sábado, 23 de abril de 2016

"Definitivamente é um golpe", diz pesquisador dos Estados Unidos sobre impeachment


Mark Weisbrot comenta a visita de Aloysio Nunes Ferreira aos EUA: "ele se encontrou com Tom Shannon, a pessoa mais influente na América Latina dentro do Departamento de Estado".


Anhangabaú - 17/04/2016
Foto: Alexandre Maretti

O Democracy Now (site independente de notícias dos Estados Unidos) publicou dia 20 uma entrevista, em forma de bate-papo, reunindo  Andrew Fishman, repórter do The Intercept, e Mark Weisbrot, co-diretor do Centro para Pesquisas Econômicas e de Políticas Públicas (Center for Economic and Policy Research - CEPR), em Washington.

Eles falaram sobre o golpe no Brasil e sobre a visita de Aloysio Nunes Ferreira aos Estados Unidos logo após a votação do impeachment na Câmara dos Deputados dia 17. Destaco alguns trechos relevantes. A íntegra (em inglês) pode ser acessada em link abaixo neste post.

Mark Weisbrot (sobre o golpe):

 – Eu acho que é definitivamente um golpe. E, você sabe, a mídia internacional realmente mudou nos últimos dois meses, e, especialmente, mais recentemente. Eles vinham, como a mídia brasileira, apenas relatando o processo como se este fosse um impeachment legítimo, um ponto de vista pró-oposição. E agora você vê cada vez mais que eles estão dizendo que não é legítimo, é claro, porque não há nenhuma acusação real contra a presidente que justificasse impeachment.  E é realmente uma tentativa da oposição para reverter os resultados da eleição de 2014, para tirar proveito do fato de que a economia está em recessão.

Mark Weisbrot (sobre a ida de Aloysio Nunes Ferreira aos EUA)

 – A visita do senador Nunes, da oposição no Brasil, a Washington esta semana não teve atenção da mídia, mas realmente deveria ter, porque ele se encontrou com Tom Shannon. E Tom Shannon é a pessoa mais influente na América Latina dentro do Departamento de Estado (..) E isso é extremamente importante, porque Shannon não tinha que se encontrar com ele. Encontrando-se com o senador brasileiro, ele envia uma mensagem, para todo mundo que está prestando atenção no Brasil, de que, para os EUA, o processo no Brasil está OK.

Andrew Fishman:

   Este é um momento muito estranho no Brasil. Não é comum que essas tensões e sentimentos tão fortes aconteçam nas ruas do país. Quer dizer, por causa deste escândalo político que está acontecendo agora, tem havido brigas na rua por questões políticas. Eu fui a um protesto no domingo na Praia de Copacabana, no Rio. E eles tinham uma agenda no início da manhã, de apoiadores do governo, ou pelo menos a favor da democracia. Colocaram uma divisão no meio de Copacabana e o protesto terminou para que à tarde houvesse o protesto pró-impeachment, para diminuir o potencial de violência. Isso é muito estranho no Brasil. Isto não é algo que tenha acontecido, que se saiba.  Dessa forma, as altas tensões, o elevado potencial para a violência, a retórica extrema é muito semelhante ao que está acontecendo com o fenômeno Trump nos Estados Unidos.

Mark Weisbrot (sobre os governos do PT e a crise econômica atual)

  (Sob o Partido dos Trabalhadores) Foi uma enorme mudança, sabe? Eles reduziram a pobreza em 55 por cento, a pobreza extrema em até 65 por cento, dobraram o salário mínimo real, reduziram significativamente a desigualdade. E isso não tinha acontecido. O Brasil passou por 23 anos com quase nenhum crescimento da renda per capita, você sabe, antes da sua eleição. Então, eles foram muito bem. Eu acho que eles cometeram erros. E, na verdade, Lula disse isso, outro dia, que Dilma cometeu um erro ao tentar agradar os bancos. E isso tem sido o seu problema nos últimos anos. Basicamente, eles implementaram políticas de austeridade, aumentaram as taxas de juros, cortaram o investimento público enormemente, e realmente empurrou-se ainda mais a economia para a recessão. Esse é o grande erro que eles cometeram. Não estaríamos tendo estes problemas se não fosse por isso.

