segunda-feira, 7 de maio de 2012

O humor e a ironia em Noel Rosa

Mayra Pinto lança nesta terça-feira, 8, na Livraria da Vila, em São Paulo (a partir das 18h30), Noel Rosa – O Humor na Canção  (pela Ateliê Editorial), resultado de suas pesquisas para a tese de doutorado pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

No livro, a autora explora a obra do compositor carioca criado na Vila Isabel, cuja “voz fala sobre o universo social da pobreza, pouco retratado até então na canção popular urbana, muito menos sob um viés crítico”, explica ela na introdução.

Voz que possuía uma característica muito particular que atravessou toda a sua trajetória musical e poética: “Embora haja canções líricas de sua autoria, a absoluta maioria das composições está atravessada pelas categorias do humor e da ironia, as quais, quase sempre, compõem uma enunciação da experiência como fracasso social em diferentes frentes: econômicas, culturais, afetivas etc. (...) Essa experiência de fracasso na obra de Noel Rosa dramatiza-se em inúmeras personagens, mas a mais frequente é o sambista-pobre”, continua.

Como sou amigo de Mayra, posso dizer que a escolha do tema tem muito a ver com ela mesma, que é uma pessoa acostumada a dar risada dos dramas da vida. E não há nada mais dramático do que o paradoxo que envolveu a vida de Noel: debochando e rindo das agruras da existência, ele, que tinha tuberculose, morreu em 4 de maio de 1937, aos 26 anos.

Abaixo, entrevista com Mayra Pinto, feita por telefone.

Fatos Etc. – O que te motivou ou inspirou a escrever sobre Noel Rosa, o humor e a ironia?

Mayra Pinto – A história é bem absurda, porque quem deu o estalo para pensar Noel Rosa e o humor foi o Bakhtin, que é um teórico russo. Eu tinha lido um livro dele, um clássico, A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Ele desenvolve toda uma teoria do humor e faz uma análise muito brilhante da obra de Rabelais e mostra as intersecções na produção erudita do Rabelais com a cultura popular da Idade Média. E, a partir disso, fiquei pensando se por acaso na cultura brasileira não existiria um Rabelais nosso, ou algo semelhante, dado que a nossa cultura, em vários momentos, tem muito essa intersecção entre a cultura popular e a erudita, e comecei a pesquisar e vi que isso vem do século XIX. E no Noel eu acabei encontrando isso, justamente porque ele trabalha as categorias do humor, e aí você tem sátira, deboche, ironia... E ao mesmo tempo é um discurso muito sofisticado, poeticamente, discursivamente. Isso não existia antes dele na música popular.

Todo grande artista deixa heranças e ecos nas gerações posteriores. É possível ver ecos da obra de Noel na MPB contemporânea, sem contar Chico Buarque, já que em Chico essa herança é óbvia?

Compositor morreu aos 26 anos
(risos)  Mas eu vejo ecos de Noel não numa obra especificamente, ecos que estão no Chico, no Caetano, em todo mundo de uma certa forma, porque Noel estabeleceu o que eu chamo de uma matriz discursiva na produção da canção. O que é essa matriz discursiva? É justamente a competência ao fazer esse imbricamento entre a linguagem musical e a linguagem poética. E a competência está ali de tal forma que você não vê nenhum esforço, nada forçado, é a coisa mais natural do mundo. O Luiz Tatit falou que quando a gente escuta Noel é como se o samba sempre tivesse existido, de tão familiar que aquilo soa. O mais original e próprio de Noel Rosa é essa competência de trabalhar bem o discurso poético com o discurso musical. Eu acho que ele deixou isso para todos os grandes letristas da música popular brasileira. Por exemplo, letristas como Paulo Sérgio Pinheiro, Paulinho da Viola. Esses caras não vão tanto pela linha do humor, da ironia, mas são herdeiros na medida em que aprenderam e começaram a partir do nível de um Noel Rosa. Na MPB paulistana você tinha o Rumo, o Premeditando o Breque... E mesmo Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, todo esse momento da década de 80, que teve uma produção estética interessante, explosiva e bem experimental, vamos dizer assim, todo esse povo foi atravessado pelo humor e suas categorias, são obras bem irônicas. O Rumo tem um disco bacana chamado Rumo aos Antigos, em que eles gravaram canções não só do Noel, mas do Sinhô, do Lamartine Babo, com uma leitura moderna, genial, dessas canções antigas dos anos 20 e 30.

A obra de Noel Rosa é um pouco posterior ao modernismo paulista, também carregado de humor e ironia. Na sua opinião, Noel manifesta alguma influência do modernismo ou o compositor é uma matriz independente?

Não dá pra perceber, é muito difícil comprovar isso. Noel era um cara razoavelmente bem informado e culto, chegou até o primeiro ano da faculdade de medicina etc., mas não sei até que ponto ele lia poesia moderna. Tem um samba em que ele tira sarro dos futuristas, dos poetas futuristas, nessa coisa dos futuristas fazerem um discurso non sense. Agora, conversa com o movimento modernista ou leitura dos modernistas eu acho que não houve nada, ou muito pouco. No meu livro tem uma passagem, que eu cito, em que ele fala sobre a poesia parnasiana, como se a poesia do tempo dele ainda fosse a poesia parnasiana. É um discurso bonito em que ele fala que finalmente a arte chegou no povo e o povo influenciou a arte por intermédio do samba. E que os poetas do samba saíram do ranço do academicismo, como ele chama, e se deixaram influenciar pela arte do povo. Nesse discurso dá pra entender que ele está falando dos parnasianos, que na época faziam sucesso.

Em termos de pesquisa acadêmica, foi fácil ou difícil encontrar trabalhos sobre MPB?

Está ótimo fazer pesquisa sobre MPB hoje no Brasil. Sobretudo do ponto de vista da historiografia. Foi uma surpresa para mim, que não sou dessa área... Eu sou de letras. Mas a historiografia está bem adiantada. O que me ajudou muito foi o acervo digital do Instituto Moreira Salles, onde você tem acesso às coleções, por exemplo, de Tinhorão e Pixinguinha, entre outras. Outro exemplo é uma caixa organizada por um professor de biologia, Omar Jubran, com todas as canções do Noel e um baita livreto com todas as letras. Foi uma fonte de pesquisa incrível. Enfim, a gente já está num momento em que pesquisa sobre música popular brasileira pode ser feita com bastante seriedade.

Serviço:
Lançamento
Noel Rosa – o Humor na Canção, de Mayra Pinto (Ateliê Editorial)
Livraria da Vila: rua Fradique Coutinho, 915 – Vila Madalena (São Paulo)
8 de maio de 2012, a partir das 18h30

Um comentário:

Sonia disse...

Parabéns. Tenho certeza do sucesso!!!