sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Em minha cidade há um rio



Water Lilies and Japanese Bridge (Claude Monet)


Em minha cidade há um rio de pequeno porte onde pescava e nadava quando adolescente.
Hoje o rio está podre devido ao crescimento urbano lançando esgoto em suas águas.

Às vezes ele revive, em ocasião de grandes chuvas, ao inundar e invadir suas margens e ruas com água bastante para limpar a atual podridão.

Nas pescarias de garoto meu sonho nunca realizado era pescar um grande piau, peixe raro e bonito que pouco aparecia nas águas de Mimoso do Sul. Eis que tempos depois, já adulto, fui de novo pescar em nosso rio com meu filho Frederico ainda criança de uns 9 anos.

Levei uma bacia em que pretendia colocar vivos e nadando os peixes pescados, mais para divertir Frederico.

Eis que, surpreendentemente, pesquei o tal piau sonhado. Era grande e lindo, nunca antes visto desse tamanho, o bastante para compensar meus frustrados desejos de adolescente.

Com todo o cuidado, tirei o peixe do anzol. Levei para a bacia, onde ele permaneceu vivo e hábil, admirado por nós.

Voltei a pescar, orgulhoso, ainda sem bem saber o que fazer com o piau...

...se o levava para casa, campeão exibindo a meus irmãos esse meu fruto da pescaria conquistado ou se retornava o peixe para as águas do rio.

Frederico resolveu o impasse. Com seus nove anos de vida nascente, ao me perceber distraído de volta à pescaria, pegou o piau com suas pequenas mãos e, quando vi, lá estava o belo peixe de novo nadando vivinho em seu reino fluvial, salvo e livre, restando-me, em casa, contar prosa, numa conversa de pescador sem provas... foi o que aconteceu e o que fiz...

...hoje certo de que desde então meu filho se preparava para ser médico, pois é o que é, salvando vidas.

domingo, 18 de setembro de 2016

Os rios são lindos, mas são traiçoeiros e matam


"Viver é muito perigoso"
(Riobaldo - Guimarães Rosa, em 
Grande Sertão: Veredas)



O rio São Francisco: belo e traiçoeiro, como todos os rios

A trágica morte do ator Domingos Montagner no rio São Francisco me fez pensar em duas coisas. Uma diz respeito à condição humana na sua relação com a natureza. A outra tem a ver com uma experiência pessoal.

A condição humana
Como diz povo do interior, você nunca entra no mesmo rio duas vezes. Um rio muda. Ontem ele era um, hoje é outro. A correnteza, os galhos, as pedras e o acaso se aliam numa espécie de complô da natureza contra o qual o ego, nossa teimosia em dominar a natureza, não pode nada. O ser humano sempre terá a impressão de que a natureza está sob seu domínio, mas não está. Não existe nada mais traiçoeiro do que as águas dos rios.

Lamento pela morte de Montagner, que, pelos relatos, era uma pessoa bacana. Mas a verdade é que os rios matam. Não se esqueça disso.

Uma experiência pessoal
Tive uma experiência com rio que poderia ter me custado muito caro. Estávamos na cidade de Barra Bonita, à beira do rio Tietê, onde você pode nadar (pelo menos era assim há uns dez anos). Havia uma pequena ponte de madeira de onde os meninos mergulhavam no rio, numa algazarra alegre típica de criança.

Vendo aquilo, decidi ir até a pontezinha e também dar um mergulho. Não era uma ponte de uma margem a outra, claro, porque o Tietê é bastante largo. Era uma espécie de pinguela ligando dois braços de terra. A altura da ponte de madeira às águas do rio era bem pequena, uns dois metros apenas. Animado, cheguei à ponte onde havia vários meninos de 12 a 15 anos do lado direito. Do lado esquerdo, célere, quase imediatamente saltei pra mergulhar. Nesse momento, no lapso de uns dois segundos entre o salto e o mergulho, eu ouço a voz de um menino dizendo: 

– Aí nããããããoo!!

A frase bateu diretamente no meu corpo. Num reflexo, eu fiz o que se pode chamar de uma arremetida (como se diz na aviação), e ao invés de mergulhar estiquei o máximo que pude os braços para cima e entrei na água de barriga. 

Ao voltar do mergulho abortado, dentro do rio, um rapaz de uns 16 anos nadou até mim e perguntou preocupado:

– Tudo bem, véio? 

– Tudo – respondi. 

É que eu tinha saltado justamente do lado da ponte em que era muito raso e cheio de pedras, tipo a um metro ou menos da superfície. Não fosse aquela vozinha de criança ("Aí nããããããoo!"), eu poderia ter quebrado a mão ou os braços, a cabeça, a coluna cervical ou mesmo ter morrido. Por sorte, aquele menino agiu como um anjo da guarda.