**Leia aqui a íntegra da publicação do Democracy Now

segunda-feira, 18 de abril de 2016

The Guardian sobre o impeachment no Brasil: "Uma tragédia e um escândalo"





Assim o jornal britânico The Guardian classifica, em editorial, como mostra a imagem acima, o processo de impeachment no Brasil: "Uma tragédia e um escândalo".  A vergonhosa farsa do impeachment comandada pelo presidente da Câmara dos Deputados -- que, segundo o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), é um "gângster" cuja cadeira é sustentada por algo que "cheira a enxofre" -- é notícia no mundo todo. "Nada é claro na obscura crise política do Brasil, exceto que o país vai sofrer as consequências por um longo tempo", acrescenta The Guardian .

Como diz Laymert Garcia dos Santos, em entrevista que vai ao ar nesta terça-feira (19) na RBA: "Não é à toa que na Europa, nos países, digamos, democráticos, que não são nenhuma maravilha, eles estão entre horrorizados e estupefatos com o nível de baixaria que é o Parlamento brasileiro.”

O jornal britânico faz um histórico da ascensão do PT e Lula ao poder, a partir da seguinte avaliação: "Desde que Stefan Zweig, em texto de 1941, o chamou de 'o país do futuro', o Brasil tem sido comentado por falhar em viver de acordo com a promessa que a sua dimensão, os seus recursos e seu isolamento das guerras e problemas que afetam outras partes do mundo parecia suportar".

Continua o Guardian dizendo ter havido momentos "em que a promessa parecia à beira de se tornar uma realidade, mas essas esperanças foram repetidamente frustradas". A mais recente teve início com a ascensão ao poder do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003.

Por fim, a história chega a Dilma, prossegue o The Guardian, com "convincentes vitórias em 2010 e 2014, e desde então a história tem evoluído cada vez mais na escuridão, até que chegou a um lúgubre e mais baixo nível no domingo, quando a Câmara votou pelo impeachment dela".

O jornal afirma que um dos motivos pelos quais as coisas deram tão errado é que "a Constituição do Brasil é uma receita para o conflito".

Lembra ainda o que todos nós sabemos, que enquanto "Lula era um mestre na gestão" de contradições políticas, Dilma é "ineficaz e inconsistente e não tem suas habilidades".

Como muitos sabem, muitos ignoram e (com a licença de Jean Wyllys) muitos canalhas sabem, o jornal da civilizada Grã Bretanha lembra que "a presidente mesma não foi implicada no escândalo Petrobras". "O pretexto para o seu impeachment é que ela manipulou os fundos estatais antes da última eleição - não muito mais do que uma contravenção para os padrões brasileiros. Mas quase todos os envolvidos no impeachment são suspeitos de corrupção, incluindo Eduardo Cunha, o presidente da Câmara".

E assim, meus amigos, conclui The Guardian: "Agora, muitos temem que a campanha anti-corrupção vai desaparecer, além de uma concentração final de fogo contra Lula. Michel Temer, o vice-presidente, terá de enfrentar os mesmos problemas que derrotaram Dilma Rousseff, e suas chances de lidar com eles de forma eficaz devem ser classificadas como baixas. A oposição desacreditada vai assumir a partir de um PT desacreditado. É difícil imaginar um cenário mais sombrio para o Brasil".

O Brasil é motivo de vergonha. O Brasil e sua face podre correm o mundo em forma de notícia.

***

A íntegra do editorial do The Guardian (em inglês): The Guardian view on Dilma Rousseff’s impeachment: a tragedy and a scandal

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Laymert Garcia dos Santos em resposta ao Estadão: não leio e muito menos escrevo para jornal golpista



O sociólogo Laymert Garcia dos Santos recusou convite para escrever um artigo para o jornal O Estado de S. Paulo, que prepara edição para a segunda-feira, já esperando que a Câmara dos Deputados aprove o impeachment no domingo (17). Por meio da Universidade de Campinas, o sociólogo recebeu e-mail do diário propondo o envio de um texto que seria publicado no contexto de “um material sobre o atual andar da carruagem” no país. “Agradeço seu convite, mas não leio e muito menos escrevo para um jornal golpista, como é O Estado de S. Paulo”, respondeu.

A pauta do jornal pergunta: “O que significa a derrubada da presidente tanto para o cenário político (como um todo) como para o PT?”.

Abaixo, a troca de e-mails na íntegra:

Olá.

O jornal prepara um material sobre o atual andar da carruagem. Caso o processo avance em direção ao Senado, e parece que é o que vai ocorrer, pergunto se o senhor faria um artigo de 1.800 caracteres sobre tal contexto. O que significa a derrubada da presidente tanto para o cenário político (como um todo) como para o PT? 

