terça-feira, 30 de novembro de 2010

Ciao, Monicelli

A morte do mestre italiano Mario Monicelli é um final cinematográfico da vida do diretor de tantos filmes riquíssimos da cultura e da alma italianas. Esse homem de 95 anos (nascido em 15 de maio de 1915 em Viareggio, na Toscana), que usava o humor e o drama como se fossem dois elementos indissociáveis em comédias como L’Armata Brancaleone, internado num hospital em Roma, tratando um tumor, segundo as informações, em fase terminal, decidiu que não tinha mais nada a fazer ali, ou neste mundo, e se jogou da janela do hospital San Giovanni, ontem, dia 29 de novembro de 2010.

Acho espantoso o fato de que um homem de tamanha vitalidade, autor (como roteirista ou diretor) de dezenas de filmes que enriqueceram a experiência humana neste mal humorado planeta, de repente, injuriado com a humilhação da existência que não lhe reservaria mais nenhum futuro, tenha resolvido dar cabo da vida assim, como se toma uma aspirina.

Claro que ter 95 anos e estar com uma doença terminal sinaliza a qualquer um de nós algo menor (como diriam em países de língua espanhola, menos grande) no suicídio de Monicelli. Afinal, o que poderia esperar da vida um homem nessas condições? Para mim, são exatamente essas condições que tornam seu suicídio misterioso. O turbilhão de lucidez deve ter sido um caminho extraordinário do grande Monicelli, nos instantes que precederam sua morte. “Chega”, deve ter pensado (palavra que ouvi de minha mãe minutos antes de ela partir em 1999). Ou melhor, “basta!”, em italiano.

Ao pensar em Monicelli, a primeira imagem que surge (para mim) é a do maravilhoso L'Armata Brancaleone (1966), conhecido entre nós como O Incrível Exército de Brancaleone. O filme conta uma história maluca que se passa no século 11. De posse de um documento encontrado com um cavaleiro morto, Brancaleone de Norcia (interpretado pelo também grande Vittorio Gassman) é um cavaleiro cômico e farsante que, com um bando de “guerreiros” maltrapilhos, vai atrás do reino de Aurocastro, ao qual supostamente teriam direito pela posse do documento encontrado. Em seu caminho, peste negra e guerreiros temíveis, como os sarracenos. Nesse filme magnífico, é inesquecível Carlo Pisacane no papel de Abacuc, um judeu convertido pela “Armada Brancaleone”. O personagem exemplar resume a fusão de comédia e drama presente na obra de Mario Monicelli.

Gosto muito mais de L'Armata Brancaleone do que de todos os filmes de Monty Python juntos.

Postado originalmente às 14:25
Atualizado às 15:32


Clique aqui para conhecer a filmografia de Mario Monicelli

Veja trecho de O Incrível Exército de Brancaleone:

2 comentários:

Mayra disse...

Foi um suicídio assustador mesmo - acho que todo suicídio é assustador. E foi cinematográfico também, não?! Ele deve ter pensado nisso: um último detalhe autobiográfico que se mistura, de alguma forma maluca, à encenação da arte (lembra do Inquilino de Polanski?). Assustador e emocionante. Como a vida.

Sérgio Alves disse...

Que saída de cena. Bem dirigida e que torna a comédia da vida explícita. Rever a cena dos grandes Noiret, Del Prete, Celi, Tognazzi... na plataforma do Amici Miei estapeando os incautos (peró...) passageiros daquele trem da vida... Mas o texto teu, Edu, faz reflexo. Assustador e emocionante.