CRÍTICA
O diretor Woody Allen concorre na 84ª edição do Oscar 2012 com o filme Meia-Noite em Paris (trailer ao fim do post), nas categorias Direção e Roteiro. Ele não era indicado desde 1995, quando participou com Tiros na Broadway.
Vi o filme tardiamente (pois foi exibido no cinema, ano passado). Conta a história de Gil (interpretado por Owen Wilson), um roteirista de Hollywood que ama Paris, berço da cultura na primeira metade do século passado onde desembarcavam grandes nomes da literatura mundial.
Marion Cotillard e Owen Wilson/ Reprodução |
Noivo de uma mulher fútil (Inez/ Rachel McAdams), consumista e filha de um casal ultra-conservador, Gil é um escritor frustrado que sonha o sonho impossível de conhecer seus grandes ídolos literários, Ernest Hemingway e Scott Fitzgerald principalmente, que freqüentavam a Paris dos anos 1920. Mas a primeira filiação de Meia-Noite em Paris é Manhattan (1979) – sobre o qual já escrevi aqui –, uma das ou talvez a maior obra-prima de Allen, embora o filme inspirado na Cidade Luz esteja longe de sua matriz fílmica. Como em Manhattan, que abre com longas e maravilhosas imagens e sequências em preto e branco da cidade de Nova York, Meia-noite em Paris usa o mesmo recurso (mas colorido) para fazer sua declaração de amor à capital francesa.
A direção de fotografia em ambos os filmes é magnífica e sofisticadíssima – Gordon Willis na obra novaiorquina, e a dupla Darius Khondji e Johanne Debas na parisiense. Destaque também para trilha sonora. Ouça-a.
Outra “ascendência” óbvia do filme é A Rosa Púrpura do Cairo (1985), em que uma garçonete vivida por uma ainda exuberante Mia Farrow foge da dura realidade e entra na ficção do cinema (ou vice-versa): o herói do filme sai da tela e vive um romance com ela. Em Meia-Noite em Paris, Gil também escapa da medíocre realidade e viaja no tempo. Nos anos 20, ele conhece na noite boêmia da capital francesa seus míticos heróis literários, ouve conselhos de Hemingway, sua obra é avaliada por Gertrude Stein. Vemos um cômico Salvador Dali, caricatural (o pintor Dali era em si uma caricatura, com seu ego doentio), à mesa de um café ou bar, dizendo “Eu sou Dali, eu sou Dali”. O personagem Gil também conhece o diretor Luis Buñuel, ao qual, no filme, me parece, Allen subvaloriza injustamente. No passado, como não poderia deixar de ser, Gil se apaixona por Adriana, então amante de Pablo Picasso (e inspiradora de outros pintores, como Modigliani), vivida pela linda e excelente atriz Marion Cotillard.
A magnífica direção de fotografia é de Darius Khondji e Johanne Debas/ Reprodução |
O roteiro de Meia-Noite em Paris avança ainda mais no tempo, introduzindo o passado dentro do passado, quando Gil e Adriana “viajam” à efervescente Belle Époque do final do século XIX. De volta ao presente, é através do romance que está escrevendo (que na fantasia submete à apreciação de Hemingway e Gertrude Stein) que Gil descobre estar sendo traído pela noiva com o pseudointelectual Paul (Michael Sheen), o recorrente pseudointelecual que Allen adora ridicularizar em seus filmes. No presente, o frustrante presente, é digna de nota a cômica caricatura que faz Allen faz da direita norte-americana, encarnada na família da noiva de Gil.
Direção de atores deixa a desejar
Como a intenção de Allen é, cinematograficamente, fazer um poema sobre Paris, não sei se é intencional que a direção de atores, em minha opinião, deixe muito a desejar (a intenção seria mostrar que o que importa é a magnífica Paris? Não sei). Mesmo Michael Sheen é discreto. Nem Owen Wilson, que faz Gil, convence. Em outros tempos, este seria o papel interpretado pelo próprio Woody Allen, que coloca no personagem/ator os trejeitos, inseguranças e questionamentos intelectuais que tanto nos acostumamos ver o próprio diretor interpretar em vários de seus grandes filmes. Também, para mim, não convencem Tom Hiddleston como Scott Fitzgerald, nem Corey Stoll como Hemingway, nem Adrien de Van como Luis Buñuel. As exceções são, como já disse, Marion Cotillard (Adriana) e Kathy Bates no papel de Gertrude Stein. A "atriz" Carla Bruni (na vida real, a esposa do presidente francês Nicolas Sarkozy, dizem que apresentada a ele por Silvio Berlusconi...) faz uma ponta no filme, intrerpretando uma guia turística, tão bela como péssima, mas talvez introduzida aí como uma espécie de paródia da vida francesa...
Seja como for, como já virou norma dizer neste blog, “Woody Allen é que nem pizza, mesmo quando é ruim é bom”.
