sexta-feira, 5 de abril de 2013

Pensamento para sexta-feira [41] – García Lorca



Panorama cego de Nova York


Se não são os pássaros
cobertos de cinza,
se não são os gemidos que golpeiam as janelas da boda,
serão as delicadas criaturas do ar
que manam o sangue novo pela escuridão inextinguível.
Mas não, não são os pássaros,
porque os pássaros estão prestes a ser bois;
podem ser rochas brancas com a ajuda da lua
e são sempre rapazes feridos
antes que os juízes revelem a teia.

    Todos compreendem a dor que se relaciona com a morte,
mas a verdadeira dor não está presente no espírito.
Não está no ar nem em nossa vida,
nem nestes terraços cheios de fumaça.
A verdadeira dor que mantém despertas as coisas
é uma pequena queimadura infinita
nos olhos inocentes dos outros sistemas.

    Um traje abandonado pesa tanto nos ombros
que muitas vezes o céu os agrupa em ásperas manadas.
E as que morrem de parto sabem na última hora
que todo rumor será pedra e toda pegada latido.
Nós ignoramos que o pensamento tem arrabaldes
onde o filósofo é devorado pelos chineses e larvas.
E alguns meninos idiotas encontraram pelas cozinhas
pequenas andorinhas com muletas
que sabiam pronunciar a palavra amor.

    Não, não são os pássaros.
Não é um pássaro o que expressa a turva febre da laguna,
nem a ânsia de assassínio que nos oprime a cada momento,
nem o metálico rumor de suicídio que nos anima a cada madrugada.
É uma cápsula de ar onde nos dói o mundo todo,
é um pequeno espaço vivo ao louco uníssono da luz,
é uma escada indefinível onde as nuvens e rosas olvidam
à gritaria chinesa que ferve no desembarcadouro do sangue.

Eu muitas vezes me perdi
para buscar a queimadura que mantém despertas as coisas
e só encontrei marinheiros atirados sobre as varandilhas
e pequenas criaturas do céu enterradas sob a neve.
Mas a verdadeira dor estava em outras praças
onde os peixes cristalizados agonizavam dentro dos troncos;
praças do céu estranho para as antigas estátuas ilesas
e para a terna intimidade dos vulcões.

    Não há dor na voz. Só existem os dentes,
mas dentes que calarão isolados pelo raso negro.
Não há dor na voz. Aqui só existe a Terra.
A terra com suas portas de sempre
que levam ao rubor dos frutos.


Extraído de Federico García Lorca - Obra Poética Completa
(Editora Universidade de Brasília /Martins Fontes - 1989)
Tradução: William Agel de Melo



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