terça-feira, 2 de março de 2010

Contradições e problemas do cinema nacional, segundo Eduardo Escorel

ENTREVISTA


Foto: Eduardo Maretti
O cineasta Eduardo Escorel, nascido em São Paulo em 1945, tem uma filmografia incomum. Trabalhou como editor na montagem de algumas das mais importantes obras da cinematografia nacional, como Terra em Transe (1967), O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), ambos dirigidos por Glauber Rocha, Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969), São Bernardo (1971) e Eles Não Usam Black-Tie (1981) – os dois últimos de Leon Hirszman –, entre outros.

Como diretor, assina por exemplo Lição de Amor (1975), baseado no romance Amar, Verbo Intransitivo, de Mario de Andrade, Vocação do Poder (2005, co-dirigido por José Joffily), excelente documentário sobre as eleições municipais de 2004, no Rio de Janeiro, que mostra o cotidiano das campanhas de seis candidatos novatos a vereador. Interessante para se ver como nascem os vícios e as ilusões na política.

Seu filme mais recente, o documentário O Tempo e o Lugar, conta a história de contradições de Genivaldo Vieira da Silva, ex-líder do Movimento dos Sem-Terra, que vira proprietário e tenta o caminho da política tradicional em Inhapi (AL) - leia mais sobre este filme e veja a filmografia de Eduardo Escorel em links abaixo.

Nesta entrevista exclusiva ao blog, o cineasta diz por que hoje é "mais difícil fazer um filme no Brasil do que talvez jamais tenha sido". Fala sobre Lula, o Filho do Brasil (um "filme sem personalidade") e critica a falta de espaço no mercado para o chamado "cinema de autor", além de contar sobre seus novos projetos (uma série cujo tema é o Estado Novo e um documentário sobre o compositor Paulo Moura).

Aos jovens que hoje estudam e querem fazer cinema, Escorel é realista: aconselha que "preparem as costas, porque as pancadas são muitas".

Por Eduardo Maretti

Fatos Etc – Com o fim da Embrafilme, em 1990, extinta por Collor, o cinema brasileiro sofreu um abalo. Estive com Nelson Pereira dos Santos uns três anos atrás, quando fazia Brasília 18%, e ele reclamava que a situação dos cineastas brasileiros continuava ruim, financeiramente. Mudou, piorou a situação dos cineastas depois do fim da Embrafilme?

Eduardo Escorel – Olha, Maretti, mudar acho que mudou muito. Os mecanismos de financiamento que foram criados a partir de 1994, principalmente, alteraram de modo significativo as formas possíveis de financiamento da produção de filmes. E houve, por outro lado, progressivamente, e nos últimos anos de maneira mais acentuada, um aumento muito grande do volume de recursos investidos no cinema. E também uma diversificação de mecanismos, e diferentes projetos de apoio ao cinema. Houve uma alteração muito significativa em relação ao que existiu entre 1970, setenta e poucos, e 1990. Mas eu não acredito que essa alteração tenha propriamente facilitado a vida do profissional de cinema. Ao contrário, porque essa modificação trouxe junto com ela uma burocratização muito grande de todos os procedimentos ligados à obtenção de financiamentos, que tornaram a atividade de tentar viabilizar o filme um novo tipo de calvário. Não se trata só de conseguir convencer alguém que aquele projeto é interessante, e que quem possa deva apoiá-lo. Simplesmente para conseguir pôr um projeto de pé existe todo um procedimento que é muito penoso, muito trabalhoso, muito custoso. Então, acho que está, hoje em dia, mais difícil fazer um filme no Brasil do que talvez jamais tenha sido. E é uma coisa contraditória. Quer dizer, há mais recursos, mais projetos e mais planos, e está mais difícil.

Por causa da burocratização?
Por causa da burocratização, por causa de várias coisas. Não só burocratização. Por causa, em grande parte, da burocratização. A concepção desses editais, formas de apoio, o fracionamento de múltiplas fontes de financiamento trazem também problemas; obrigam a todo um procedimento que se repete, se multiplica. Fazer cinema virou uma batalha burocrática, uma batalha do papel, muito antes de sequer se tornar uma batalha propriamente cinematográfica.

A solução de uma estética hollywoodiana que se vê em filmes como Dois filhos de Francisco ou Lula, o Filho do Brasil e até algumas produções de Walter Salles (Central do Brasil) é positiva para o cinema nacional?
Veja bem, eu acho que é preciso diferenciar um pouco. É difícil englobar numa mesma categoria o Lula, o Filho do Brasil até com Dois Filhos de Francisco e mais ainda com os filmes do Walter Salles. A gente tem hoje em dia uma produção que, inclusive, em alguns casos, alcança um certo sucesso comercial, que é uma produção de filmes que são subprodutos da televisão: Se eu fosse você 1, Se eu Fosse você 2, coisas assim. Então, há uma tendência a se fortalecer filmes muito derivados de uma concepção que nasce na televisão. Eu acho até que é normal que exista esse tipo de produção. Não é de todo negativo. É preciso que existam filmes de sucesso comercial... Esses filmes criam mercado de trabalho pra técnicos, atores, prestadores de serviço. Então, não sou muito simpático à idéia de negar o lugar que existe para esses filmes.

