, na primeira bola que tocou, batendo uma falta, fez o segundo gol do time. Aranha está pegando até pensamento e fazendo a torcida esquecer Rafael...

Nada mau para um time dado como candidato ao rebaixamento, que passou por crise recente, com queda (bem-vinda) de Muricy Ramalho, afastamento do presidente e capacidade dos jovens valores de superar as dificuldades colocada em xeque.

O primeiro turno termina com o Peixe em 7° lugar, com 28 pontos, e uma ressalva: deve ainda um jogo, adiado quando da viagem a Barcelona, contra o Náutico. Considerando que o time pernambucano está quase rebaixado faltando metade do campeonato, e que o Santos tem tudo para vencer esse jogo, o 19° e último que ainda tem de realizar para completar a tabela, o Alvinegro da Vila terminaria a primeira fase do torneio com 31 pontos, em 5° lugar, um à frente do mesmo Inter e do badalado Corinthians, que, aliás, empatou com o próprio Náutico no Pacaembu domingo passado, numa zebra que eu teria errado se jogasse na Loteria Esportiva, o que mostra que “futebol  é uma caixinha de surpresas etc.

Seja como for, o Santos vem de três vitórias e uma derrota, sendo dois triunfos fora de casa ( 2 a 0 sobre o Fluminense e 2 a 1 contra o Inter), um na Vila (1 a 0 contra o sempre perigoso Goiás) e uma derrota esperada para o Atlético-PR em Curitiba.

Nada mau, como disse acima.

Muricy volta para casa

A volta de Muricy Ramalho (“bom filho à casa torna”) ao São Paulo era a notícia mais esperada do século. Eu, que não sou nem jornalista esportivo, já previa isso, como é testemunha uma amiga são-paulina a quem, pessimista com o futuro do time (“vai cair pra segundona”)  eu disse há quase três semanas: “não se preocupe, o São Paulo vai demitir Autuori e contratar Muricy, que vai acabar salvando”. 

O futebol de Muricy é horrível, mas a levantada de que o time precisa, a injeção de ânimo, vai livrar o time do rebaixamento, acredito. Embora eu tenha ouvido de um são-paulino ao saber da contratação do treinador: "ninguém merece".


Neymar e os imbecis

E a seleção de Felipão? O que seria dela sem Neymar, que arrebentou com o jogo ontem, na vitória de 3 a 1 contra Portugal, fazendo um daqueles golaços que os santistas estávamos acostumados a comemorar? 

O lamentável foi ouvir, de jornalistas euro-subservientes e toscos cujos nomes nem vale a pena citar, que Neymar demonstrou ontem estar mais consciente, mais encorpado, ganhou até dois quilos depois que foi para o Barcelona, e por isso tudo está rendendo mais na seleção! Meu Deus, como tem imbecil neste mundo.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

74% dos brasileiros apoiam o Mais Médicos


A matéria abaixo é auto-explicativa.

Marcello Casal Jr/ABr


A maioria da população brasileira é favorável à contratação de médicos estrangeiros por meio do Programa Mais Médicos. Pesquisa divulgada hoje (10) pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) revela que 73,9% dos entrevistados apoiam o programa. 

Os dados revelam que 49,6% dos entrevistados acreditam que o programa solucionará problemas graves relacionados à saúde no país. Para 34,7% dos entrevistados, o serviço vai melhorar nos próximos seis meses.

A pesquisa da CNT aponta que os índices de aprovação do Programa Mais Médicos contribuíram para a recuperação da popularidade da presidenta Dilma Rousseff e do governo que, em julho, tiveram índices mais baixos.

Nesta edição, foram entrevistadas 2.002 pessoas, em 135 municípios de 21 estados, entre os dias 31 de agosto e 4 de setembro.
(Da Agência Brasil)

Leia também:



domingo, 8 de setembro de 2013

A conjunção da Lua com Vênus


Há fotos melhores na rede. Mas essa foi feita com uma câmera digital básica da janela do escritório aqui em casa. A conjunção da Lua com Vênus no início da noite de hoje.

