Foto: Elza Fiúza/ABr
Dom Odilo Scherer, cotado no conclave |
Alguns argumentam que um papa brasileiro seria notoriamente prejudicial ao Brasil, no sentido de que, investida de um poder ao mesmo tempo simbólico e concreto, a Igreja Católica passaria a exercer influência política ainda maior do que já exerce no país, cuja Constituição define o Estado como laico, mas que está longe de ter garantidos direitos quando o que está em jogo é a moral e os dogmas católicos.
Não se pode esquecer que, durante o processo eleitoral brasileiro de 2010, que culminou com a eleição da presidente Dilma Rousseff, bispos brasileiros se reuniram com Bento XVI e conseguiram do sumo pontífice uma declaração claramente contrária à candidata do PT: "Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático, que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade da pessoa, é traído em suas bases", disse o papa na época.
Até que ponto ou até onde iria a influência, em nosso país, da igreja comandada por um brasileiro não se sabe. Mas, considerando o conservadorismo do Vaticano, que exterminou do poder sua ala mais progressista a partir do pontificado de João Paulo II, pode-se ter uma ideia.
Há um outro aspecto a considerar. O crescimento do número de evangélicos no Brasil é significativo, na medida em que acompanhou na última década o decréscimo dos católicos. Os evangélicos passaram de 15,4%, em 2000, para 22,2% dos brasileiros em 2010, enquanto o número de católicos caiu de 73,8% para 64,6% na década, segundo o Censo do IBGE de 2010. Os católicos são 123,2 milhões, e os evangélicos já chegam a 42,3 milhões. O censo mostrou ainda que 8% (cerca de 15,3 milhões) não têm religião (são ateus, agnósticos ou deístas) e 2% declaram-se espíritas.
Apesar da significativa queda, o Brasil continua a ser o país com maior número de católicos no mundo. Do ponto de vista da Igreja Católica, um papa brasileiro certamente poderia estancar, ou pelo menos amenizar, a sangria de fiéis das últimas décadas, com potencial de frear ou diminuir o crescimento do neopentecostalismo. Estratégica e politicamente, talvez um papa brasileiro seja uma grande tacada do Vaticano. Mas ainda parece improvável que a solução seja essa, dado o domínio político dos europeus entre os cardeais.
Seja como for, se Odilo Scherer for o nome escolhido no conclave, em julho já haverá um evento de grande alcance e simbolismo, justamente no Brasil, a Jornada Mundial da Juventude, que será realizada em julho de 2013 no Rio de Janeiro com a presença do papa. Estará a igreja considerando esse evento como um dado relevante no processo de escolha do novo papa? Veremos.
2 comentários:
É uma especulação que parece estar ganhando força. Mas tenho a impressão que tem pouco fundamento. Lógica até tem: eleger um Papa do lado de baixo do Equador seria interpretado como sinal de abertura, mas ao mesmo tempo você escolhe um conservador, para que a abertura seja somente de fachada.
Entre Dom Odilo Scherer e Joseph Ratzinger não tem diferença nenhuma: fechados ao diálogo (haja vista a postura inflexível de Scherer nos assuntos que envolvem a PUC), insensíveis para as transformações dos valores, despóticos na pregação de comportamentos, hostis às ideias de modernização estrutural da Igreja, e por aí vai.
Não tem diferença nenhuma para a Igreja mundial, mas tem muita diferença para a Igreja brasileira. Temo que iríamos assistir a uma guinada conservadora, com o alinhamento do discurso dos poderosos da Igreja nacional com o todo poderoso do Vaticano e um sufocamento das lideranças progressistas. Assim, a sociedade civil não poderá avançar na discussão de temas delicados, como: aborto, células-tronco, eutanásia, casamento homossexual - isso para não falar de temas delicados da própria Igreja, como o matrimônio de autoridades eclesiásticas, assunto que não é unanimidade dentro da Igreja. E isso, por quanto tempo? 20 anos? 30 anos? É muito tempo. Por isso, que o Vaticano escolha um papa italiano, francês, americano ou russo. Se fosse pra ser brasileiro, tinha que ter sido Dom Paulo Evaristo Arns... Agora não dá mais... rs.
Bom, o STF autorizou as pesquisas com células-tronco no Brasil, assim como o aborto em casos de anencefalia e reconheceu a união homoafetiva (ver links abaixo).
São avanços, mas a igreja sempre esbraveja quando eles se dão. Fico pensando se o papa fosse brasileiro se o STF teria decidido como decidiu, dado que as implicações políticas seriam outras. Não sei.
Outros temas (como descriminalização do aborto) são tabus invencíveis.
Quanto a dom Paulo Evaristo Arns, um dia escreverei sobre essa grande figura...
http://fatosetc.blogspot.com.br/2012/04/anencefalia-mais-uma-vez-stf-decide.html
http://fatosetc.blogspot.com.br/2011/05/uniao-homoafetiva-marta-suplicy-fala.html
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