Seria para uma edição especial de segunda-feira, com prazo de entrega no domingo meio-dia.
O que acha?
Cordialmente,
Alexandra Martins

Jornal O Estado de S. Paulo

Resposta de Laymert Garcia dos Santos:

Prezada Alexandra,
Agradeço seu convite, mas não leio e muito menos escrevo para um jornal golpista, como é O Estado de S. Paulo.
Contando com a sua compreensão,
Atenciosamente,

Laymert Garcia dos Santos

Em dia de julgamentos decisivos, STF decide como Pôncio Pilatos


Rosinei Coutinho/SCO/STF
Voto de Marco Aurélio foi brilhante,  mas vencido

O Supremo Tribunal Federal validou tudo o que era possível a favor do livre encaminhamento do impeachment a partir do que ocorreu na Câmara dos Deputados sob a batuta de Eduardo Cunha. Desde os critérios de ordem de votação do impeachment estabelecido por Cunha até a confirmação de todo o processo viciado que redundou na aprovação do relatório de Jovair Arantes (quer dizer, de Eduardo Cunha).

Com exceção dos ministros Ricardo Lewandowski e principalmente Marco Aurélio, que votaram por conceder liminares tanto ao PCdoB como à Advocacia-Geral da União, a “mais alta corte do país” julgou cinco processos a toque de caixa e não reconheceu nenhum pedido, seja do PCdoB, seja do governo, seja de deputados petistas. Nenhum.

O STF se comporta como Pôncio Pilatos.

Contra a tentativa da defesa de Dilma de anular o andamento do processo com base no viciado relatório de Jovair Arantes (quer dizer, de Eduardo Cunha), argumentaram os eminentes ministros vencedores que a votação na Câmara é meramente autorizativa, pois quem decide de fato é o Senado, e que portanto não caberia interromper o processo na Câmara, nem mesmo por cerceamento da defesa. Tirando os devidos floreios do juridiquês empolado, simplificando, foi isso.

Marco Aurélio proferiu um voto brilhante, a favor da concessão da liminar pedida pela Advocacia Geral da União tentando anular o andamento do processo de impeachment.

Marco Aurélio foi enfático ao dizer que o julgamento da Câmara tem muito maior importância do que a mera autorização, já que “abre a porta” para o impeachment no Senado, não sendo por isso meramente autorizativo. “Trata-se de um processo seríssimo. E, para mim, ou ele se enquadra no figurino constitucional e legal, ou, não se enquadrando, ele não pode ir adiante", disse o ministro.

Seja como for, Marco Aurélio foi vencido, junto com Lewandowski.

No que depender do Supremo, Eduardo Cunha está à vontade.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Beth Carvalho lembra Leonel Brizola e defende rede de legalidade contra golpe


 Fernando Frazão/Agência Brasil


Da RBA

A sambista Beth Carvalho deu literalmente o tom no ato que reuniu artistas e intelectuais hoje (11), no bairro da Lapa, região central do Rio de Janeiro. Ela encerrou as falas com uma sugestão: “Proponho construir uma rede democrática de comunicação em defesa da legalidade tal como fez o inesquecível (Leonel) Brizola em 1961”. A cantora defendeu que essa rede tenha, como “cabeça”, a EBC, TV Brasil, Rádio Nacional, TVT, TVs educativas, rádios comunitárias “e todos os que quiserem participar e quiserem ajudar a derrotar esse golpe”.

“Essa ferramenta faria contraponto para mobilizar o povão que não tem alternativa de informação”, acrescentou Beth Carvalho, que entoou um samba recém-composto: "Não vai ter golpe de novo/ reage, reage meu povo”.

O cantor e compositor Nelson Sargento, de 91 anos, saudado pela comunidade artística no palco, declarou: “Eu não ia dormir sossegado se não tivesse vindo aqui hoje”. Recebeu um beijo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não discursou.

Como sempre muito esperado e aplaudido desde o início do evento, o cantor e compositor Chico Buarque falou três frases. “Não teria muito mais coisas a dizer do que já disse no Largo da Carioca (no dia 31). Já que cheguei aqui e fiquei besta quando vocês começaram a dizer ‘Chico eu te amo’, nós também amamos todos vocês e essa energia. Estaremos juntos em defesa da democracia. Não vai ter golpe”, disse Chico.

Também muito aplaudido, o teólogo Leonardo Boff usou bom humor: “É muito bom eu falar por último, para fazer o sepultamento do impeachment”, afirmou. “Eles também (os golpistas) falam em democracia. A democracia dos ricos. Democracia para os ricos nós não queremos. Queremos uma democracia social inaugurada por Lula e Dilma. Queremos uma democracia participativa, que enriqueça a democracia representativa, que vem de baixo, onde os movimentos sociais contam. A crise trouxe a pergunta: que Brasil nós queremos? As ruas estão mostrando.”