Claro que a foto não poderia mostrar, mas olhando pela janela via-se, acima dessa conjunção, Saturno, num brilho mais apagado, e mais acima ainda, soberana, quase a pino no céu noturno, a constelação de Escorpião pairava na escuridão, como a observar a magnífica conjunção do distante sistema solar onde nós estamos.

Foi uma coisa linda de ser ver.


Foto: Carmem Machado



quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Pensamento para sexta-feira [46] – A classe média segundo Marilena Chaui


A fala que se segue é da filósofa Marilena Chaui, às vésperas da eleição municipal do ano passado, no comitê da educadora Selma Rocha, então candidata a vereadora pelo PT, que não se elegeu. Eu estive nesse evento e um ano depois aqui está, para quem não viu.





Padilha explica o Mais Médicos no Congresso: “Não estamos trazendo para cá o regime cubano”



Luis Macedo/ Câmara dos Deputados (clique para ampliar)
Ministro da Saúde falou ontem(4) na comissão geral da Câmara

Na sua participação na comissão geral da Câmara dos Deputados ontem (4), para debater e esclarecer no Parlamento o programa Mais Médicos, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, demonstrou com números alguns motivos pelos quais fica claro que o corporativismo, o preconceito e também os enormes interesses político-econômicos que giram em torno do assunto são muito menores do que a magnitude do problema a ser combatido e da realidade brasileira. Afinal, não é a saúde eleita ano após ano como o principal foco das campanhas eleitorais demagógicas que infestam o horário eleitoral gratuito?

De fato, os interesses em torno da indústria da medicina são imensos. "Hospitais, equipamentos de alta tecnologia, ambulâncias, clínicas particulares, planos de saúde, laboratórios farmacêuticos, laboratórios de análises, tudo é uma grande rede financeiro-industrial que gira azeitada", como lembra o companheiro João Paulo Soares no blog semgoverno.

Mas a realidade é outra nos grotões e nas periferias. O Brasil tem 1,8 médico por mil habitantes. Isso mesmo, menos de 2 médicos a cada milhar de cidadãos. Na Argentina esse índice é de 3,2, no Uruguai 3,7, isso para falar de nossos hermanos sul-americanos, que têm índices muito parecidos com o da poderosa Alemanha (3,6) e de Portugal (na foto acima, há alguns outros dados).

Padilha informou também que, nos últimos 10 anos, foram criadas 146 mil vagas para primeiro emprego formal, mas foram formados apenas 93 mil médicos. Há 701 municípios no Brasil sem sequer um médico. Isso significa que 12,6% das cidades do país não contam com nenhum doutor. A população estimada dessas cidades é de 12 milhões.

Diante desse quadro, a oposição se vê diante de uma encruzilhada. Vai combater a Medida Provisória 621 e arcar com o prejuízo político? Por outro lado, o Mais Médicos é um programa que terá repercussões sociais inegáveis, e portanto trará votos.

Em seu discurso na Câmara, o ministro da Saúde também separou com muita segurança a questão ideológica da social. “Não estamos trazendo para cá o regime cubano”, disse. “Precisamos pensar acima de tudo na população e nos profissionais de saúde”, disse Padilha. O médico é sobretudo um especialista em gente”, afirmiu, quando foi aplaudido no Plenário. “Não sei em que código de ética se baseiam alguns médicos – que acredito serem grupos isolados – com a reação que tiveram [contra o programa federal]”.

Ele esclareceu também, para quem não sabe, que o acordo entre Brasil e Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS), que possibilitou a vinda dos profissionais cubanos, é o mesmo que os assinados com outros 58 países do mundo. Alguns deles da União Europeia. “Não existe nenhum paralelo de trabalho escravo nas missões externas do trabalho médico de Cuba.”

