Mostrando postagens com marcador Histórias do Esporte. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Histórias do Esporte. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A cidadania e as comunidades, por enquanto, estão fora da Copa do Mundo no Brasil

Por falta de tempo, não comentei aqui a excelente série de reportagens da ESPN Brasil sobre a situação das comunidades afetadas pelas obras da Copa do Mundo no Brasil, no sempre imperdível programa Histórias do Esporte, que vi num dos dias de carnaval.

As oportunidades de “progresso”, pelo que se deduz da reportagem, se restringem praticamente aos donos do capital que investem no mercado imobiliário e nas grandes obras viárias nas cidades que sediarão a Copa.

“A segunda Copa no Brasil será dos Brasileiros? Deixará legados aos brasileiros?”, questiona a reportagem na introdução, com locução do ótimo Luis Alberto Volpe.

Reprodução
Crianças na zona Leste de São Paulo: elas terão direito a quê?


“Em Manaus, o direito mais elementar é desrespeitado”, diz a matéria, mostrando uma líder comunitária questionando o “nosso” dinheiro investido em obras de estádio. Imaginem, para que servirá uma super-arena em Manaus passados os 30 dias da Copa? Em Brasília, outra arena fantástica para 70 mil pessoas que depois será um elefante branco. Quem jogará lá? Brasiliense e Gama?

Higienização

No Rio de Janeiro, o projeto de higienização urbana que vitima as pessoas mais simples é mais cruel, pela magnitude e simbolismo do futebol na Cidade Maravilhosa, o que realça a enorme contradição entre interesse público e “interesse público”. Orlando S. Junior, sociólogo, diz à ESPN Brasil que o processo é um desrespeito à dignidade humana e não tem a menor transparência. A comunidade não é nem consultada nem participa das decisões que promovem a “limpeza” para retirar a população humilde de onde mora. “A gente não consegue nem dormir”, diz Nadia Datsi, sobre as máquinas praticamente em seu quintal, com medo de que “a qualquer momento” a polícia apareça para despejar os moradores.

Ainda no Rio, defensores públicos (os advogados do povo) estão afastados do contexto, sob a omissão do governo federal.

Em Fortaleza, há um campinho de uns moleques que jogam bola em seu bairro. Justamente esses, que são o símbolo da riqueza ludopédica do Brasil, serão expulsos, pois o campinho da comunidade Montese está na rota do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e de suas casas. É um triste paradoxo. Logo ao lado deles, há um motel, mas este não está ameaçado.

No local, muitas pessoas vivem há 60, 70 anos. Esses verdadeiros degredados, diz o governo do Ceará, serão indenizados e “receberão um imóvel dentro do programa Minha Casa Minha Vida quitado pelo governo do Estado”, como se pode ver em matéria de Nicolau Soares para a Rede Brasil Atual. Será? A verdade é que a população dessas comunidades de Fortaleza está desorientada e sem informação sobre seu destino.

São Paulo e Cuiabá

Em São Paulo, a população vai sofrer o preço do progresso. Não tanto pelas obras do estádio do Corinthians em si, mas pelas obras do entorno e as adequações urbanas necessárias para que o mundo veja a Copa do Brasil com imagens de “boniteza”, como disse de maneira tão pungente um morador humilde de Itaquera à reportagem da ESPN Brasil. Essa população terá imóveis do Minha Casa, Minha Vida?

Em Cuiabá (MT), as obras estão adiantadas, mas igualmente há pouca transparência e quase nenhum “controle social”. “Tem gente que não quer estádio, mas saúde.” A líder comunitária Francisca Xavier ironiza: “Eles dizem que é em benefício do povo”. O secretário extraordinário da Copa na cidade, Eder de Moraes, responde com uma frase emblemática: “Não podemos focar o interesse público em uma pessoa, que age em causa própria”.

Esta é uma total inversão de valores, que confunde o interesse público de fato (o que está no artigo 5° da constituição) com interesses privados focados no retorno, em lucro, das centenas de milhões de reais investidos. A mensagem que mais me marcou na matéria televisiva foi isso: justamente esses meninos cujos campinhos serão eliminados do mapa, em Fortaleza ou São Paulo, são aqueles que mais deveriam ser incentivados, seja com projeto como os CEUS que Marta Suplicy fez na capital paulista, seja com investimentos em esportes mesmo, que lhes dessem outra opção para serem cidadãos que não fossem as ruas.

E assim caminham as obras para a Copa do Mundo no Brasil.

Este post é também fruto da necessidade de fazer uma revisão, no mínimo um intervalo para reflexão, em relação ao que escrevi aqui no post sobre o Itaquerão, em agosto de 2010. E olha que eu nem falei aqui sobre a questão jurídica, a tal Lei Geral da Copa, que é outro assunto.

Você pode ver alguns vídeos da série de reportagens da ESPN Brasil clicando neste link