Caetano Veloso ter chamado o presidente Lula de "analfabeto" é algo em si lamentável. Ponto.
Preconceituosa e gratuita, a agressão provocou uma reação em cadeia entre pessoas que ao mesmo tempo gostam do artista (ou de sua arte) e simpatizam com o presidente da República, ou, pelo menos, estão longe do espectro político representado pelos leitores do jornal O Estado de S. Paulo. Caso deste blogueiro.
"O velho e bom Caetano não muda nunca”, disse minha prima Silvia em troca de e-mails, ressalvando: “Ainda bem que gosto da arte dele. Como sempre, com um discurso pretensamente intelectual e neutro, mas assumindo uma postura reacionária e conservadora". É outra verbalização para o que Rodrigo Vianna resumiu bem ao dizer, em seu blog: "O Caetano das letras e músicas antológicas deixa no chinelo o Caetano preconceituoso e tolo das entrevistas".
Já outra amiga, Mayra, doutoranda pela Faculdade de Educação da USP (sua tese é sobre Noel Rosa), demonstra inconformismo: "Acho deprimente que Caetano tenha virado um personagem, pequeno, de si mesmo. Antes, falar bobagem era meio que desmitificar a voz do artista, de quem se cobrava muito o engajamento político. Agora, ele virou só um blefe desrespeitador, sem brilho algum, um velho que fala merda despudoradamente e não tem celular. Pena".
Mayra e Silvia estão entre os que crescemos ouvindo avidamente incontáveis canções geniais como "Tropicália", "Baby", "Qualquer Coisa", "Terra", "Coração Vagabundo", "O Estrangeiro", "Língua", "Muito", "Oração ao Tempo", entre tantas outras obras-primas, incluindo "Odeio", do penúltimo disco, Cê.
Certa vez, no fim dos anos 70, meu primo (hoje amigo e artista plástico) Marco Ferreira estava de repente em casa, onde eu vivia com meus pais e irmãos, no Parque Jabaquara (São Paulo). Eu não o via desde a infância, e já éramos pós-adolescentes. Entre as possibilidades de vencer o silêncio que se instalara entre duas pessoas naturalmente tímidas como nós (e que se admiravam a distância), estava, lógico, colocar um disco para tocar. Pus Bicho, de Caetano.
Quando tocou "Odara" ("Deixa eu cantar/ pro meu corpo ficar Odara...") Marco comentou de repente: "Quando queriam que Caetano fosse contra a ditadura, que protestasse, que cantasse contra os generais, ele fez Odara". Com admiração velada mas evidente, o comentário de Marco, que nunca foi um esquerdista do tipo dinossáurico (maniqueísta, de cartilha), e tampouco o era com pouco mais de 20 anos, resumia duas coisas irrefutáveis para muitos de nossa geração: 1) a genialidade de Caetano, que nos ensinara e ainda ensinaria tantas belezas de nossa arte, música, poesia e cultura; 2) a arte de Caetano é intrinsecamente política, mas não foi feita para consumo de militantes, pois está muito além de uma visão dualista do mundo, como aliás é qualquer arte que sobrevive a seu próprio contexto histórico.
Por tudo isso é que disse, no título, que essa é uma triste polêmica. E por tudo isso, Caetano Veloso deveria preservar (ou ter preservado) pelo menos sua imagem antes de enveredar dessa maneira infeliz por uma seara que não é a sua. O estranho da entrevista concedida ao Estadão é Caetano permitir-se falar de um assunto (política) que sempre afirmou (inclusive em seu ótimo livro Verdade Tropical) não estar entre seus preferidos, já que sua interlocutora, Sonia Racy, é uma jornalista de Política e nada preocupada com Zii e Zie, o novo disco do artista.
Caetano dar uma entrevista sobre política a uma velha cobra da "grande imprensa", que só sabe e respira política, esse foi um erro do qual ele poderia ter poupado seus muitos fãs que não são ligados ideologicamente à oligarquia paulista preconceituosa e racista que se deliciou com o xingamento a Lula. (Claro que reconheço que ele tem também muitos fãs do lado de lá, do lado dos cansados.)
É um paradoxo um artista genial, intérprete das coisas da negritude, ter-se transformado, momentaneamente ou não, num porta-voz dos preconceitos mais reacionários da "minoria branca" paulistana.
Seja como for, vou continuar a ouvir os lindos disco de Caetano. E votarei na Dilma Rousseff, candidata do presidente Lula.
Pra terminar. Se você gosta de política, leia Norberto Bobbio. É bem melhor do que entrevistas de Caetano Veloso.
5 comentários:
Opa!
com o apagão, ninguém mais se lembra do caetano e suas falas desastradas.
alias, diante da informação de que vc ia começar o blogue ontem, acho q já encontrei o responsável pelo blecaute: alguma articulação patrocinada por uma empresa de material esportivo pra derrubar a sua pessoa.. hehe
sobre o blogue, viva!
legal, bróda. Seja bem-vindo.
Edu, imensa satisfação em ver o lançamento do seu blog,....com certeza acompanharei suas publicações.....isto me servira para matar as saudades dos ricos "bate papos" de outrora na sua casa.
Sobre o episódio Caetano/Lula, lembro a maxima; "a cezar o que é de cezar"
Caetano, continua a compor e cantar, teus fãs agradecem.
Sobre a posição do Brasil e o Lula no mundo: todos os números confirmam que estamos no caminho certo (é claro que tem custos)e só não vê quem não quer ou não pode, cego por não estar mais, sentado na cadeira do poder, perpetuando as oligarquias que sempre estagnaram este pais.
grande abraço
Daniel Razon
muito bem inaugurado seu blog, Edu
Sobre Caetano Veloso, estou decepcionado. Caetano não tem talento para política. Gilberto Gil por ex.difere-se nesse aspécto, é mais comedido, jamais falaria algo tão fora de propósito, sem contexto, sem importância. Suas palavras refletem somente sua opinião pessoal e as pessoas superestimam suas opiniões em contexto político. Todos nós sabemos que Lula está acima da análise banal e inconsequente do nosso querido Caetano Veloso, a quem devo grande inflência. Quanto ao apagão, já estamos "às claras", mas é sempre bom estar com umas velas à mão, como nessa bela foto.
abraços
Daniel! Surpresa boa tu apareceres por aqui, meu chileno favorito! Opa, chileno-brasileiro é melhor, pois és mais brasileiro do que muitos brasileiros!
E, Alexandre, a influência musical-poética de Caetano é inegável.Mas Gil fez uma gestão importante no Ministério da Cultura, democratizando verbas, descentralizando influências, o que deixou alguns õrfãos inconformados, pois perderam verbas e poder. As verbas, sob Gil, mudaram de destino.Parece que nem Caetano perdoa.
abraços!
Apareçam sempre por aqui!!!
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