LITERATURA
Para meu amigo Xico Santos, que um dia me apresentou o livro Martin Eden
Falar do romance Caninos Brancos, de Jack London (foto), que acabo de ler, não exige gancho jornalístico. Porque, se tudo o que é belo na vida dependesse de gancho e de jornalismo, estávamos fritos.
Jack London (1876-1916) é um dos mais inquietantes e importantes da fértil literatura norte-americana que foi surgindo nas livrarias nas primeiras décadas do século XX. Desta geração fazem parte John Reed (1887-1920), Ernest Hemingway (1899-1961) e Scott Fitzgerald (1896-1940). Os dois últimos são reunidos sob o rótulo “geração perdida”, termo ao que parece cunhado pela escritora Gertrude Stein (1874-1946) e que me soa mais como rótulo do que como verdade literária. Reed, Hemingway e London têm em comum o fato de terem atuado como jornalistas.
Voltando ao livro Caninos Brancos (1906): você começa a ler uma história cujo enredo tem início nas geladas “terras do Norte”, no Canadá, e vai terminar em São Francisco (EUA), onde o próprio Jack London morreu em 1916. Nela, dois homens conduzidos por um trenó de cães tentam atravessar a “natureza selvagem”, o frio extremo, a paisagem desoladora do deserto branco infinito, e precisam chegar a seu destino, um tal Fort M’Gurry.
Mas você vai descobrindo, lenta e inexoravelmente, através da narrativa envolvente, seca, implacável e econômica de London, que a história não é a de um homem, de alguns homens, de uma tribo ou civilização, mas é a história de um lobo. Ou da família de um lobo, através das gerações.
Um lobo que se chama Caninos Brancos, nome que lhe foi dado por um de seus donos durante a vida (um índio). Na história, a natureza que é selvagem para o homem (a desgraça) é o habitat (a bênção, apesar da luta pela vida) do magnífico lobo, animal de grande poder e beleza que (parênteses) foi caçado covarde e incessantemente pelo homem branco durante a conquista da Terra. Por falta de outro adjetivo, é sobrenatural a maneira pela qual Jack London descreve a mente (trabalho que certamente demandou enorme e longa observação) desse animal que as gerações transformaram nesse ser domesticado, submisso e idiota do mundo contemporâneo: o cãozinho que não pára de latir durante a noite. Mas o lobo não late, o lobo uiva.
Mesmo tendo de se submeter ao “deus” homem, seja como cão de parelha ou cão de rinha (ritual sádico e demasiadamente humano), perdido entre o raiar da civilização que se lhe apresenta e a selva profunda de seus ancestrais, o lobo preserva a beleza do instinto, da ferocidade e da potência: “ainda possuía uma certa ferocidade oculta, como se a selva permanecesse dentro dele”. A transmutação do selvagem no animal domesticado que se processa na criatura Caninos Brancos não poderia ter sido espiritualmente tão bem forjada por ninguém como foi por Jack London.
O autor escreveu, entre outros livros, obras-primas como Martin Eden e O Lobo do Mar. É o escritor que, entre todos os que li, melhor descreve a morte, da maneira mais assombrosa (a morte verdadeiramente, a morte da consciência, em suma), no romance Martin Eden. A abrangência de sua literatura é grande: sem ela, a obra do venerado beatnik Jack Kerouac (1922-1969), por exemplo, pelo menos tal como a conhecemos, não teria existido.
Curiosamente, na história de Caninos Brancos, Jack London parece escrever com amor, ao contrário do que quando escreve apenas sobre humanos, quando sua literatura não consegue fugir da crueldade como inerente ao homem. Em Caninos Brancos, no qual o protagonista é um lobo, ser que inspirou até o fantástico lobisomem, o escritor olha para a vida com mais benevolência.
Jack London nasceu em São Francisco, onde também morreu em 22 de novembro de 1916, na fazenda Glenn Ellen. Uns dizem que se matou, outros afirmam que ele morreu acidentalmente de overdose de alguma droga, ou seja, suicídio involuntário. Segundo a lenda, o local ficou conhecido como Casa do Lobo. Não sei. Só sei que se você leu este texto até aqui, deveria ler Jack London.
Caninos Brancos (Jack London)
Editora Melhoramentos - 237 páginas.
R$ 37,90
Texto também publicado, em versão um pouco diferente, no Boteco Cultural
4 comentários:
Muito bom o texto (este do blog). Deu vontade mesmo de ler esse livro.
grande esse Jack London e grande a alma do lobo. Esse animal era caçado pelo homem, não só por sua pele, mas também por que era considerado maldito. Que coisa!
vou ler esse livro. Valeu a dica e o texto.
Edu, achei curioso o fato de você ter dito:
"Chico Buarque mesmo só escreveu um livro digno de ser lido: 'Budapeste'". Para mim é justamente esse o menos interessante. Aquele papo de um local não-local da pós-modernidade, sinceramente...
Até mesmo o romance iniciante, 'Fazenda Modelo', descontando o momento político no qual foi escrito, em meio à negra Ditadura militar, ainda guarda um viço da ironia e ceticismo das fábulas.
Bem, é isso aí, meu amigo.
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