Por isso, eu sempre digo. Cuidado com o rio, se você não o conhece. E mesmo se pensa que conhece.

Por que votar em Fernando Haddad em poucas palavras





Indo direto ao ponto: por mais respeitável que seja o voto em Erundina, a divisão dos votos de esquerda em São Paulo pode levar a um cenário digno de desespero: Dória e Russomanno no segundo turno. A cidade será privatizada e se tornará o império da polícia definitivamente. Nem é o caso de falar aqui de políticas desenvolvidas por Fernando Haddad ou por erros políticos de sua gestão. A questão de por que votar no prefeito é mais séria do que isso.

A necessidade de autoafirmação de setores da esquerda brasileira é histórica e levou o país a diversas tragédias. Para ficar num exemplo: na eleição presidencial de 1989, o orgulho do PT e de Lula e sua falta de humildade auxiliaram enormemente o projeto da direita de eleger Fernando Collor. O único candidato capaz de derrotar Collor na época era Brizola. Lula, ainda um neófito em eleição presidencial, foi presa fácil para Collor e sua madrinha Rede Globo no segundo turno.

Hoje, na capital paulista, o Psol tem papel equivalente ao do PT na eleição nacional de 1989. Os votos da brava Erundina, com seus supostos 5% (segundo o Datafolha), seria capaz de decidir a ida de Haddad ao segundo turno. Acho até que Erundina tem mais do que 5%. Seja como for, uma pena que não fecharam acordo com o compromisso de governar juntos em caso de eventual vitória petista no segundo turno.

Mas já que Luiza vai manter a candidatura até o fim, já que o que vale são as vaidades e projetos individuais, não há opção a não ser o voto útil em Haddad.

Como me disse o cientista político Vitor Marchetti, da UFABC, hoje: “Não tem muito cabimento discutir se o voto útil deve ser admitido ou não. No processo, o eleitor raciocina e começa a avaliar, no cenário, quem tem mais chance. O voto útil é sempre uma estratégia válida.”

Esta semana, o escritor Fernando Morais pediu maturidade, ou seja, união de PT e Psol para evitar que dois candidatos de direita cheguem ao segundo turno em São Paulo. “Estamos correndo o risco de entregar as duas maiores cidades do país aos golpistas. Está na hora do PT e do Psol se entenderem”, disse, em referência também ao Rio de Janeiro. Na capital fluminense, o PT não tem candidato e apoia Jandira Feghali, do PCdoB, que está na mesma situação de Erundina em São Paulo. Patina em cerca de 5%, mas seus votos seriam decisivos para levar Marcelo Freixo, do Psol, ao segundo turno. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Crônica sobre o golpe – a República de bananas e a esperança



Algumas sementes vão virar árvores

Comentei ontem no Facebook achar engraçado que, por ingenuidade ou falta do que falar, as pessoas perguntavam na semana passada, ironizando: “Cadê a Lava Jato?, cadê o Moro?, cadê, cadê???”

Para os incautos que parecem não compreender o que se passa no país, a resposta veio ontem, com a denúncia do procurador Deltan Dallagnol contra Lula, baseada em uma apresentação tosca de powerpoint que culminou com a já histórica frase: “Não temos como provar, mas temos convicção”.

Como disse o Kiko Nogueira , parece que definitivamente “transformaram o Brasil no Paraguai”.

A verdade é que não se pode mais prever aonde chegaremos na história desta triste República de Bananas.

Mas, realmente, só os incautos (“que ou o que não revela malícia; crédulo, ingênuo” – Michaelis) poderiam esperar algo diferente em relação a nossas instituições. Na semana passada, o escritor Fernando Morais, em entrevista, afirmou: “Só um idiota completo pode imaginar que Globo, Fiesp, extrema direita, Folha, Estado, Editora Abril, Ministério Público, Policia Federal vão fazer o que fizeram para entregar a presidência da República de bandeja pro Lula de novo”.

No mesmo dia 31 em que o espetáculo farsesco do impeachment no Senado derrubou Dilma Rousseff, conversei com o velho socialista Roberto Amaral, que vaticinou: “para se precaver, no que for possível, tentarão destruir o Lula. Destruir o Lula como imagem, como símbolo, até destruí-lo como político, com essas tentativas de processá-lo para ver se até 2018 conseguem uma condenação que o afaste do processo eleitoral. Isso é um jogo tão evidente, as cartas estão tão claramente postas na mesa que eu não entendo que possa haver qualquer dúvida”. A entrevista está neste link .

