segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Gelson Domingos, uma vítima da cultura tropa de elite

Uma pequena nota sobre a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes Gelson Domingos da Silva na manhã deste domingo, 6, durante confronto entre policiais do Bope e traficantes na favela de Antares, na zona oeste do Rio.

À tarde já havia imagens disponíveis do tiroteio na favela. O cinegrafista de 46 anos morreu e, trágica e imediatamente, virou uma espécie de autonotícia. Por ele ter recebido o tiro de frente, há chances de ter filmado o atirador que o alvejou. Às 16:49 o portal Uol trazia a chamada na home: “Band divulga vídeo gravado na operação”. Clicando naquele link, você vai parar num vídeo hiper-realista e brutal do tiroteio, que eu prefiro não publicar aqui. Embora adore os filmes de Sergio Leone.

Fazendo o seu papel protocolar, e, diga-se, tardiamente, o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro responsabilizou a TV Bandeirantes pela morte de Gelson.

Duas considerações sobre esse triste episódio:

1) como a polícia militar (ou seja, o Estado) permite que um cidadão, embora jornalista, faça parte de uma operação de guerra dessas proporções? Esse cinegrafista deveria estar lá? A reportagem da TV Bandeirantes deveria estar no meio dessa operação? Está claro que o profissional morreu no mínimo por negligência da polícia, já que supostamente o colete que vestia não foi suficiente contra um tiro de fuzil. Ponto.

2) Gelson foi vítima de um jornalismo em si mesmo deletério, esse jornalismo que vende a violência em milhões de televisões ligadas nos botecos e padarias do país no início de todas as noites. A cultura Tropa de Elite.

O Brasil não precisa dessa cultura. Ou será que precisa?


*Post reproduzido no Observatório da Imprensa

Atualizado às 20:11 de 07/11/2011

Publicado aqui originalmente às 20:28 de 06/11/2011

3 comentários:

Gabriel Megracko disse...

É aquele negócio. Ouvi falar sobre um "atentado contra a liberdade de imprensa", termo que me parece mais uma reutilização de algum item do cardápio de clichês. A verdade é que a própria imprensa, a grande imprensa, está retida não nos seus valores, mas na ignorância das suas intenções obsessivas. Convenhamos, Gelson não estava fazendo jornalismo, estava apenas trabalhando, talvez por um pouco de dinheiro a mais; e a Band não está fazendo jornalismo, está enriquecendo às custas da miséria e da ignorância do claustro mental onde foram enfiados os telespectadores.

Paulo M disse...

E se o cinegrafista não tivesse morrido, convenhamos, não teriam vendido tanto espetáculo, tanta matéria televisiva. Affff... A liberdade de imprensa, que não é sinônimo de zorra total, virou mais um produto que se vende como mercadoria fabricada. O pior é que nós, trouxas, como disse o Megracko em outras palavras, compramos.

alexandre disse...

acho que culpar a imprensa, seja televisiva ou escrita, é considerável. Mas dificilmente deixamos de ver diariamente, ouvir ou ler algo que esteja ligado ao crime, à violência, sempre com registros de imagens de impacto, pondo em risco à vida de fotógrafos, jornalistas e cinegrafistas. Essa é a realidade brasileira. Não temos como esconder o crime. Temos que buscar as melhores imagem, os melhores ângulos, e para isso nos expomos ao perigo. Perde-se a noção nessa adrenalina. E não temos como nos livrar da violência em qualquer parte do mundo. Ou temos? Acho que esse profissional, Gelson Domingos, vacilou também, se expondo demasiadamente, na linha de frente, pela confiança que tinha na presença de policiais e sem nenhuma orientação, ao que me pareceu. É uma profissão de risco. No entanto as buscas cada vêz mais constantes por notícias e imagens de crimes em geral, a serviço da curiosidade sádica de muita gente, coloca
cada vèz mais em risco esses profissionais. E a tv Bandeirantes tem de ser responsabilizada por isso, sob pena da lei - Colocar seu funcionário em risco durante o exercício de suas funções. Não cumpriu as normas de segurança do trabalho.