segunda-feira, 11 de março de 2013

Um papa brasileiro? – Considerações


Foto: Elza Fiúza/ABr
Dom Odilo Scherer, cotado no conclave
A pergunta do título tem sido feita nos últimos dias, depois que se intensificaram as especulações segundo as quais o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, seria cotado para suceder Bento XVI.

Alguns argumentam que um papa brasileiro seria notoriamente prejudicial ao Brasil, no sentido de que, investida de um poder ao mesmo tempo simbólico e concreto, a Igreja Católica passaria a exercer influência política ainda maior do que já exerce no país, cuja Constituição define o Estado como laico, mas que está longe de ter garantidos direitos quando o que está em jogo é a moral e os dogmas católicos.

Não se pode esquecer que, durante o processo eleitoral brasileiro de 2010, que culminou com a eleição da presidente Dilma Rousseff, bispos brasileiros se reuniram com Bento XVI e conseguiram do sumo pontífice uma declaração claramente contrária à candidata do PT: "Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático, que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade da pessoa, é traído em suas bases", disse o papa na época.

Até que ponto ou até onde iria a influência, em nosso país, da igreja comandada por um brasileiro não se sabe. Mas, considerando o conservadorismo do Vaticano, que exterminou do poder sua ala mais progressista a partir do pontificado de João Paulo II, pode-se ter uma ideia.

Há um outro aspecto a considerar. O crescimento do número de evangélicos no Brasil é significativo, na medida em que acompanhou na última década o decréscimo dos católicos. Os evangélicos passaram de 15,4%, em 2000, para 22,2% dos brasileiros em 2010, enquanto o número de católicos caiu de 73,8% para 64,6% na década, segundo o Censo do IBGE de 2010. Os católicos são 123,2 milhões, e os evangélicos já chegam a 42,3 milhões. O censo mostrou ainda que 8% (cerca de 15,3 milhões) não têm religião (são ateus, agnósticos ou deístas) e 2% declaram-se espíritas.

Apesar da significativa queda, o Brasil continua a ser o país com maior número de católicos no mundo. Do ponto de vista da Igreja Católica, um papa brasileiro certamente poderia estancar, ou pelo menos amenizar, a sangria de fiéis das últimas décadas, com potencial de frear ou diminuir o crescimento do neopentecostalismo. Estratégica e politicamente, talvez um papa brasileiro seja uma grande tacada do Vaticano. Mas ainda parece improvável que a solução seja essa, dado o domínio político dos europeus entre os cardeais.

Seja como for, se Odilo Scherer for o nome escolhido no conclave, em julho já haverá um evento de grande alcance e simbolismo, justamente no Brasil, a Jornada Mundial da Juventude, que será realizada em julho de 2013 no Rio de Janeiro com a presença do papa. Estará a igreja considerando esse evento como um dado relevante no processo de escolha do novo papa? Veremos.

2 comentários:

Felipe Cabañas da Silva disse...

É uma especulação que parece estar ganhando força. Mas tenho a impressão que tem pouco fundamento. Lógica até tem: eleger um Papa do lado de baixo do Equador seria interpretado como sinal de abertura, mas ao mesmo tempo você escolhe um conservador, para que a abertura seja somente de fachada.

Entre Dom Odilo Scherer e Joseph Ratzinger não tem diferença nenhuma: fechados ao diálogo (haja vista a postura inflexível de Scherer nos assuntos que envolvem a PUC), insensíveis para as transformações dos valores, despóticos na pregação de comportamentos, hostis às ideias de modernização estrutural da Igreja, e por aí vai.

Não tem diferença nenhuma para a Igreja mundial, mas tem muita diferença para a Igreja brasileira. Temo que iríamos assistir a uma guinada conservadora, com o alinhamento do discurso dos poderosos da Igreja nacional com o todo poderoso do Vaticano e um sufocamento das lideranças progressistas. Assim, a sociedade civil não poderá avançar na discussão de temas delicados, como: aborto, células-tronco, eutanásia, casamento homossexual - isso para não falar de temas delicados da própria Igreja, como o matrimônio de autoridades eclesiásticas, assunto que não é unanimidade dentro da Igreja. E isso, por quanto tempo? 20 anos? 30 anos? É muito tempo. Por isso, que o Vaticano escolha um papa italiano, francês, americano ou russo. Se fosse pra ser brasileiro, tinha que ter sido Dom Paulo Evaristo Arns... Agora não dá mais... rs.

Eduardo Maretti disse...

Bom, o STF autorizou as pesquisas com células-tronco no Brasil, assim como o aborto em casos de anencefalia e reconheceu a união homoafetiva (ver links abaixo).

São avanços, mas a igreja sempre esbraveja quando eles se dão. Fico pensando se o papa fosse brasileiro se o STF teria decidido como decidiu, dado que as implicações políticas seriam outras. Não sei.

Outros temas (como descriminalização do aborto) são tabus invencíveis.

Quanto a dom Paulo Evaristo Arns, um dia escreverei sobre essa grande figura...

http://fatosetc.blogspot.com.br/2012/04/anencefalia-mais-uma-vez-stf-decide.html

http://fatosetc.blogspot.com.br/2011/05/uniao-homoafetiva-marta-suplicy-fala.html