“Alguém acha que a União Europeia permitiria trabalho escravo em Portugal? Lá, até o presidente do sindicato dos médicos defendeu a presença dos cubanos, como forma de garantir a presença de médicos em áreas rurais”, falou o ministro.

2014

Padilha deve ser o candidato do PT ao governo de São Paulo em 2014. Está se cacifando. Precisamos ver se sua ação humanitária e condizente com um governo que faz do Estado um ente que privilegia o bem público, e não o privado, surtirá efeito ante a população reacionária do Estado governado há 18 anos pelo tucanato, estado onde prevalece a ideologia do individualismo e do privado como superior ao público. E se conseguirá também vencer o esforço midiático, que será sistemático, contra a possibilidade de ele se eleger e finalmente pôr fim à dinastia emplumada de Alckmin, Serra, Covas e companhia.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

“Superpotência moral”? Dá um tempo



Gideon Levy
Gideon Levy * - Haaretz
(publicado originalmente, no Brasil, no Carta Maior)


Um exercício de honestidade (e de duplo padrão de julgamento): o que aconteceria se Israel usasse armas químicas? Os Estados Unidos também afirmariam que iriam atacar? E o que aconteceria se os Estados Unidos mesmo tomasse essas medidas? É verdade, Israel jamais usaria armas de destruição em massa, embora as tenha em seu arsenal, exceto sob circunstâncias extremas. Mas o país já usou armas proibidas pelo direito internacional – fósforo branco contra a população civil em Gaza, bombas de fragmentação no Líbano – e o mundo não levantaria o seu dedo. E seria preciso poucas palavras para descrever as armas de destruição em massa usadas pelos Estados Unidos, das bombas nucleares no Japão ao Napalm no Vietnã.

Mas a Síria, é claro, é um outro assunto. Afinal de contas, ninguém pode seriamente pensar que um ataque a Síria sob o regime do Presidente Bashar Assad repousa em considerações morais. 100 000 mortos nesse país infeliz não convenceram o mundo a se coçar para tomar uma atitude, e apenas o informe da morte de 1400 por armas químicas – o qual não foi provado de maneira conclusiva – está persuadindo o exército da salvação mundial a agir.

Tampouco alguém poderia suspeitar que a maioria dos israelenses que apoiam o ataque – 67% de acordo com a pesquisa encomendada pelo jornal Israel Hayom – são motivados pela preocupação com o bem estar dos cidadãos sírios. No provavelmente único país do mundo em que uma maioria da opinião pública apoia um ataque, o princípio que o orienta é completamente estrangeiro: ataque aos árabes; não importa por que, apenas o quanto – muito.

Ninguém pode seriamente pensar que os Estados Unidos é uma “superpotência moral”, como Ari Shavit o definiu nas páginas deste jornal. O país responsável pelo maior derramamento de sangue desde a Segunda Guerra Mundial – alguns falam em algo como 8 milhões de mortos em suas mãos – no sudeste da Ásia, na América do Sul, Afeganistão e Iraque – não pode ser considerado “uma potência moral”. Nem o pode o país no qual um quarto dos prisioneiros do mundo estão encarcerados, em que o percentual de prisioneiros é maior do que na China e na Rússia; e onde 1342 pessoas foram executadas – cumprindo pena de morte – desde 1976. 

Até a afirmação de Shavit, de que “A nova ordem internacional que emergiu após a Segunda Guerra Mundial foi pensada para assegurar...que o cenário de horror e morte por gás não se repetisse” está desconectado da realidade. Na Coréia, no Vietnã, no Camboja, em Ruanda e no Congo, assim como na Síria, essa afirmação infundada pode somente causar um sorriso azedo.

O ataque assim seria um Iraque II. Os Estados Unidos – que nunca foram punidos pelas mentiras do ataque Iraque I e pelas centenas de milhares de mortos em vão nessa guerra - dizem que uma guerra similar deveria ser lançada. Mais uma vez, uma cortina de fumaça, com evidência parcial, e com linhas vermelhas traçadas pelo próprio presidente Barack Obama, e agora ele é obrigado a manter a sua palavra. Na Síria, uma guerra civil cruel se aproxima e o mundo deve tentar barrá-la; o ataque americano não fará isso.