O cineasta Luiz Carlos Barreto, o Barretão, declarou que “não é uma passeata de 3 milhões de pessoas que vai anular o voto de 53 milhões”. Ele disse também que o impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff está sendo desencadeado pelos sonegadores de impostos do país. “Em 2015, a sonegação chegou a 415 bilhões de reais. São dez programas Minha Casa, Minha Vida que ficaram nos bolsos de quem sonega.”

Segundo Barreto, a tentativa de golpe contra Dilma precede “um segundo golpe que pretende impedir que o presidente Lula concorra nas eleições de 2018”. O cineasta pediu que as mobilizações não parem mesmo após os movimentos em defesa da democracia vencerem a “batalha do impeachment”.

Em um dos depoimentos mais emocionantes, o cantor e compositor de rap, funk, hip hop Flavio Renegado declamou um poema e afirmou: “A periferia está organizada. As comunidades nunca se calaram. O Brasil nunca ouviu as comunidades. Nós sempre sobrevivemos a tudo e vamos sobreviver ao golpe”.

Reprodução
Renegado: “A periferia está organizada"

O ator Wagner Moura apareceu em vídeo. Reconheceu que nunca votou em Dilma Rousseff, mas observou que a democracia está sofrendo ataques. “Tenho sido um crítico duro do governo Dilma. Eu nunca votei nela, mas 54 milhões de brasileiros o fizeram. Se nossa democracia não fosse frágil, não estaria sendo atacada e correndo risco. Mas ela avançou, e isso graças aos governos Lula e Dilma.”

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, disse que a “mobilização é crescente no Brasil contra o golpe” dos que “namoram abertamente com o fascismo”. “A cada dia (o número) dos que são manipulados pelos meios de comunicação de massa é menor.” O ministro defendeu a construção de “uma ampla frente democrática” para enfrentar os problemas “depois de vencermos o impeachment”.

Ao vivo – ato pela democracia com Lula e Chico Buarque na Lapa (RJ)




quinta-feira, 7 de abril de 2016

O intolerável - por Laymert Garcia dos Santos


"Vamos continuar tolerando o intolerável?"

O sociólogo Laymert Garcia dos Santos, da Unicamp, apresentou ontem, no ato de lançamento da “Carta Aberta à Comunidade Acadêmica Internacional”, na USP, um texto contundente sobre as ramificações da tentativa de golpe em curso no país. Segue um trecho da intervenção, e abaixo dele, o vídeo com a íntegra do texto no evento da universidade, que teve a presença de inúmeros intelectuais, como Marilena Chaui, Marcio Sotelo Felippe, Alfredo Bosi, Ruy Fausto, entre outros.


O intolerável

Agora, que o governo Temer morreu antes de ter nascido;

Agora, que já sabemos que o processo de Lula não deve voltar para Curitiba;

Agora, que o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, porta-voz da Lava Jato, admitiu que "[...] os governos que estão sendo investigados, os governos do PT, [...]" são os únicos que vêm ao caso;

Agora, que ficaram patentes todas as irregularidades e ilegalidades cometidas pela Força Tarefa de Curitiba desde 2006, portanto desde os mais remotos primórdios da Lava Jato, oficialmente deflagrada em 2014.

Agora, que os trabalhadores, movimentos sociais, estudantes, intelectuais e artistas deram corpo e voz ao brado de “Não vai ter golpe”, acrescentando cada vez mais intensamente o complemento “Vai ter luta”;

Agora, que já ficou patente para Deus e o mundo, tanto aqui quanto lá fora, que a democracia corre perigo e que o Estado de Exceção está se instalando e revogando o Estado de Direito, tamanhas são as recorrentes violações à Constituição de 88;

Agora, que cresce o consenso do “Fora Cunha”;

Agora, que até órgãos da grande mídia parecem desembarcar do golpe, apesar de tê-lo fomentado e defendido com unhas e dentes - não por amor à legalidade, é claro, mas por constatarem a sua impossibilidade teórica e prática;

Agora, que foi trincada a sacrossanta imagem do justiceiro Sérgio Moro, revelando a figura do arbítrio despótico;

Talvez seja chegada a hora de indagar, não se teremos paz e poderemos voltar aos nossos afazeres, mas sim que configuração tomará a estratégia da desestabilização do Brasil, a partir do ponto em que chegamos.

