terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Kassab: a soma que diminui


Por Valter Pomar

Dizem que a quantidade se transforma em qualidade. Assim passou no ato comemorativo do aniversário de 32 anos do Partido dos Trabalhadores, quando o presidente do PSD foi recebido com uma sonora vaia. Vaia, é bom dizer, que em boa medida saiu da boca de gente graúda do Partido: prefeitos, deputados e lideranças nacionais. Não de uma minoria de esquerda, não das bases, mas de dirigentes de diferentes talantes.

Registre-se algo óbvio: a vaia era para Kassab, mas também para os que desejam aliar-se com Kassab. As pesquisas de opinião registram: trata-se de um prefeito mal avaliado. Muito mal avaliado. O mais importante, contudo, é o motivo da má avaliação: seu governo piorou a vida do povo da capital paulista.

Os defensores da aliança com Kassab desconsideram ou minimizam programa, pesquisas e o impacto que esta aliança teria sobre a unidade partidária. Concentram-se apenas numa aritmética: é preciso retomar São Paulo, para isto precisamos de aliados, Kassab tem a nos oferecer de vice o senhor Meirelles (aquele, dos juros altos) etc. e tal.

Mesmo desconsiderando coisas menores como ideologia e coerência, trata-se de uma aposta de risco. Lançar dois ex-ministros de Lula, ambos debutantes numa eleição paulistana-nacional, desagradando de saída parte dos apoiadores e acreditando que a aliança com Kassab coloca mais do que tira.

Em certo sentido, estamos diante de um remake de 2003-2004, quando se tentou transformar a política de alianças do governo federal em política de alianças do Partido. Com um agravante: a derrota de 2004 e a crise de 2005 se deram num contexto nacional e internacional ainda favoráveis.

Hoje vivemos uma situação muito distinta. As fórmulas políticas e econômicas que foram suficientes durante o governo Lula, estão se demonstrando insuficientes neste início de governo Dilma. É por isto que o país cresce, mas cresce menos; o emprego cresce, mas cresce menos; a renda cresce, mas cresce menos; a desigualdade cai, mas cai menos.

Noutras palavras: a situação ainda está boa, mas o horizonte de curto prazo é muito complicado, exigindo uma nova estratégia e a adoção imediata de medidas mais audaciosas, especialmente no terreno dos juros e do câmbio.

A complicação tem um componente político: embora a direita partidária esteja com dificuldades, a direita midiática está a todo vapor, cumprindo o roteiro apontado pelo tucano-mor, a saber, disputar a “nova classe média” com o PT.

Da nossa parte, a disputa começa por afirmar que não é média, não é classe, nem é nova. O que está em disputa é um setor da classe trabalhadora, que graças às políticas do governo Lula e do governo Dilma experimentaram um crescimento na sua capacidade de consumo. A grande disputa reside exatamente em fazer este setor compreender, pensar e agir como parte da classe trabalhadora. O que nos leva a perguntar por que cargas d´água nossa presidenta insiste em falar de um “país de classe média”....

Neste contexto, a aliança com Kassab é uma dupla âncora. Para além de uma opção eleitoralmente equivocada, revela uma opção conservadora na disputa ideológica. Uma opção por aliados privatistas, violentos contra os pobres, ideologicamente reacionários. Que não nos permitirão marcar a diferença e, portanto, deixarão a porta aberta para que candidaturas da direita apelem para um voto coerente.

Um filme que já vimos.

Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT

4 comentários:

Felipe Cabañas da Silva disse...

Falando nos termos propostos pelo Pomar, tendo como premissa que se possa desconsiderar ideologia e coerência como coisas menores (o que não concordo), a aliança com Kassab ainda assim é, de fato, um tiro no pé. E um tiro de calibre 12, daqueles que não fazem só um buraquinho, mas arrancam o pé inteiro. Se o Kassab tivesse 80% de aprovação, e excluindo-se coerência e ideologia do universo de análise, talvez a aliança fosse uma soma que soma e não uma soma que subtrai. Talvez.

