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Este abaixo é o trecho de matéria publicada ontem no jornal espanhol El País, com impressionante depoimento de um refugiado:
“Praticamente todos os edifícios grandes foram destruídos”, afirmou um refugiado. “Não vi guerra mais suja do que esta, queixava-se o líbio de origem palestina Sami Alderramán. Os rebeldes combatem desde as 11 da manhã às sete da tarde. Mas o pior são os bombardeios da Otan, que ocorrem frequentemente a partir das 11 (23 horas). E disparam contra qualquer edifício. (...) Vi morrer crianças, mulheres, homens... como se fossem animais. Eu peguei minha família e a coloquei num porão, e quando pudemos saímos dali. Não há luz, apenas alimentos.... Nos últimos seis meses, pode ser que tenham morrido em Sirte umas 3 mil pessoas.” A matéria do El País está aqui.
Atentemos para o fato de que, se a estimativa do homem estiver próxima da verdade, o número de mortos civis vítimas dos bombardeios e da luta sangrenta entre forças leais a Muamar Khadafi apenas em Sirte, cidade natal do ditador, é equivalente aos que morreram nas Torres Gêmeas em Nova York no 11 de setembro de 2001.
Ontem, terça-feira, 27 de setembro, as forças leais ao chamado “novo governo” chegaram ao centro de Sirte. Segundo as agências internacionais, os combatentes anti-Khadafi assumiram o controle do porto e de vários pontos estratégicos. Segundo os combatentes, Muamar Khadafi estaria em Ghadamis, perto da fronteira com a Argélia. Ele teria dito que vai lutar até o fim.
A pergunta que fica: a Líbia vai se transformar num novo Iraque?
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3 comentários:
É possível que sim, com a pequena diferença que o Iraque foi uma decisão unilateral estadunidense com o apoio vassalo de Tony Blair. Na aliança da Otan que interviu na Líbia há mais países envolvidos e potencialmente mais interesses em jogo, o que pode piorar ou atenuar a situação, e isso até agora é uma incógnita porque o "pós-guerra" ainda não começou. Quais interesses exatamente estão em jogo? Se a justificativa é o massacre perpetrado por Muammar Gaddafi contra o povo, por que ninguém intervém na Síria, onde os massacres têm sido quase tão brutais?
Mas na Líbia temos o agravante de ser uma sociedade com mais divisões tribais que a iraquiana. As divisões ideológicas entre muçulmanos estão presentes em maior ou menor grau em todas as sociedades de maioria islâmica, mas a Líbia é um país muito mais dividido, divisão que Muammar Gaddafi (e sua tribo) sufocava com mão de ferro. Agora é possível que a Líbia se transforme numa colcha de retalhos.
Fica claro com o pouco que podemos absorver pela frieza do jornal que para o povo líbio não era mais possível não reagir ao sistema político esquizofrênico e repressor de Muammar Gaddafi, mas o futuro na líbia não se mostra muito promissor.
Com isso, fica cada vez mais claro que a decisão brasileira de se abster de apoiar uma intervenção militar incerta foi mais um acerto da sempre respeitada (desde os bigodões do Barão) diplomacia brasileira.
Lembro de ter lido na Folha, bons anos atrás, o depoimento de um jornalista (faz muito tempo, não tenho nome de ninguém), que descreveu, numa narrativa rápida, a torpeza dos ataques de aliados contra o Iraque na primeira investida americana, sob ordens do Bushão pai, na Guerra do Golfo, em 1990. Ele (o jornalista que cobria) dizia ver, barbarizado, aviões americanos passando como bólidos e metralhando mulheres que fugiam dos ataques carregando crianças ao colo. O que ocorre na Líbia é idêntico: os mocinhos do épico, segundo denúncias de fiéis a Gadafi, atiram em tudo que se mexe. O povo líbio quer mudanças, mas o que ouço desde que tento entender o modelo autoritário de democracia no Ocidente é que não se faz justiça com as próprias mãos. A frase do Cabañas ("Quais interesses exatamente estão em jogo?") aplica-se a tudo que envolve a política externa dos Estados Unidos. Qualquer coisa pode ser verdade, menos a versão oficial.
Concordo com tudo Paulo, com uma ressalva: as denúncias de fiéis a Gadafi têm o mesmo valor de verdade que as denúncias dos fiéis aos EUA.
Aliás, existem versões confiáveis numa guerra brutal como essa?
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