É preciso enterrar de uma vez por todas a idéia de que o processo desencadeado teve algum dia ou ainda tem como objetivo efetivo acabar com a corrupção. Porque um combate ultra-seletivo à corrupção, que deixa de fora uma infinidade de ladrões para gritarem livre e impunemente “Pega ladrão!”, apontando para Lula, Dilma e o PT, não pode ser levado minimamente a sério.

E se o Judiciário - particularmente a cúpula do Ministério Público Federal -, assim como setores da Polícia Federal, só aparentemente estão combatendo a corrupção, o que estão fazendo?

Diversos indícios, atos, enunciados sugerem fortemente que se trata de desestabilizar o país a qualquer preço. Preço que, aliás, a esta altura, já é altíssimo, se levarmos em conta 1) o comprometimento de ramos-chave do setor produtivo, particularmente energia, infra-estrutura e defesa, com reverberações em toda a economia; 2) a geração de uma imensa crise social, com seu cortejo de desempregados e a ameaça de regressão da parcela mais vulnerável da população a patamares infra-humanos que pensávamos definitivamente superados; 3) last, but not least, a desmoralização das instituições, a começar por um Parlamento bandido, partidos políticos venais e grotescos, juízes e procuradores que enxovalham as leis em nome de valores espúrios.

A quem interessa tal desestabilização planejada e rigorosamente executada? Seguramente, Sérgio Moro e seus procuradores são apenas operadores de um crime de lesa-pátria; tampouco os agentes da Polícia Federal são algo mais que executores. É claro que a mídia golpista, os partidos de oposição, os movimentos fascistas continuamente estimulados, a FIESP, a OAB, os inocentes úteis e os oportunistas de plantão, inclusive nas hostes governamentais, são protagonistas empenhados na produção do desastre, cada segmento operando a seu modo. E pode-se considerar que, em virtude de seu imobilismo e falta de iniciativa, o próprio governo Dilma e o PT contribuíram involuntariamente, até bem pouco tempo, com a desestabilização.

O silêncio das Forças Armadas é notável, até mesmo quando importantes interesses da Defesa, que as afetam diretamente, são feridos. Mas o que significa o seu não-protagonismo? Se for verdade que Lula não foi sequestrado e levado à força para Curitiba em virtude da discretíssima interferência da Polícia da Aeronáutica em Congonhas, haveria aí uma indicação de que seu papel como garantidor da ordem instituída segue intacto?

Resta, então, a cúpula do Judiciário. Excluindo-se as conhecidas posições de Gilmar Mendes, que dispensam comentários, é inquietante constatar que ainda não se sabe ao certo em que direção o Supremo Tribunal Federal vai se mover, tendo em vista a emissão de sinais contraditórios e as dúvidas que suscita quanto ao papel predominante da corte, se Corte Constitucional ou Corte de Apelação.

Mais graves ainda são os atos e as palavras do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. Acompanhando e mapeando o desenrolar do jogo nos diferentes tabuleiros de xadrez da crise, o jornalista Luiz Nassif percebeu nitidamente que o Ministério Público Federal era o “Alto Comando” do golpe. A designação é extremamente forte, mas há razões para o emprego do termo. Entre elas, a visita inexplicada de Janot ao Departamento da Justiça em Washington para levar às autoridades americanas documentos sobre a Petrobrás; sua inapetência para investigar Aécio Neves; sua defesa intransigente de Moro e da Força Tarefa da Lava Jato, apesar das ilegalidades cometidas;  sua demora para denunciar Cunha junto ao STF, dando a este todo o tempo para sublevar a Câmara dos Deputados contra o governo Dilma; e finalmente sua autorização para que Moro divulgasse os grampos ilegais das conversas da presidenta com Lula, do Ministro Jacques Wagner com Rui Falcão e dos advogados do ex-presidente.

Assista à íntegra da apresentação (para quem preferir assistir a partir da continuação do texto acima, vá para 7'38" do vídeo):

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Contra o golpe: Carta Aberta à Comunidade Acadêmica Internacional


Documento foi divulgado em cinco idiomas: português, inglês, espanhol, francês e italiano. É assinado por Fábio Konder Comparato, Wilson Cano, Eduardo Viveiros de Castro, Miguel Nicolelis, Marilena Chauí, Wanderley Guilherme dos Santos, Alfredo Bosi, Roberto Schwarz, Walnice Nogueira Galvão, Ruy Fausto, Luis Felipe Alencastro, Leda Paulani e outros.