Informes da Síria são aparentemente sobretudo tendenciosos. Ninguém sabe o que exatamente está acontecendo, ou a identidade dos mocinhos e dos bandidos, se assim podem eles ser definidos. 

Devíamos escutar as sábias palavras de uma freira da Síria, a Irmã Agnes-Mariam de la Croix, que se queixou para mim, ao longo do fim de semana – do mosteiro em Jerusalém onde ela estava ficando, a caminho de volta da Malásia para a Síria – a respeito da imprensa mundial. A Irmã Agnes – Mariam descreveu o quadro de maneira diferente da maior parte da imprensa. Há uns 150 000 jihadistas na Síria, ela diz, e eles são os responsáveis pela maior parte das atrocidades. O regime de Assad é o único que pode barrá-los, e a única coisa que o mundo deve fazer é parar de fornecer-lhes militantes e de armá-los. “Eu não entendo o que o mundo quer. Ajudar a Al-Qaeda? Criar um estado jihadista na Síria?”. 

Essa madre superiora, cujo mosteiro está localizado numa via que vai de Damasco a Homs, está certa de que um ataque americano só fortalecerá os jihadistas. “É isso o que o mundo quer? Um outro Afeganistão?”.

Talvez o mundo saiba o que quer, talvez não. Mas uma coisa agora parece clara: um outro ataque dos Estados Unidos poderá se tornar um outro desastre.

*Gideon Levy é jornalista judeu-israelense, do jornal Ha'aretz
Tradução: Katarina Peixoto.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Obama, o caipira de Taubaté, a Síria e a espionagem



Apesar de algumas vozes acharem que o governo brasileiro e, particularmente, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foram muito cautelosos sobre a questão da espionagem norte-americana, na minha modesta opinião o tom adotado por Cardozo foi adequado.

Relembrando: segundo documentos vazados pelo ex-analista da NSA Edward Snowden, a presidente Dilma Rousseff foi espionada pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos, que tiveram acesso a conversas telefônicas e e-mails trocados por Dilma com dezenas de assessores.

“Agora vêm informações que, se confirmadas, são muito graves. Violam a soberania do país. São violações à privacidade de nossa chefe de Estado e dos cidadãos brasileiros, que deve ser defendida de forma intransigente pelo Estado brasileiro”, disse Cardozo.

O que os mais esquerdistas (ouvi alguns) queriam? Que o Brasil rompesse relações diplomáticas com os Estados Unidos? Bem, acho que o Brasil já ultrapassou a adolescência histórica.

*******

Enquanto isso, os Estados Unidos estão prestes a atacar a Síria. "O que tem a ver o cu com as calças?", perguntaria um caipira de Taubaté, por exemplo (mas o linguajar seria outro: "que que tem a vê o cu cas carça?"). Ora, tem tudo a ver.

Os EUA são o xerife do mundo. Obama é o Pat Garret do momento. A diferença entre Obama e Bush é apenas a porcentagem de melanina na pele.

Fico a pensar: o que fará a Rússia diante da concretização de um ataque à Síria, que, junto com o Egito (Estado hoje desmantelado por um golpe militar), tem sido ao longo das últimas décadas a grande ameaça geopolítica e militar ao sionismo? (ressalva: o Egito de Mubarak, domesticado, esteve ao longo dos últimos 40 anos a serviço de EUA/Israel, enquanto a Síria sempre se manteve na aliança oposta, com a Rússia e o anti-sionismo).

E a gigantesca e silenciosa China, que, como a Rússia, faz parte do Conselho de Segurança permanente da ONU?

É possível que o mundo esteja na iminência de ter de refazer suas fronteiras. Alguma coisa, na verdade muita coisa, está fora da ordem. E algo vai acontecer.