segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Favoritos do cinema (5): Pasolini



Reprodução


Pier Paolo Pasolini (1922-1975) é um mestre da geração que teve Buñuel, Godard, Glauber Rocha, Bertolucci, Truffaut, Fellini, Bergman e tantos outros.

Como acontece com Buñuel, é difícil citar apenas um filme de Pasolini para colocá-lo na série Favoritos do cinema, que às vezes publico aqui no blog, que são postagens sobre determinados filmes, e não diretores. Pasolini está entre as exceções.

Não dá para começar a falar do diretor italiano sem citar pelo menos cinco filmes:

- Accattone (1961)
- Mamma Roma (1962)
- Il vangelo secondo Matteo (1964)
- Uccellacci e uccellini (em português, Gaviões e passarinhos, 1966)
- Salò o le 120 giornate di Sodoma (em português, Salò ou os 120 dias de Sodoma, 1975).

Não vou discorrer sobre os filmes citados porque senão passaria a noite escrevendo. Mas qualquer busca no Google fornece informações. Salò, por exemplo, é um filme diante do qual uma pessoa estética e politicamente sensível não passa incólume. A beleza (a arte intrínseca ao filme) e a perversidade (o fascismo) se fundem nessa obra-prima. Costumo dizer sobre Salò que eu não veria de novo, mas foi essencial ter visto.

O Evangelho segundo Mateus
mostra um Cristo assertivo e belo, viril e transgressivo, dando uma conotação subversiva (no sentido mais profundo) à passagem de Mateus do Novo Testamento: “Não penseis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer paz, mas espada” (Mat 10, 34).


Vittorio Cataldi, em Accattone

Todos os filmes acima (entre outros) são belíssimos, no sentido clássico do termo, mas também enquanto linguagem fundadora, inquietante e transgressora, que os anais da história registram como sendo o neorrealismo italiano. Se há esse conceito, Pasolini é seu espírito.

Para contextualizar: Pasolini nasceu em Bolonha (5 de março de 1922) e morreu em Óstia (periferia de Roma, em 2 de novembro de 1975), assassinado aos 53 anos em circunstâncias até hoje não suficientemente esclarecidas. A Itália de Pasolini, é bom lembrar, era um país conturbado, onde as disputas políticas eram permeadas por conflitos armados. Era a época das Brigadas Vermelhas, organização guerrilheira urbana marxista-leninista (e simpática ao maoísmo) que, entre outras ações, sequestrou e executou Aldo Moro, então ex-primeiro-ministro e presidente do partido direitista da todo poderosa Democracia Cristã Italiana.

Sendo erudito, Pasolini conseguiu evitar que o academicismo matasse sua arte. Pelo contrário. Era um artista genial: uniu o clássico (arte) ao contemporâneo (cinema) com desenvoltura. Cristão e comunista, viveu uma relação intensa “de amor e ódio”, como se diz, com duas instituições: a Igreja Católica e o Partido Comunista Italiano, o lendário PCI, que foi pensado, entre outros, por Antonio Gramsci (1891-1937). Pasolini brigou com o PCI e com a igreja, mas não brigou com o marxismo e nem com a arte.

Além do caráter político/estético dos filmes de Pasolini, estes tinham outra virtude: não eram simplesmente “filmes-cabeça”, (apenas) experimentalistas e chatos como A chinesa de Godard, um dos símbolos da chatice no cinema (adoro Godard, devo ressalvar e ressaltar, mas esse é outro post).

Depois que eu postar esta humilde impressão, com certeza lembrarei de outras coisas que poderia ter dito sobre Pasolini, mas não disse.

Por exemplo, me ocorre neste instante o magnífico diálogo entre o grande e velho ator Totó e o jovem Ninetto Davoli em Uccellacci e uccellini, uma alegoria na qual um velho e um jovem (pai e filho?) discutem filosofia (marxista) durante uma viagem a pé, interpelados o tempo todo por um corvo intrometido. Para quem gosta de gossips, consta que Pasolini, que era homossexual, adotou Davoli como seu ator e jovem amante. O mesmo Nineto Davoli trabalhou com Pasolini, entre outros filmes, em Decameron (1971), o primeiro (e melhor) da Trilogia, que se completa com Os contos de Canterbury (1972) e As mil e uma noites (1974).

Però, è finito. Arrivederci. Eu estava devendo um post ao mestre Pasolini. Espero que ele aceite isto como uma medíocre tentativa.


Leia também, da seção Favoritos do cinema
:

Quando explode a vingança (Sergio Leone)

Era uma Vez no Oeste (Sergio Leone)

Fargo (irmãos Coen)

Os Incompreendidos, de François Truffaut


*Publicado originalmente às 02:13 de 14 de dezembro de 2012

2 comentários:

marco antonio ferreira disse...

Edu, mudou a cara do seu blog, bao! Outro dia estive vendo Salo. Incrivel este filme. Mas realmente sinistro, sim acho que e de arrivederci. Vi no youtube, alias onde vejo filmes atualmEnte, so youtube. O bom do youtube e que buscas algo e encontras outro, ou outros. Tinha, enquanto buscava salo, um video com Bertolucci, que ele contava como conheceu Passolini. - Passolini bate a porta de sua casa, seus pais estavam fazendo um sesta, ele foi acordar o pai, e disse, tem um cara ai com cara de ladrao, de bandido, enfim. E o pai lhe diz, ah eh paolo, um grande poeta. Bertolucci falava do interesse de passolini pelo submundo. Ladroes, proxenetas, gigolos, como os jovens de Acatone. Que eram garotos da periferia Romana que depois se tornaram atores. Passolini se parecia a um segundo beetolucci. Ah sim
tambem fala do desinteresse dele, pasolini por. Godard.

Eduardo Maretti disse...

Catzo, muito bom esse comentário, caro Marco Antonio Ferreira! Pasolini ladrão, Pasolini Accattone, "proxenetas, gigolos, como os jovens de Acatone. Que eram garotos da periferia Romana".

Grande lembrança, essa crônica sobre Bertolucci-Pasolini...