segunda-feira, 4 de março de 2013

Grandes atores (3)


Paulo José

Paulo José, em O Palhaço, dirigido por Selton Mello


Este post é para falar de um filme e continuar a série grandes atores.

O grande ator é Paulo José; o filme, O Palhaço, de Selton Mello.

Grande talento, o Selton Mello, que deve ser saudado como uma aparição importante no cinema brasileiro recente.

Paulo José, que foi casado com a grande (e morta tão precocemente) Dina Sfat, é um ator capaz de fazer qualquer coisa. Em Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, por exemplo, ele interpreta o próprio “herói de nossa gente” e também a mãe de Macunaíma. O herói criado por Mario de Andrade é vivido no mesmo filme pelo gigante Grande Otelo (Macunaíma criança) e pelo próprio Paulo José (Macunaíma adulto). Precisa dizer que o filme não seria o que é se não fosse Paulo José e Grande Otelo? Precisa, porque é muito forte dizer as coisas quando elas são verdade.

Paulo José dispensa apresentações. Trabalhou em incontáveis filmes, novelas e séries de TV. Em Quincas Berro D'Água (2010), dirigido por Sérgio Machado, por exemplo, um entre muitos, ele interpreta o mítico personagem Quincas Berro D’Água, criado por Jorge Amado. Interpreta um morto. Imaginem, interpretar Quincas Berro D’Água.

Em O Palhaço, ele faz o palhaço mais velho de uma trupe de circo mambembe que viaja pelas Minas Gerais em busca de trabalhos, encantando cidades e pessoas. Ele é pai de Benjamin, o palhaço Pangaré (Selton Mello, que dá seu show particular como o filho do palhaço velho), que vive uma angústia existencial: não quer mais ser palhaço, não quer seguir o caminho do pai, mas não sabe ser outra coisa.

É bonito, e ao mesmo tempo inquietante, como a arte transforma obras que amamos em coisas ultrapassadas. Ao ver O Palhaço, pensei muito em Bye Bye Brasil (1979) de Cacá Diegues, aquele da trilha de Chico Buarque, uma das mais lindas canções da MPB que existem (parceria de Chico com Roberto Menescal). Selton Mello com certeza tem Bye Bye Brasil como uma referência. Mas quão mais longe vai com seu filme! As referências do diretor de O Palhaço remontam a Fellini. E não é exagero dizer que emociona como Fellini.


Selton Mello, como o palhaço Pangaré, no filme que dirige

As referências do filme de Selton Mello, é bom dizer, incluem não apenas o grande cinema, mas também a parte chamada brega da cultura brasileira: a trilha sonora tem peças que causariam arrepios a setores cult da sociedade tupiniquim, mas que fazem parte do imaginário nostálgico que o rádio ajudou a disseminar ao longos das décadas a partir dos anos 1970. “Tudo Passará”, de Nelson Ned, por exemplo. Perfeito. Selton Mello está mais para Fellini do que para Godard. Há quem não goste do estilo blasé de Selton Mello, que se pode ver também, como ator, no ótimo filme O Cheiro do Ralo (2007), dirigido por Heitor Dhalia. Mas eu acho muito bom.

O roteiro de O Palhaço, aliás (do próprio Selton Mello e Marcelo Vindicatto), é brilhante. Não é um roteiro explicativo, daqueles que procuram encadear as coisas de maneira didática. As cenas e sequências (e portanto a história) são truncadas como a vida. Mas o fio da meada não se perde. O fio da meada é o circo. A fotografia (sob a direção de Adrian Teijido), que enquadra os planos fundos quase infinitos dos Gerais (o diretor nasceu na cidade de Passos), é ampla como Minas, e ao mesmo tempo intimista em algumas cenas em que a poeira domina o quadro.

Bem, saúdo e recomendo a quem lê este post o precioso filme O Palhaço, que além de tudo emociona, embora não provoque aquela emoção vulgar que Buñuel considerava perniciosa.

E saúdo Paulo José. Um ator universal nem sempre atua em Hollywood.

Leia também:

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