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PS: Há mais de dois meses, recebi um e-mail do amigo Daniel Razón (chileno há muitos anos no Brasil/ Porto Alegre) em que ele diz algo interessante sobre Meia-Noite em Paris. Segue:
“ Poderíamos dizer que Allen quis mostrar o momento que todos vivemos alguma vez, que é quando queremos muito fazer alguma coisa e temos medo da crítica, da compreensão e buscamos no passado esta aceitação, já que o passado conhecemos e sabemos a quem perguntar ou mostrar nossa obra, já o presente costuma ser cruel, e não somos corajosos o suficiente para enfrentá-lo, desta maneira perdem-se muitos artistas no anonimato......Porém, prefiro crer que o Woody quis apenas reverenciar Paris e seus encantos entre os quais sua enorme capacidade de conquistar, sobretudo as grandes mentes pensantes de todas as épocas.” (Daniel Razón)
Meia Noite em Paris
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Direção de Fotografia: Darius Khondji e Johanne Debas
Montagem: Alisa Lepselter
Duração: 94 min
Elenco
Owen Wilson – Gil
Rachel McAdams – Inez
Kurt Fuller – John
Michael Sheen – Paul
Mimi Kennedy – Helen
Nina Arianda – Carol
Tom Hiddleston – F. Scott Fitzgerald
Corey Stoll – Ernest Hemingway
Alison Pill – Zelda Fitzgerald
Yves Heck – Cole Porter
Marcial Di Fonzo Bo – Pablo Picasso
Kathy Bates – Gertrude Stein
Marion Cotillard – Adriana
Adrien Brody – Salvador Dalí
Léa Seydoux – Gabrielle
*Post publicado originalmente às 16:03 de 31 de janeiro
*Post publicado originalmente às 16:03 de 31 de janeiro
8 comentários:
Olha a história é tão sedutora que nem vi os atores! Que fantasia deliciosa, a gente embarca junto e conversa com nossos deuses de igual pra igual. Impagável!
E o Woody vira Woody em qualquer ator - a gente não vê mais outra personagem ali, é sempre o mesmo adorável e amigo Woody.
É igual pizza, você tem toda razão...
Mayra (sejamos justos, dando o crédito), essa ótima frase, “Woody Allen é que nem pizza, mesmo quando é ruim é bom”, é sua. Você escreveu comentando em um post neste blog, sobre o próprio Woody Allen, que agora não lembro qual é...
No livro "Cuca fundida", original de 1971 e lançado aqui pela LPM, há um conto, se não me engano "Os anos 20 eram uma festa", onde Woody Allen trabalha algumas ideias que irão aparecer nesse filme. Vale a pena dar uma espiada.
Ótima dica, Adilson. Uma resenha desse livro (que custa R$ 15,00) está no link abaixo (vou comprar).
http://bit.ly/an6fNW
Acho que Meia-noite em Paris tenta resgatar os tempos (desde sempre)em que a ficção se confundia com a realidade e nos fazia sonhar. Não há mais, no século 21, Buñuéis, Hemingwais ou Fitzgeralds porque a realidade da ciência, do dinheiro, da política e das emergências sociais insolúveis falam mais alto. Então, pra mim Woody Allen antes de tudo se remete à sua própria vontade de reviver um passado que o salva de um presente e um futuro que ele vê perdidos. É um filme meio artesanal também, muito bom. Woody Allen ainda existe.
"pra mim Woody Allen antes de tudo se remete à sua própria vontade de reviver um passado que o salva de um presente e um futuro que ele vê perdidos"
Paulo, não concordo com essa sua visão, pra mim ele quis dizer o contrário disso (em relação ao passado, o futuro nem se cogita ali). Ele quis questionar a insatisfação das pessoas com a sua contemporaneidade, simples assim... por exemplo, como as pessoas que têm cabelo liso querem cabelo ondulado e vice-versa. Todos os tempos têm suas belezas e suas feiuras, é só conseguir enxergar.
Acho, Carmem, que o tempo é algo muito abstrato, e pensar no presente (no caso, pra quem viu o filme, não necessariamente pra quem o fez) é também pensar no futuro, já que o presente, de alguma maneira, nos faz criar expectativas positivas ou não. E expectativas sempre nos remetem a um tempo futuro, porque se trata de algo que esperamos que aconteça. Entendo assim. Beijo pra vc.
Olha, em relação ao tempo, Woddy Allen é um crítico mordaz, ácido, da cultura em que vive no presente. A "fuga" do personagem Gil ao passado é, penso eu, uma maneira de dizer que o problema é, está no presente, na covardia ou incapacidade de encarar o presente. Uma personagem de sonho, um mito do passado,precisa lhe dizer que sua noiva o está traindo para ele enxergar isso. O cerne do filme é o presente e a maneira (recorrentemente psicanalítica nos filmes dele) com que Allen ataca as neuroses e psicoses (a hipocondria é filha da psicose) da classe média novaiorquina (mesmo o enredo sendo em Paris). Woody Allen é assumidamente existencialista, é (como ele mesmo já disse) um discípulo de Ingmar Bergman, que, por sua vez, é talvez o mais existencialista dos cineastas. E o centro das críticas de todos os existencialistas é o presente.
Acho que tem muito a ver com isso a observação (citada no post) do Daniel Razón: "o passado conhecemos e sabemos a quem perguntar ou mostrar nossa obra, já o presente costuma ser cruel, e não somos corajosos o suficiente para enfrentá-lo".
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