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quinta-feira, 23 de maio de 2013

A história da execução do jovem casal Abi-Eçab pelo coronel Freddie Perdigão Pereira em 1968



Foto: Marcelo Camargo/Abr 

Esse senhor da foto chama-se Valdemar Martins de Oliveira. Era soldado do Exército e, segundo depoimento que prestou na Comissão da Verdade estadual de São Paulo, em 8 de novembro de 1968 ele testemunhou a execução do casal Catarina Abi-Eçab e João Antônio dos Santos Abi-Eçab pelo coronel Freddie Perdigão Pereira, um dos mais notórios monstros da ditadura brasileira que vigorou de 1964 a 1985.

João Antônio e Catarina, de 25 e 21 anos de idade respectivamente, eram estudantes de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e eram militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Eu tenho coberto, profissionalmente, algumas audiências públicas da Comissão da Verdade presidida pelo deputado Adriano Diogo e presenciei uma das audiências da comissão municipal de São Paulo. Das que vi, o depoimento do soldado Valdemar Martins de Oliveira foi a mais marcante e impressionante, apesar de ter visto uma outra que abordou o sofrimento de pessoas que na época da repressão eram crianças e tiveram experiências terríveis.

Segundo a versão policial na época, o casal Abi-Eçab morreu em decorrência de explosão de bombas que carregava no veículo em que viajavam na BR-116, no km 69, próximo a Vassouras (RJ). Outra versão dava conta de que eles foram vítimas de um acidente: seu automóvel teria se chocado contra a traseira de um caminhão. Os jovens eram acusados de terem participado da execução do capitão do Exército norte-americano Charles Rodney Chandler, em 12 de outubro de 1968.

O senhor Valdemar Martins de Oliveira contou o seguinte:  “Chegamos na rua Hipólito da Costa (localizada no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro), onde os jovens estavam. Pouco tempo depois eles voltaram com o casal algemado e com esparadrapo grosso na boca. Na Estrada da Cascatinha tiraram o casal do carro batendo neles.”  Um dos homens da operação, chamado Miro, cujo sobrenome Oliveira afirmou não saber, foi chamado de covarde pela prisioneira Catarina Abi-Eçab. “Então ele deu um soco nela, e ela desmaiou.”  Valdemar relatou que depois a equipe se dirigiu para um sítio em São João do Meriti em alguns carros. Ao chegar ao tal sítio, João Antônio e Catarina Abi-Eçab estavam muito machucados. “Eles já estavam sem reação. Bateram muito neles. Depois deitaram eles no chão (num cômodo da casa do sítio) e o coronel Perdigão  então disse: ‘Esses aí não servem para mais nada’. Aí ele deu um tiro na cabeça de cada um”. Perguntado por um dos jornalistas presentes se se lembrava da arma utilizada, ele respondeu: “Lembro, sim. Era um Colt 45”.


Catarina e João Antônio, assassinados em 8/11/1968

“Eles não estavam envolvidos (na morte do capitão Rodney Chandler), mas era preciso dar satisfação aos Estados Unidos, então saíram como loucos procurando culpados e muita gente pagou com a vida.”
Além do depoimento chocante, minucioso, que, segundo o deputado Adriano Diogo, foi o primeiro de um membro do Exército testemunhando à comissão uma execução, foi impressionante ver aquele homem falar de tudo aquilo, a riqueza da história. Ele contou que após ter concluído o curso de paraquedismo, foi recrutado pelo comando e passou a ter aulas que se revelaram ser uma doutrinação anticomunista. “Nessas aulas era ensinado também tirar fotos, seguir pessoas, montagem de explosivos.” Foi incumbido de fotografar atos políticos promovidos por organizações e militantes de esquerda. Assim foi parar na equipe responsável pela operação.

Ele passou a discordar daqueles métodos. “Não vamos ser hipócritas, o exército existe para matar. Mas daquele jeito, bater em pessoas amarradas, indefesas. Achei errado. Usaram o uniforme do Exército para fazer aquelas coisas ruins”, disse Valdemar.

Percebendo que o então jovem recruta discordava daquilo, homens o visitaram em sua casa. “Eles me agrediram, me quebraram o braço e bateram em minha mãe” (nesse momento do depoimento ele chorou, e pediu desculpas às pessoas). Então Valdemar contou que resolveu desaparecer. Morou um tempo no Chile, entre 1970 e 1971.

