segunda-feira, 21 de maio de 2012

Favoritos do cinema (4): "Os Incompreendidos", de François Truffaut


Jean-Pierre Léaud como Antoine Doinel

Os Incompreendidos, de François Truffaut, é um desses filmes que sempre vamos assistir com emoção. A delicadeza com que o cineasta francês trata do tema da difícil adolescência de um menino rejeitado pelos pais – que odeia a escola, que descobre que a mãe tem um amante e, diante de tantas dificuldades, foge de casa – é muito diferente da proposta de permanente manifesto do cinema de seu contemporâneo, colega de Nouvelle Vague e amigo, depois inimigo, Jean-Luc Godard. Neste, a verborragia incessante assume o primeiro plano dos roteiros. Em Truffaut, especialmente em Os Incompreendidos, as palavras não comandam, não há discurso e os silêncios pontuados pela trilha sonora estão ali para dizer que nem sempre é de palavras a matéria-prima de um cinema revolucionário.

O cinema de Truffaut de Os incompreendidos (no original francês, Les quatre cents coups, de 1959) é revolucionário em si, para a época. E permanece até hoje com um frescor que me fascina sempre que vejo. Principalmente pela atuação maravilhosa do então menino Jean-Pierre Léaud, que interpreta o eterno Antoine Doinel, o incompreendido, um alter-ego de Truffaut cuja saga continua em uma série de filmes posteriores que dão continuidade ao inaugural: Beijos Proibidos (1962), Domicílio Conjugal (1968) e O Amor em Fuga (1970).

Filmado em preto & branco, Os Incompreendidos causou grande impacto quando foi lançado na França. É autobiográfico: o diretor François Truffaut tem muito em comum do personagem Antoine Doinel. De origem pobre, Truffaut também viveu dificuldades e, como se diz no belo documentário Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague (de Emmanuel Laurent), “o cinema o salvou”.

O filme é repleto de cenas sensíveis (“achados”, como se diz na poesia) como a de Antoine Doinel, para tentar conseguir vencer a inclemência do professor de redação, acendendo uma vela para Balzac. Ou suas fugas, matando aula para, por exemplo, ir ao cinema, metáfora da eterna oposição arte versus vida, realidade versus imaginação.

A célebre sequência final de Os Incompeendidos, que termina com o close de Antoine Doinel/Léaud na praia, é até hoje um dos ícones maiores de toda a história do cinema francês. Na cena lindíssima, esteticamente emocionante, ficamos suspensos pela ambigüidade da figura congelada do menino, cujo olhar, diretamente para a câmara em zoom, atravessa a tela e parece eternizar o próprio cinema de François Truffaut.

Os Incompreendidos (Les quatre cents coups, 1959)

Trailer


Elenco Jean-Pierre Léaud (Antoine Doinel)
Claire Maurier (Gilbert Doinel)
Albert Rémy (Julien Doinel)
Patrick Auffay (René)

Leia também, da série Favoritos do cinema:

Quando explode a vingança (Sergio Leone)

Era uma Vez no Oeste (Sergio Leone)

Fargo (irmãos Coen)

2 comentários:

Leandro disse...

Um cara que se alistou no exército invasor francês na Indochina só por uma questão de "vingancinha" contra a donzela que rompeu o relacionamento só poderia mesmo protagonizar coisas geniais.

Alexandre disse...

O silêncio, uma das características mais marcantes nos filmes de Sérgio Leone. Em Os incompreendidos, de Truffaut, as palavras não são presentes a maior parte do tempo(muito bem comentado no post)e isso é construido em cenas de forma brilhante. Revi recentemente esse filme, tem uma atmosfera tensa e dramática durante quase todo o tempo, mas depois um desfecho surpreendente, dando uma idéia de libertação, talvez. Grande filme
Final de semana vi "Alice na cidade", de Wim Wenders. Outra obra de arte. Vale a pena assistir.