Outra figura que tem o estranho hábito de teimar em compreender a conjuntura e interpretar os sinais é o sociólogo Laymert Garcia dos Santos, de quem tive o privilégio de ser aluno na PUC-SP, lá se vão anos. Em novembro do ano passado, num evento na Assembleia Legislativa, ele disse que a sociedade está “enfeitiçada” pela manipulação da mídia. “Só as versões se tornam realidade, ao ponto de as pessoas não saberem mais o que é real e o que não é.”

Em março (mais de um mês antes de o impeachment passar na Câmara), em entrevista que fiz com ele, Laymert disse: “Não acho que o fascismo vai vir, ele já está aqui”. Acrescentou: “Estamos vivendo uma espécie de fascismo de rua, mas ele é concomitante com toda uma argumentação jurídica que está sendo construída, que é ilegal e inconstitucional, uma ruptura com o regime democrático e com os princípios da Constituição. Estamos vendo a construção disso tudo, através das violências jurídicas e do estabelecimento de uma nova jurisprudência, entre aspas, que lembra muito o tempo do fascismo” (a entrevista de março está aqui).

Precisamos deixar de ser crédulos. Eu deixei de clamar "Não vai ter golpe" em 17 de abril de 2016, quando daquele espetáculo dantesco na Câmara dos Deputados, que manchou a história do Brasil. O golpe foi ali, sob o comando de Eduardo Cunha, que só caiu quando não interessava mais.

É preciso reconhecer que a esquerda não está unida, como alguns fingem acreditar, e entender que é preciso bem mais do que a esquerda se unir pela democracia. É preciso a união de todos os democratas do país, de Jean Wyllys a Kátia Abreu, dos socialistas aos liberais progressistas. Não tem outra saída.

Em 26 de agosto, no decorrer do espetáculo de teatro no Senado, a senadora Gleisi Hoffmann, dirigindo-se ao presidente do STF que presidia a sessão, Ricardo Lewandwski, manifestou a angústia que milhões de brasileiros hoje sentem: “Não querem sequer que tenhamos direito à indignação? A quem vamos recorrer? Será que vamos poder recorrer ao Supremo Tribunal Federal quando a nossa Constituição é vilipendiada?”

O que se pode acrescentar a essa justa manifestação de indignação de Gleisi?

Talvez só haja uma esperança, e ela está dentro de uma frase que Lula disse hoje em seu discurso para se defender das acusações do Ministério Público: "Essa meninada que evitou o Alckmin de fechar escolas, que está vindo para as ruas para reivindicar democracia, essa meninada é o Lula multiplicado por milhões”.

O amigo José Arrabal, da geração que, como Laymert, sofreu as mazelas do regime militar, também vê motivos de otimismo na geração que vem por aí, e acredita numa nação simbolizada "em Dilma e em Rafaela Silva, a campeã olímpica da Cidade de Deus”, como disse no dia do golpe no Senado (aqui).
A esperança é essa: que as sementes (como o menino da foto deste post) deem frutos. “Para ver que algumas sementes chegam a árvores”, como escreveu minha amiga Camila Claro em dedicatória que fez num livro pra mim, em 2002, e lá se vão 14 anos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Bem-vindos ao admirável Brasil novo


Anselmo Cunha / Mídia NINJA
"Neblina de gás lacrimogênio nas ruas de Porto Alegre"  (1°/09/2016)

“Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.”

A frase é do agora não mais interino presidente da República, Michel Temer, ao tomar posse ontem, em cerimônia no Congresso Nacional. É a mesma frase protocolar proclamada por todos os presidentes. Seja Castelo Branco, seja Lula.

Mas na boca de Temer soa conforme a expressão usada por Laymert Garcia dos Santos, na entrevista de ontem: "A palavra precisa com relação ao que aconteceu com Dilma e o julgamento é: ignomínia” (leia aqui).

O professor Roberto Amaral, com quem também falei ontem, dia 31 de agosto de 2016, que vai ficar marcado como a data da ignomínia, disse: “Temer não é um sujeito do processo histórico, não é um ator, é um mamulengo. Está aí em função de uma contingência e uma necessidade”.

O professor Amaral disse mais: “Vemos o comportamento do governo de São Paulo (de Geraldo Alckmin-PSDB). Vemos as notícias de repressão às manifestações contra o golpe. Todas as aparências vão ser quebradas. Não há mais necessidade de aparências”.

Em manifestação em São Paulo contra o golpe parlamentar na noite do dia 31, a aluna da Universidade Federal do ABC Deborah Fabri, do Levante Popular da Juventude, foi atingida por estilhaços de bomba e hoje se confirmou que a jovem perdeu a visão do olho esquerdo.

Ao responder minha pergunta sobre que país espera a partir de agora, Roberto Amaral disse: “Minha expectativa é de um país em conflito”. 

E assim chegamos ao Admirável Brasil Novo.