Foto: Alexandre Maretti

Nós, pesquisadores e professores universitários brasileiros, dirigimo-nos à comunidade acadêmica internacional para denunciar um grave processo de ruptura da legalidade atualmente em curso no Brasil.

Depois de um longo histórico de golpes e de uma violenta ditadura militar, o país tem vivido, até hoje, seu mais longo período de estabilidade democrática – sob a égide da Constituição de 1988, que consagrou um extenso rol de direitos individuais e sociais.

Apesar de importantes avanços sociais nos últimos anos, o Brasil permanece um país profundamente desigual, com um sistema político marcado por um elevado nível de clientelismo e de corrupção. A influência de grandes empresas nas eleições, por meio do financiamento privado de campanhas, provocou sucessivos escândalos de corrupção que vêm atingindo toda a classe política.

O combate à corrupção tornou-se um clamor nacional. Órgãos de controle do Estado têm respondido a esta exigência e, nos últimos anos, as ações anticorrupção se intensificaram, atingindo a elite política e grandes empresas.

No entanto, há uma instrumentalização política desse discurso para desestabilização de um governo democraticamente eleito, de modo a aprofundar a grave crise econômica e política atravessada pelo país.

Um dos epicentros que instrumentaliza e desestabiliza o governo vem de setores de um poder que deveria zelar pela integridade política e legal do país.

A chamada "Operação Lava Jato", dirigida pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro, que há dois anos centraliza as principais investigações contra a corrupção, tem sido maculada pelo uso constante e injustificado de medidas que a legislação brasileira estabelece como excepcionais, tais como a prisão preventiva de acusados e a condução coercitiva de testemunhas. As prisões arbitrárias são abertamente justificadas como forma de pressionar os acusados e deles obter delações contra supostos cúmplices. Há um vazamento permanente e seletivo de informações dos processos para os meios de comunicação. Existem indícios de que operações policiais são combinadas com veículos de imprensa, a fim de ampliar a exposição de seus alvos. Até a Presidenta da República foi alvo de escuta telefônica ilegal. Trechos das escutas telefônicas, tanto legais quanto ilegais, foram apresentados à mídia para divulgação pública, ainda que tratassem apenas de assuntos pessoais sem qualquer relevância para a investigação, com o intuito exclusivo de constranger determinadas personalidades políticas.

As denúncias que emergem contra líderes dos partidos de oposição têm sido em grande medida desprezadas nas investigações e silenciadas nos veículos hegemônicos de mídia. Por outro lado, embora não pese qualquer denúncia contra a Presidenta Dilma Rousseff, a "Operação Lava Jato" tem sido usada para respaldar a tentativa de impeachment em curso na Câmara dos Deputados - que é conduzida pelo deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados e oposicionista, acusado de corrupção e investigado pelo Conselho de Ética dessa mesma casa legislativa.

Quando a forma de proceder das autoridades públicas esbarra nos direitos fundamentais dos cidadãos, atropelando regras liberais básicas de presunção de inocência, isonomia jurídica, devido processo legal, direito ao contraditório e à ampla defesa, é preciso ter cautela. A tentação de fins nobres é forte o suficiente para justificar atropelos procedimentais e aí é que reside um enorme perigo.
O juiz Sérgio Moro já não possui a isenção e a imparcialidade necessárias para continuar responsável pelas investigações em curso. O combate à corrupção precisa ser feito dentro dos estritos limites da legalidade, com respeito aos direitos fundamentais dos acusados.

O risco da ruptura da legalidade, por uma associação entre setores do Poder Judiciário e de meios de comunicação historicamente alinhados com a oligarquia política brasileira, em particular a Rede Globo de Televisão – apoiadora e principal veículo de sustentação da ditadura militar (1964-1985) -, pode comprometer a democracia brasileira, levando a uma situação de polarização e de embates sem precedentes.

Por isso gostaríamos de pedir a solidariedade e o apoio da comunidade acadêmica internacional, em defesa da legalidade e das instituições democráticas no Brasil.


domingo, 3 de abril de 2016

O golpe já era!‏



Por Laymert Garcia dos Santos *
Reprodução/Youtube
Hoje a Folha de S. Paulo publica um editorial pedindo a renúncia de Dilma. Uma leitura equivocada (cf. Fernando Morais) faz crer que ela reitera e aprofunda o seu apoio ao golpe. Parece-me, entretanto, que o enunciado reconhece que o impeachment não será possível e que, portanto, a Folha, desistindo de insistir na sua realização, se reposiciona.

