sábado, 19 de agosto de 2017

Para não esquecer – a final do Campeonato Brasileiro de 2002, o último que teve graça


Na era dos pontos corridos, é bom lembrar de quando o Campeonato Brasileiro tinha graça, já que hoje o Brasileirão não interessa a não ser para "se classificar para a Libertadores".

Na época de ouro do boxe, era costume a gente (todo mundo) se referir a um grande combate como "a luta  do século". No futebol, como no boxe, isso é discutível, claro. Depende do ponto de vista.

Mas não importa. O "jogo do século"  aconteceu no dia 15 de dezembro de 2002, no Morumbi, quando o Santos bateu o Corinthians por 3 a 2 e sagrou-se campeão brasileiro depois de 18 anos sem ganhar um título importante. Foi o último campeonato antes da era dos pontos corridos, iniciada em 2003.

Os melhores momentos do jogo, com a narração magistral (de rádio) do grande José Silvério:


Como disse um comentarista na época, aquilo "não foi um jogo de futebol, foi uma ópera". Independentemente de eu ser santista, foi um dos maiores jogos de futebol que vi na vida. No caso, o maior, o "jogo do século".

Estávamos lá, a família reunida, Carmem (também conhecida como Jacaré do Rio Claro ou Eminência Parda) e Gabriel. Vimos tudo do lado esquerdo do Santos no primeiro tempo e do lado direito no segundo. De maneira que testemunhamos Robinho fazer as jogadas do primeiro e do segundo gols mais de perto ("mais" porque o Morumbi é um estádio enorme e você não fica tão perto do campo como no maravilhoso Pacaembu ou na sagrada Vila Belmiro).

Também vimos o monstro Fábio Costa, com suas defesas monumentais, numa das mais incríveis atuações de goleiro que já vi. E olha que já vi Cejas e Rodolfo Rodrigues, só pra falar de santistas. A 1 (um) minuto de jogo, Fábio Costa, que veio da Bahia, já começava a mostrar que aquele título já estava escrito nas estrelas, como talvez dissesse Nelson Rodrigues. É só ver o vídeo.

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Não publico aqui por efeméride nem nada parecido. É que postei esse vídeo acima no Facebook e resolvi registrar aqui porque em blog se registra mais definitivamente -- no face, daqui a uma semana, ninguém acha mais (a fragmentação é deliberada) -- e, afinal, tenho amigos que não têm conta na rede social.

O Santos podia até perder por um gol de diferença que seria campeão (porque ganhou o primeiro jogo de 2 a 0) e vencia por 1 a 0 até 30 do segundo tempo. Mas, quando a gente começava a timidamente querer comemorar (nunca se comemora uma vitória contra o Corinthians de antemão), eles empataram, aos 30, e viraram aos 39. Sofrimento, tensão extrema, taquicardia, até falta de ar. Mais um gol e aquele maravilhoso time de meninos de Emerson Leão perderia para a equipe de Carlos Alberto Parreira, um belo time de um grande técnico, diga-se.

Mas, 3 minutos e meio depois do segundo gol corintiano, Elano marcou o segundo do Peixe, aos 43. O gol do título. Elano saindo pra comemorar o gol e o título levantando a camisa e mostrando a imagem de Nossa Sra. Aparecida, a padroeira do Brasil. Ou seja, foi um gol mágico e espiritual para coroar um título mágico e espiritual. Só santista entende isso.

Estava 2 a 2. Eram 43 do segundo tempo e o Corinthians, o sempre terrível adversário, precisava então fazer dois gols em 4 minutos. Éramos campeões! Chorávamos na arquibancada.

O gol do título, talvez o maior gol que o maior ataque do mundo já fez (o Santos é o time que mais fez gols na história do futebol, com cerca de 12.400 gols). A jogada foi um desenho geométrico (pode conferir no vídeo), um triângulo (Elano-Robinho-Elano) para a antologia do futebol.

Elano seria, aliás, autor do gol do título brasileiro de 2004 também. Mas aí já era campeonato de pontos corridos, que os brasileiros resolveram copiar dos europeus para estragar nosso campeonato nacional, para regozijo da "crônica esportiva", que até hoje bate palmas para essa estupidez.

* Digo que o campeonato de 2002 foi o último que teve graça porque foram raros os que, a partir da era dos pontos corridos (2003), emocionaram. Curiosamente, um dos únicos foi o de 2004, quando de novo o campeão foi o Santos, numa disputa que só terminou na última rodada, aos 45 do segundo tempo.

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As escalações da final de 2002:

Santos: Fábio Costa; Maurinho, André Luís, Alex e Léo; Paulo Almeida, Renato, Elano e Diego (Robert, depois Michel); Robinho e William (Alexandre). Técnico: Émerson Leão

Corinthians: Doni; Rogério, Anderson, Fábio Luciano e Kléber; Vampeta, Fabinho (Fabrício) e Renato (Marcinho); Gil, Deivid e Guilherme (Leandro). Técnico: Carlos Alberto Parreira

domingo, 6 de agosto de 2017

Pequena crônica sobre xadrez e passarinhos


Para Gabriel


Eu tinha 7 anos. Minha mãe, a Leila, me levava e buscava num certo ponto onde o ônibus escolar me pegava e deixava. Eu era muito magrinho e relativamente pacífico -- mas era de escorpião. Por ser magrinho, franzino, os moleques vinham pra cima de mim na escola, e eu era meio "arregão". (A escola é a primeira grande prova a que a civilização nos submete.)

Tinha um menino (chamava-se Marcos) que encanava de me dar uns tapas, e eu não reagia. Minha mãe via.

Um dia, minha mãe, indignada, disse:

- Eduardo, se você apanhar desse menino mais uma vez, você vai apanhar dele e de mim.

Nunca vou esquecer essa lição muito valiosa que dona Leila me deu. Ela estava me ensinando, ela queria dizer que eu tinha que me defender, senão eu estava morto. 

Desde aquele dia, entendi que, neste mundo, ou você se defende e reage, ou os caras montam em você. Aí, então, eu passei a não mais tomar a primeira porrada. 

Quando via que uma briga era inevitável (o que procurava evitar ao máximo), quando eu via que ia apanhar, eu não esperava e dava a primeira porrada, antes do meu oponente. Eu era rápido, pegava ele de surpresa e saía em vantagem. E assim foi. Os outros, fisicamente mais fortes, passaram a me respeitar. Minimamente, porque, afinal, eu continuava magrinho e não tinha muita chance.

Essa estratégia do ataque súbito passou a ser a melhor defesa que eu tinha (eu que era magrinho, mas ágil) diante de um mundo selvagem em que os moleques matavam passarinhos e batiam nos outros moleques.

Mais tarde tomei gosto por jogar xadrez, e meu ídolo era o Garry Kasparov. Um gênio, cuja estratégia era sempre o ataque. 

Eu não matava passarinhos, e ver os guris matarem me deixava indignado.