Além do famigerado coronel Perdigão, ele deu outro nome que estava na operação: o sargento paraquedista Guilherme Pereira do Rosário, que morreu em 30 de abril de 1981 no frustrado e suposto atentado do Riocentro, no Rio de Janeiro. Já se comprovou que o coronel Perdigão participou do planejamento do atentado ao Riocentro. Valdemar disse que não descarta a possibilidade de o caso do Riocentro ter sido uma farsa para eliminar, como queima de arquivo, o sargento Guilherme Rosário, que morreu, e o então capitão Wilson Dias Machado, que sobreviveu e hoje é coronel.

Muito tempo depois, ao tentar resolver sua situação junto ao 27° Batalhão de Paraquedistas em Juiz de Fora, o soldado Valdemar descobriu que nos anais do Exército seu nome constava como desertor. Ele conseguiu um habeas-corpus e voltou a ser soldado em 1998. “Eu tinha 45 anos e era um recruta, fiquei assim por dois anos. Em 1999 fui licenciado e estou assim até hoje.” Uma decisão da Justiça o isentou de qualquer crime. O coronel Freddie Perdigão Pereira morreu em 1997. Teve também ligações comprovadas com a chamada Casa da Morte, em Petrópolis, onde presos políticos eram torturados e executados.

Valdemar Martins de Oliveira disse que ainda teme pela sua segurança, inclusive pelo seu depoimento na Comissão da Verdade. “Vou pagar caro”, declarou. “Tem pessoas que hoje usam farda e, com uma mão, batem na mesa; com a outra, seguram o AI-5.”

Em outro momento volto a falar mais um pouco sobre outros depoimentos a que assisti. O acima relatado vi na semana passada, mas não tive tempo de comentá-lo aqui antes.


Leia também: Em 1° de abril começou a ditadura no Brasil e a de Franco na Espanha


domingo, 28 de novembro de 2010

Viva o Rio de Janeiro!

Para meu amigo e compadre José Arrabal

A imagem de um menino filmado no alto (não lembro se de um prédio, uma laje, um apartamento) com a palavra Paz pintada em branco em seu corpo, pra mim, resume o momento histórico do dia de hoje, 28 de novembro de 2010. A reação da comunidade do Alemão demonstra, com gestos cabais, que o socorro foi bem vindo.

A união de forças estaduais e federais (PM, Bope, Marinha, Exército e Aeronáutica) revela que a operação de “resgate do território” foi muito bem planejada. O crime achou que o terrorismo praticado contra a população nas últimas duas semanas ficaria por isso mesmo. Deu-se mal.


A operação desencadeada pelo governo do Rio de Janeiro apoiado pelo governo federal foi republicana, e por isso mesmo histórica. Nesse sentido, não tem precedentes. É uma ação definitiva.

Não houve o derramamento de sangue que muitos temíamos.

Claro que, sabemos bem, a questão não está resolvida.

Claro que só com educação e cultura as pessoas (nos morros do Rio ou nas favelas de São Paulo, Salvador, Recife etc) vão ser cidadãs de fato, vão prescindir do crime. Mas esse horizonte, que deve ser perseguido com obstinação, dará frutos no longo prazo. O que acontece hoje é que o Estado não podia recuar. As tropas não foram enviadas por um governo fascista. Foram enviadas pelo governo Lula.


Claro que, como disse Felipe num comentário em post abaixo, "a miséria é uma fábrica de traficantes". Mas Dilma Rousseff ganhou a eleição porque um dos maiores frutos dos 8 anos de Lula foi justamente a sensível diminuição da miséria. A vitória de Dilma foi a vitória da cidadania, que se reflete no que está acontecendo no Rio, algo que há 20 anos muitos de nós, oprimidos pela desesperança, não imaginávamos que fosse possível.

O trabalho é de longo prazo. A consolidação da cidadania está em marcha. É preciso entender que vontade política ganha batalhas. É preciso que as pessoas entendam o que está acontecendo.

Uma batalha foi ganha. A guerra ainda não.

Viva o povo do Rio de Janeiro!