Leiam a íntegra do editorial no link: Nem Dilma nem Temer

Nele se destaca o enunciado do realinhamento, ou melhor, do desembarque: "Esta Folha continuará empenhando-se em publicar um resumo equilibrado dos fatos e um espectro plural de opiniões, mas passa a se incluir entre os que preferem a renúncia à deposição constitucional".

Ato contínuo, o Uol, que no domingo sempre estampa esportes na manchete, publica uma longa reportagem sobre as ilegalidades de Moro desde a origem da Lava Jato. Pela primeira vez há uma brecha no front da mídia golpista, com o reconhecimento de que o juiz age sempre ao arrepio da lei. Ao que parece, além de desembarcar do golpe no plano político, a Folha começou a desembarcar também no plano jurídico. É esperar para ver... 


Não creio estar superestimando a importância da Folha. Mas como a turma de lá é perversa e, dentro do PIG, sai sempre na frente, seu posicionamento pode antecipar que o golpe já era!

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* Laymert Garcia dos Santos é sociólogo, professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de Tempo de Ensaio (Ed. Companhia das Letras, 1989) e Politizar as Novas Tecnologias (Ed. 34, 2003).

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Especulações sobre um cenário menos sombrio, apesar da Guerra Híbrida


Foto: Stella Senra (clique para ampliar)
Manifestação em Brasília contra o golpe - 31 de março de 2016

Não sou cientista político, mas alguns indícios parecem apontar na direção contrária à desejada pelos grupos midiáticos que querem convencer a população brasileira de que o golpe, via impeachment, é favas contadas. Somados, alguns desses indícios podem começar a configurar um cenário menos sombrio ao prognosticado pelas máfias da comunicação, embora não se saiba que tipo de armas ou táticas possam estar reservadas para os próximos dias ou semanas pelos articuladores do golpe no Brasil  e da verdadeira guerra (veja abaixo: a Guerra Híbrida).

Eis alguns deles:

- Algumas vozes importantes vêm se pronunciando no sentido de condenar as barbaridades jurídicas contra direitos constitucionais, perpetradas há muito tempo pelo juiz de Curitiba, principalmente de dois meses para cá, com o ápice na condução coercitiva de Lula e na divulgação dos grampos da conversa entre o ex-presidente e Dilma.

O ministro Marco Aurélio, do STF, é uma dessas vozes. Na quarta-feira (30), ele disse, sobre o impeachment: "Se não houver um fato jurídico que respalde o processo de impedimento, esse processo não se enquadra no figurino legal e transparece como golpe (...) Por que não se sentam à mesa para discutir as medidas indispensáveis nesse momento? Por que insistem em inviabilizar a governança pátria? Nós não sabemos."

O senador Renan Calheiros, figura em quem a prudência não aconselha confiar muito, mas que tem sido aliado importante do Planalto, disse nesta quinta que o desembarque do PMDB do governo "não foi um bom movimento”.

Menciono Renan e Marco Aurélio, obviamente, porque seria muito fácil falar de Chico Buarque, um eterno aliado das causas populares. Mas, principalmente, a voz do ministro do Supremo tem significado, pelo que ele representa em termos de um dos três poderes da República.

- O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) faz a seguinte avaliação sobre o desembarque golpista do PMDB comandado por Michel Temer: "o PMDB achava que, rompendo com o governo, outros partidos iam debandar também. Isso não aconteceu, abriu-se mais espaço para que outros partidos participem do governo". Ok, é a avaliação de um governista, mas faz sentido, embora ainda seja cedo para concluir pelo erro ou acerto da avaliação do senador petista.

- A conta para o impeachment comandado por Eduardo Cunha passar na Câmara está longe de ser simples para os golpistas. Estes precisam de 342 votos (pelo menos dois terços de 512 - a Câmara tem 513 deputados, mas o presidente da casa não vota). Porém, o governo não necessita de 171 para barrar o processo. Basta que os favoráveis ao golpe não cheguem aos 342. Por exemplo: 340 votam pelo impedimento, 120 se ausentam e 52 se abstêm. Nesse caso, o impeachment é arquivado.

A conta do Miguel do Rosário, no Cafezinho, é outra: "se forem 341votos contra Dilma, e zero votos a favor dela, mesmo assim o impeachment não passa, pois os votos dos ausentes são considerados contra o impeachment". Dá no mesmo.

