segunda-feira, 2 de maio de 2011

O que importa não é a morte de Bin Laden, mas a "primavera árabe", diz Robert Fisk



Indagações simples sobre a anunciada morte de Osama Bin Laden levam a conclusões nada tranquilizadoras, muito menos para o povo norte-americano, sedento por vingança, ávido por espetáculos e demonstrações convincentes do poder inesgotável de seu império. Pois, com a morte do impiedoso líder da Al Qaeda, o círculo vicioso da violência sendo alimentada, da qual ele próprio é um produto, e ressurgindo em nuvens de fogo apocalípticas trará mais bombas, mais mortes, mais sofrimento de inocentes, estadunidenses ou não.

Nenhum cidadão que tenha o humanismo em seu horizonte pode concordar com o genocídio perpetrado por Bin Laden no atentado que parou o mundo em 11 de setembro de 2001. Mas, às indagações:

Considerando que ele esteja mesmo morto, morreu de fato na operação anunciada nesta madrugada? Por que exatamente neste momento, em que Barack Obama tanto precisava reconquistar a popularidade perdida e quando acaba de começar sua campanha de arrecadação para as eleições de 2012? Onde está o corpo do terrorista? (Uma foto que circulou com sua face dilacerada era apenas uma montagem e foi tirada do ar pelos sites mais sérios.) Desapareceu no mar? Como assim?

(Segundo a AFP, o presidente do Comitê de Segurança Interna do Senado americano, Joseph Lieberman, disse que "pode ser necessário liberar as fotos [do corpo] – por mais desagradáveis que sejam, e sem dúvida o são, já que ele foi baleado na cabeça – para pôr fim aos questionamentos de que isso seria apenas uma estratégia do governo americano".)

Ataque às torres gêmeas
 Agora, o 11 de setembro de 2001 está vingado na mente estadunidense, no inconsciente coletivo dessa Roma cibernética? Até quando teremos que aplaudir as ações militares dos cowboys da Terra, que invadem países, matam quem, quando e como querem, do terrorista mais procurado até uma criança inocente atingida por uma bomba “inteligente”, sem que nenhum líder mundial esteja pronto para destoar do coro dos contentes? Quantos Bin Ladens ainda serão gerados por esse espírito do fogo e da destruição?

Tantos otimistas que, como eu, saudaram a eleição de Obama em 2008 como tão simbolicamente importante, o primeiro homem negro a presidir os Estados Unidos etc, vimos paulatinamente apenas se confirmarem as vozes mais realistas: a voraz máquina de guerra americana é a mesma da era Bush (pai e filho), da era Clinton, da era Reagan. “Obama não pôde cumprir as promessas de reformas sociais, ambientais e econômicas pelas quais foi eleito, nem sequer fechar a prisão de Guantánamo, mas ao menos cumpriu uma promessa do governo anterior”, como escreveu Antonio Luiz M. C. Costa em Carta Capital sobre a morte do terrorista saudita, que, de aliado dos EUA no Afeganistão, tornou-se o maior inimigo do Império.

O mais sensato de vários depoimentos que li hoje sobre o episódio, do jornalista Robert Fisk, que entrevistou Osama Bin Laden três vezes, foi publicado na Revista Fórum online. “Acho que Osama Bin Laden perdeu a relevância há muito tempo, na verdade. Se eles tivessem matado Bin Laden um ou dois anos depois do 11 de setembro, uma parte dessa bateção no peito poderia ter tido alguma relevância. Esses punhos no ar nos Estados Unidos, celebrando vitória, são boas imagens, mas acredito que elas não significam nada”, disse Fisk.

O mais importante, afirmou, “o fato real que temos no mundo hoje, o que é importante, é um levante de massas e um despertar de milhões de árabes muçulmanos para derrubar ditadores”. Esses levantes são “muito, muito mais importantes que um homem de meia-idade sendo morto no Paquistão”.

4 comentários:

Soso disse...

Mataram o falecido Obama...
Mais um espetáculo!
Estratégia política estudinense!
Jogo mortal de interesses!
Reafirmação hegemônica bélica!
Guerra do petróleo!
Interesses econômicos de grandes corporações!
Financiamento da pobreza do terceiro mundo!
Exploração desumana!
Desigualdade social!
Para mim esta e a verdadeira mensagem deste espetáculo.

Felipe Cabañas da Silva disse...

Ao ler seu texto, Edu, lembrei de uma coisa peculiar. A seguinte cena do Advogado do Diabo: http://www.youtube.com/watch?v=vdPlMRhERDk

Com essa atuação magistral do Al Pacino, venho só fazer uma provocação, lembrando que o humanismo constitui uma concepção de mundo complexa e indefinida e que de "humanistas o inferno está cheio". O Século XX é o século das atrocidades cometidas em nome de algum humanismo, seja ele qual for e o que for. Até o Nazismo produziu um tipo de retórica humanitarista para disseminar o antissemitismo, afinal os judeus eram os "usurpadores da nação e da pureza alemãs".

As ditaduras latino-americanas, por sua vez, justificaram todo tipo de barbaridades como um esforço para resguardar o elemento humano do perigo vermelho (e é incrível como esse mesmo discurso continua vigente em parcelas expressivas da sociedade brasileira).

E, finalmente, em nome do humanismo democrata-cristão a máquina de guerra americana não para de massacrar populações. Se era sangue que os americanos queriam, o banho de sangue no Iraque e no Afeganistão já pagou os atentados do 11 de setembro com juros de cheque especial.

É claro que repudio sem titubear essas figuras tétricas do fundamentalismo islâmico como Bin Laden ou coisa que o valha. Repudio sua mentalidade, suas "ideias", seu estilo de vida, sua visão deturpada da natureza humana e sua disposição de impor, pelo terror, os próprios mitos.

No entanto, creio que o terrorismo de Estado deve ser repudiado com a mesma força.

Felipe Cabañas da Silva disse...

Ah, e também é importante lembrar, sempre dentro dessa perspectiva crítica em relação à máquina de guerra americana, que a AL QAEDA era uma confraria desorganizada e o Bin Laden não sabia manusear nem um "três oitão" até que os EUA treinassem fundamentalistas islâmicos para resistir às investidas da União Soviética no oriente médio, durante a Guerra Fria.

Eduardo Maretti disse...

Realmente, há "Interesses econômicos de grandes corporações" por trás de tudo isso, mas a nós, pobres mortais, é vedado o conhecimento da realidade...

Quanto à associação com o filme e cena do Al Pacino (magistral como sempre), tb acho que "de humanistas o inferno está cheio" (hehe)... Mas também acho que dizer humanista é em certos casos lembrar, talvez intuitivamente, dos ideais resgatados com o fim da Idade Média na época conhecida como Renascimento, ideais que não incluem os dos norte-americanos, nem os da Al Qaeda...

Na cena do Pacino há uma forte ironia na abordagem do "humanismo". Ao dizer "sou humanista", ele está dizendo exatamente o contrário... ou “sou do mal”, ou algo assim. Pelo menos é o que me parece...