Mas aliando-se a uma força conservadora, fisiológica e impopular, o PT se arrisca a amputar parte considerável de sua própria base eleitoral em prol de, no máximo, estourando, 10% de eleitores que o Kassab traria, já que é absolutamente improvável que a base eleitoral kassabista siga em massa as alianças concretizadas pelo "prefeito", além de ser um fato indiscutível que essa base eleitoral conservadora sempre tenderá mais ao PSDB que ao PT. O saldo? Será que 2% ou 3% de eleitores, com margem de erro de 5%???

Algo a se reconhecer, entretanto, é que o talento e a visão política de Lula sempre estiveram muito acima da média. Hoje, no Brasil, nenhuma figura que se possa chamar de líder tem o talento que ele tem. Como diz a Maria da Conceição Tavares, é o maior intelectual orgânico do Brasil. Ele pode, portanto, estar vendo algo que ninguém está vendo. Mas me parece mais que ele está caminhando para um erro político clamoroso.

Paulo M disse...

O cenário internacional mudou bastante do governo Lula para o governo Dilma, a isso em grande parte se devem as dificuldades deste terceiro mandato do PT no comando do país: não havia crise europeia nem norte-americana, Primavera Árabe, nem a crise com o Irã tão afunilada. Quanto à aliança PT/Kassab, pode ser decisiva para o Partido dos Trabalhadores em São Paulo, deve ser a carta na manga. Se, depois disso, perder as eleições municipais, a coisa pode ficar meio curta e a direita ganhar uma vantagem ao menos para médio prazo na capital paulista. É um momento delicado, mais ou menos como andar sobre um rio congelado, correndo o risco de se quebrar uma camada fina de gelo sob os pés. Como disse Cabañas, Lula "pode estar vendo algo que ninguém está vendo. Mas me parece mais que ele está caminhando para um erro político clamoroso".

Felipe Cabañas da Silva disse...

Pois é Paulo, mas qual não foi minha surpresa, abri a Folha hoje e me deparei com uma interpretação completamente diferente. Fernando Rodrigues, por exemplo, defende que a aliança "será mais um prego no caixão da agonizante oposição". Interpretação parecida têm os principais caciques do PSDB que pretendem disputar as famigeradas prévias do partido, em março. E, principalmente, José Serra, que acha a aliança um "desastre para o futuro da oposição".

Há algo que faz sentido nessa interpretação. A força do PT governista tem sido baseada na indexação dos focos oposicionistas, supostamente em prol da governabilidade e sob os auspícios teóricos da melhor "real politik" de esquerda. Kassab é o líder máximo do PSD, que nada mais é que uma dissidência fisiológica do DEM, até antes da criação do PSD o segundo maior partido da oposição no país. Numa aliança em São Paulo, o PT estaria cooptando nada mais nada menos que uma parte considerável do próprio DEM que agora atende pelo nome bisonho de PSD e segue os rumos de Kassab.

Que figura pode mudar esse cenário? Um certo José Serra que, candidato, obrigaria o pupilo Kassab a seguir seus rumos. Porém, é público e notório que José Serra é uma liderança personalista, ególatra, temperada por um toque de messianismo e que faz política dividindo e não unindo. Para que salvar a oposição se ela não está mais unida em torno de seu próprio nome? - já que cresce o consenso de que o próximo nome tucano à presidência tem de ser Aécio Neves. Para que se sacrificar num cargo menor para salvar um partido que já não lhe dá a mesma sustentação?

Não duvido nada que o Serra deixe a oposição afundar para enfraquecer o PSDB e, ou criando outro partido ou se filiando ao PPS, tenha ele próprio condições de disputar a presidência em 2014.

Paulo M disse...

Tudo isso é pertinente, Felipe, é possível. A aliança do PT com o Kassab em São Paulo é algo que se apresenta como uma novidade política e nossas conjecturas são bem-vindas. O tempo, como sempre, vai dar a resposta sobre quem vai "levar mais vantagem" ou quem vai ficar com o ônus nesse arranjo. Mas temo que a sigla do Partido dos Trabalhadores perca sua conotação de esquerda popular em prol da necessidade de sobrevivência política dentro de uma procura incondicional pelo eleitorado, ou por algo que possa começar a se parecer com, digamos, uma feira política. Não espero que figuras brilhantes como Marta Suplicy sejam fritadas em benefício de acordos vantajosos ou porque se nega a subir em palanque com Kassab. Vamos ver no que resulta tudo isso. Valeu.