O que o Walter Salles, por exemplo, faz, é muito diferente disso. E são filmes que geralmente contam com recursos do exterior e que tentam conciliar mais essa questão do mercado brasileiro e do mercado externo. Já Lula, o Filho do Brasil é um filme, eu diria, sem personalidade nenhuma. Não é nem uma coisa, nem outra. Não é nem um filme que, eu acredito, possa interessar fora do Brasil, nem um filme com características que alguém provindo da televisão talvez fizesse. É um filme meio amorfo, e isso, talvez, explique o fato de não ter tido uma carreira comercial como os produtores esperavam. E dentro desse quadro, a grande questão é a dificuldade que existe para conseguir assegurar um lugar a produções que sejam diferentes dessas que a gente acabou de descrever. Quer dizer, também deveria ser possível no Brasil a existência de mercado e de um sistema de produção para filmes mais ambiciosos, mais interessantes. A gente vê alguns estrangeiros exibidos no Brasil, que vêm de países como a Argentina...

O Irã...
...O Irã, ou filmes feitos por um diretor palestino... E que são exibidos aqui, têm um público restrito, mas são de muito boa qualidade. A gente não tem visto, me parece, no cinema brasileiro, uma produção de boa qualidade, que mesmo não sendo de grande êxito comercial seja de méritos reconhecidos, que tenha possibilidade, por menor que seja, de abrir uma brecha no mercado externo.

O que a gente chamava antigamente de cinema de autor...
Cinema de autor, cinema de arte. Eu acho que o cinema brasileiro vem atravessando uma fase bem difícil, bem cheia de contradições e de problemas.

Citaria alguns desses últimos filmes mais recentes que podem se encaixar nesse conceito de cinema de autor?
Tem alguns bons filmes. Eu tenho atualmente uma página de crítica de cinema na revista Piauí. E tenho comentado, não só, mas principalmente, filmes brasileiros. Um pequeno filme que não fez nenhum sucesso comercial, mas que, também, foi lançado em uma única sala, no Rio de Janeiro, e acho que não foi lançado em nenhum outro lugar, chamado Praça Saens Peña (uma praça aqui na Tijuca, no Rio), dirigido pelo Vinicius Reis, é um bom filme. O filme do Sérgio Bianchi, que vai ser lançado agora, Os Inquilinos, é um bom filme também.

Que conselho você daria aos jovens que fazem e estudam cinema hoje?
(Risos) Eu não gostaria de desanimar ninguém, mas confesso que, de uns anos para cá, tenho atuado muito como professor, dado aulas, especialmente de cinema-documentário, e fico sempre muito assustado, inquieto, com a quantidade de pessoas interessadas em cinema, querendo fazer filmes, e vendo as dificuldades que eles vão enfrentar, entendeu? Então, assim meio brincando, eu costumo dizer que uma das minhas poucas vitórias como pai foi ter conseguido que minhas duas filhas não fizessem cinema. Mas a pessoa tem que seguir a vocação e a convicção. Se for pra fazer filmes, prepare as costas (risos), porque as pancadas são muitas. Mas vão em frente (risos).

Quais seus projetos atuais?
O último filme que dirigi, que foi exibido, é o documentário chamado O Tempo e o Lugar, lançado em 2008, e venho trabalhando há alguns anos numa série de cinco documentários com material de arquivo sobre o Estado Novo, que vou tentar finalizar ainda este ano. E estou iniciando um documentário sobre Paulo Moura. Eu tenho um blog também, se quiser visite meu blog, na revista Piauí. Praticamente são só comentários de filmes que estão em cartaz.

Leia também:

Filmografia:
No site Imdb.com
No site Epipoca
Sobre o filme O Tempo e o Lugar

Sobre cinema neste blog:

Favoritos do cinema (1) - Quando explode a Vingança, de Sergio Leone

Entrevista possível com Paulo César Pereio

Sobre Manhattan de Woody Allen

A vida tormentosa de Polanski

Umas linhas sobre Anselmo Duarte

Atualizado às 21h50

3 comentários:

Gabriel Megracko disse...

O que, de bom, "eles" não dificultam? Pra Cinema, eu poderia escrever o que fosse, mas não sou capaz de lidar com a burocracia, tenho desejo de espancar a burocracia com um porrete, e isso me faz muito mal. Talvez um dia faça isso... vai me fazer muito bem! Podia fazer um filme em que uma personagem é o Burocracia. O cara é tão insuportável que... nada com ele dá certo, nada se realiza e ele sempre apanha no final dos "processos".
De resto, Cinema é o ponto de encontro de todas as artes, o que não o torna maior ou menor, mas mais contemporâneo, sendo, portanto, o que atinge emocionalmente maior número de pessoas. Isso é bem interessante. Filmes e mais filmes, de contra-cultura, documentários, "cinema de autor"... façam muitos!, vou assisti-los. Quem sabe, um dia me arrisco.

Edu disse...

Parafraseando Caetano: Livros, discos, filmes à mancheia... (filmes no lugar de vídeos...)

e deixa que digam, que pensem, que falem

Luiz Fernando Santos disse...

oi Edu,

aqui, bacana a entrevista. Posso usar no Boteco? Diga uma coisa, o Escorel mora em São Paulo? Você tem o contato dele?
Penso em um encontro pessoal simplesmente para gerar imagens e valorizar assim o texto. Mande notícias. Abração!

luiz.araujo.santos@gmail.com