terça-feira, 16 de março de 2010

Perguntar não ofende: estamos em Israel
ou no Brasil?

Lula e Shimon Peres/foto: Ricardo Stuckert
Se você ler os dois maiores jornais de São Paulo de hoje (ou nem ler, mas apenas olhar as manchetes nas bancas) provavelmente vai pensar que está em Israel e não no Brasil. A primeira visita de um presidente brasileiro ao Oriente Médio em 100 anos parece uma questão de Estado. Israelense.

"Israelenses cobram de Lula distância do Irã", diz a manchete da Folha de S. Paulo. De modo quase risível, o Estadão usa o mesmo verbo, "cobrar", como se os nobres diários fossem objeto de um ventríloquo. "Governo e oposição em Israel se unem e cobram Lula sobre o Irã", diz o jornal dos Mesquita na manchete.

Visivelmente incomodada (com o quê?), a Folha dedica espaço a ninguém menos que o boss Otavio Frias Filho, para que ele manifeste sua opinião no artigo "Uma política ingênua e errática". No texto, sobre a posição brasileira na visita de Lula a Israel, Frias se refere ao ministro Celso Amorim e ao presidente da República como "nosso simplório presidente e seu trêfego chanceler".

Classifica nossa política externa de "errática, cheia de distorções seletivas" e, como se escrevesse um ditado da embaixada norte-americana no país (já que ele não deve ter acesso tão fácil a Hillary Clinton e outros figurões), o articulista "exorta" o governo brasileiro por uma política de "equidistância comedida".

Diz mais, o artigo. Segundo ele, na política externa do Brasil "a questão dos direitos humanos, por exemplo, deixa de ter qualquer valor no trato com inimigos de Washington, os quais adulamos para sermos vistos como 'independentes'". Ora, todo mundo sabe que os direitos humanos não existem no Irã. Lá, mulheres são executadas a pedradas por cometerem o crime de adultério. É o horror. Mas, curiosamente, Frias se inflama pelos direitos humanos sem mencionar em seu longo texto sequer uma vez a palavra Palestina. Nem territórios ocupados.

Ainda bem que existe imprensa internacional. Nela podemos ler muita coisa interessante. Destaco uma análise de outubro, do articulista David Rothkopf, da prestigiada revista norte-americana Foreign Policy (Política Exterior), em que ele fala da política externa brasileira.

O texto não se restringe a um episódio, mas é uma análise do trabalho do Itamaraty sob Celso Amorim, por isso o artigo se mantém atual e cito-o aqui. “É difícil achar outro ministro das relações exteriores que tenha orquestrado com tanta eficácia uma transformação de tal magnitude do papel internacional de seu país", escreveu Rothkopf sobre o chanceler brasileiro.

Antes que eu me esqueça (os jornais de nosso país se esquecem frequentemente disso): o Brasil defende que não apenas Israel, mas também a Palestina, sejam territórios livres, soberanos e que possam viver em paz.

Observação: Texto também publicado no Observatório da Imprensa

4 comentários:

Nicolau disse...

Grande texto, Edu! Interessante um Frias, família que apoiou o golpe militar aqui no Brasil, inclusive com o episódio do empréstimo de carros para a ditadura, de repente ficar tão preocupado com direitos humanos... Além disso, se tem problema no Irã, também tem coisas semelhantes na Arábia Saudita e outros países. Será que os EUA romperam relações com o maior produtor de petróleo do mundo?

Eduardo Maretti disse...

Fala, Nicolau! Não dá pra responder agora assim, de chofre. Mas ó, vou dar uma ligadinha pra Hillary e depois te conto, beleza?

abração

paciência zero disse...

Essa "grande" imprensa quer mesmo é que nós brasileiros continuemos pra sempre com o complexo de vira-latas pra que os "bem nascidos" continuem a governar como sempre fizeram em favor de si mesmos. Ainda bem, mesmo, que existem outros meios de comunicação e também imprensa internacional ou pelo menos pessoas não tão mal intencionadas como as que querem sempre achar pelo em ovo, por exemplo, hoje no programa do Carlos Alberto Sardenberg na CBN, em conversa com a correspondente da BBC Brasil em Israel e nos territórios Palestinos, Guila Flint, disse: "como pode ter sido um sucesso a visita do presidente Lula se houve esse baita incidente" ao que a jornalista responde que o tal chanceler é de extrema direita e não é respeitado nem interna nem externamente e que quase nem exerce o papel que deveria como tal, que o incidente foi visto como uma coisa secundária (nesse ponto o Sardenberg tentou interromper) e que sim, a visita foi um sucesso, que Lula foi recebido pelos principais líderes de Israel, que o brasil é visto como um país que tem uma influência crescente no cenário internacional, enfim estão tratando a visita como um sucesso, no que foi interrompida novamente!
Aff! haja paciência!!!

Ps. O “baita” incidente foi o seguinte: o ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, boicotou o discurso de Lula no Parlamento israelense e também não estave presente em um encontro entre Lula e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. O motivo do boicote foi em razão de Lula ter se recusado a visitar o túmulo de Theodore Herzl (1860-1904), fundador do movimento sionista.

carmem luz

Felipe Cabañas da Silva disse...

Excelente texto, Edu. De fato, um dos pontos fortes do governo Lula, que merece poucas e pontuais críticas, é a política externa. No governo Lula o Brasil deixa de ser, em termos diplomáticos, um coadjuvante comercial, para se tornar ator político. Várias propostas e concretizações de união sul-sul, cooperação, mas não vassalagem, com os países mais ricos, opinião crítica e atuante sobre os grandes temas humanitários, etc. Como o PSDB é um partido de gestores, o Instituto Rio Branco se tornou, no governo FHC, uma escolinha de businessman e a diplomacia um balcão de negócios. Lula recupera a tradição atuante e pensante da diplomacia brasileira, responsável por formar diplomatas inclusive para outros países da América do Sul.
Na minha opinião, o artigo do Frias Filho só tem um acerto: Celso Amorim não deveria ter se filiado ao PT. Embora seu cargo seja um cargo político e não de carreira, como a maior parte dos cargos diplomáticos, creio que a diplomacia não pode ser partidarizada. Diplomacia é uma atividade política sim, mas sempre independente de agremiações. Abs.