- As manifestações da sociedade a favor da democracia, mesmo não sendo necessariamente decisivas (e quem lembra das Diretas Já sabe disso), pressionam enormemente deputados em suas bases, principalmente no Nordeste. Afinal, o Brasil não é São Paulo.

- Ao contrário de Collor, renegado pelas multidões que nele votaram, desprezado por aliados e amigos, abandonado e combatido pela mídia que o elegeu, Dilma conta com o apoio de uma base e movimentos sociais cuja só presença certamente vai intimidar muitos parlamentares, na hora de votar. Eles sabem que, quando voltarem a seus redutos eleitorais, e ao longo dos meses e anos seguintes a um impeachment sem fundamento legal, o estigma de golpista poderá ser fatal a seu futuro político. Pelo sim, pelo não, talvez não sejam poucos os que ponderem sobre essa espécie de cenário de si mesmo.

- Por fim, as repercussões do golpe em marcha no Brasil já são consideráveis na imprensa internacional. Isso tem influência, pois, para o bem ou para o mal, nenhum país é uma ilha. Mais informações sobre o assunto neste artigo de Grazielle Albuquerque, pesquisadora do Sistema de Justiça e doutoranda em Ciência Política pela Unicamp, publicado no site Pragmatismo Político: 
A repercussão do golpe na mídia internacional,

Exatamente há 52 anos, nesta mesma madrugada de 31 de março para 1º de abril, era deflagrado o golpe militar no Brasil.

A Guerra Híbrida, segundo Pepe Escobar

Como epílogo, quero terminar registrando que a grande luta que se trava é invisível e está além dos meros serviçais de golpe no Brasil. Essa é a guerra de que se trata, que o jornalista Pepe Escobar aponta melhor do que ninguém:

"A matriz ideológica e o modus operandi das revoluções coloridas já são, hoje, assunto de domínio público. Mas não, ainda, o conceito de Guerra Não Convencional (GNC) [orig. Unconventional War (UW).

"Essa guerra não convencional apareceu explicada no manual das Forças Especiais para Guerra Não Convencional dos EUA, em 2010. O parágrafo chave é:

"1-1. A intenção dos esforços de GNC dos EUA é explorar vulnerabilidades políticas, militares, econômicos e psicológicos de um poder hostil, mediante o desenvolvimento e sustentação de forças de resistência, para alcançar os objetivos estratégicos dos EUA. (...) Para o futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerra irregular."

" 'Hostil ' não se aplica apenas a potências militares; qualquer estado que se atreva a desafiar alguma trama importante para a "ordem" mundial Washington-cêntrica - do Sudão à Argentina -, pode ser declarado"hostil".

"Hoje, as ligações perigosas entre Revoluções Coloridas e Guerra Não Convencional já desabrocharam, como Guerra Híbrida: caso pervertido de Flores do Mal. Uma 'revolução colorida' é apenas o primeiro estágio do que, adiante, será convertido em Guerra Híbrida. E Guerra Híbrida pode ser interpretada, na essência, como a teoria-do-caos armada - paixão conceitual dos militares dos EUA ("política é a continuação da guerra por meios linguísticos"). No fundo, meu livro de 2014, Empire of Chaos rastreia as miríades de manifestações desse conceito.

"Os detalhados e bem construídos argumentos [de Andrew Koribko, um dos capítulos já traduzidos, e outros em tradução (NTs)] dessa tese em três partes esclarece perfeitamente o objetivo central por trás de uma grande Guerra Híbrida:

"O grande objetivo por trás de toda e qualquer Guerra Híbrida é esfacelar projetos multipolares transnacionais conectivos, mediante conflitos de identidade provocados de fora para dentro (étnicos, religiosos, regionais, políticos, etc.), dentro de um estado de trânsito tomado como alvo.

"Os BRICS - palavra/conceito de péssima reputação em Washington e no Eixo de Wall Street - teriam de ser os alvos preferenciais de Guerra Híbrida. Por incontáveis razões, dentre as quais: o movimento na direção de comerciar e negociar em suas próprias respectivas moedas, deixando de lado o dólar norte-americano; a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS; o confessado interesse na direção da integração da Eurásia, simbolizada pelos projetos: Novas Rotas da Seda - ou, na terminologia oficial, Um Cinturão, uma Estrada [ing. One Belt, One Road (OBOR)] liderados pela China; e União Econômica Eurasiana (UEE) liderada pela Rússia."

Leia o artigo de Pepe Escobar na íntegra, no site O Cafezinho
Brasil e Rússia sob ataque de “Guerra Híbrida”