terça-feira, 25 de maio de 2010

Já que estamos em cinema, "Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo"

Pedi para o jovem editor de arte do jornal salvar uma foto do filme. Ao avisar-me que a fotografia já estava na pasta, ele ressalvou: “a foto está lá, mas não está muito boa”.
“Não está boa por quê?”
“Porque está escura e desfocada”, constatou ele.

O diálogo é perfeito para ilustrar a sensação de estranhamento causado pelo filme Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo, dirigido pelos cineastas Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus) e Karim Aïnouz (Madame Satã e O Céu de Suely). Estranhamento que é do próprio protagonista, diante da estrada que percorre para realizar uma pesquisa de campo e levantar dados técnicos sobre uma extensa área por onde deve passar um canal, no árido do Nordeste, trabalho que, na verdade, é um pretexto para fugir da dor da separação da mulher amada. Estranhamento do espectador, transformado nos olhos do próprio narrador (a câmera nervosa, em busca de uma saída que parece impossível).

No percurso, o geólogo José Renato atravessa a aridez geográfica, metáfora de sua própria angústia e melancolia. Diante de seus olhos, a paisagem é de fato escura e desfocada. A estrada, sempre igual. Os habitantes dos lugares por onde passa, alguns dos quais serão desapropriados para as obras do canal, pobres, miseráveis mesmo, parecem sequer ter a noção de que existem outros mundos. As prostitutas com quem se relaciona para tentar em vão esquecer o amor perdido, igualmente pobres habitantes da terra devastada pela natureza.

O personagem-narrador não é um estrangeiro por acaso. Os personagens de Karim Aïnouz têm mesmo essa característica em comum, a de serem estrangeiros, física ou metaforicamente. O cineasta, nascido no Ceará, é filho de mãe cearense e pai argelino como o escritor e filósofo Albert Camus (1913-1960), autor de O Estrangeiro, obra fundamental do existencialismo francês.

Apesar de tudo, do não-estar, da paisagem escura e desfocada e do estranhamento, o filme apresenta uma saída. No mundo do geólogo José Renato, a luz está logo ali, atrás das sombras. Diz o próprio diretor Aïnouz: “[o filme] é um diário de viagem absolutamente clássico, um ‘road movie’, em que o personagem sai de um lugar para outro e a travessia o transforma, como alguém que atravessou um deserto ou cruzou o oceano”.

O road movie é uma mistura de ficção e documentário, e foi realizado com sobras de filmagens de um curta-metragem sobre o sertão. Foi exibido na mostra Horizontes do Festival de Veneza em 2009.

Pelo menos até quinta-feira, 27, o filme ainda está em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Ou então veja depois em DVD. Você vai odiar ou adorar. Eu celebro o experimentalismo.

Ficha técnica
Filme: Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo
Brasil - 2009
Direção: Marcelo Gomes e Karim Ainouz
Roteiro: Marcelo Gomes, Karim Ainouz e Eduardo Bernardes
Fotografia: Heloísa Passos
Edição: Karen Harley
Elenco: Irandhir Santos (voz em off)

Leia também:

A opinião do cineasta Eduardo Escorel sobre o filme

Entrevista com Eduardo Escorel a este blog, em março de 2010

Um comentário:

Creisu disse...

Lindo filme. Aos poucos me torno fã do cine do Karin. Pra quem não viu, vale a pena tb, o famoso Madame Satã e o Céu de Suely.
Edu seu blog está cada vez melhor. Sério, gosto de todos os posts, menos daqueles que falam do curintia.
Abraço do Creisu.