terça-feira, 3 de agosto de 2010

A realidade no Irã governado por fanáticos

Meses atrás, a revista CartaCapital deu uma foto que me fez lembrar da velha máxima “uma imagem vale mais do que mil palavras”. A fotografia – de uma mulher iraniana condenada por adultério e enterrada até o peito para ser executada por apedrejamento – teve também o poder de me tirar o humor naquele domingo.

O tema está em pauta nas últimas semanas, devido aos apelos de pessoas e entidades do mundo todo pela vida de outra mulher, Sakineh Ashtiani (foto acima), de 43 anos, presa em Tabriz, noroeste do Irã, condenada à morte pela mesma maneira cruel, medieval e bárbara. Pelo que li, como foi condenada em primeira instância, ela ainda vai ter um segundo julgamento, do qual pode se livrar do apedrejamento... para ser executada na forca. Essa é a clemência dos iranianos dos aiatolás.

Segundo a Anistia Internacional, Sakineh obteve o voto por sua absolvição de dois de cinco juízes no julgamento, mas “os outros três, incluindo o presidente do tribunal, a consideraram culpada com base em ‘conhecimento do juiz’, uma cláusula na lei iraniana que permite aos juízes determinarem subjetivamente, e possivelmente arbitrariamente, se o acusado é culpado”. Leia mais aqui, no site da Anistia Internacional, onde você pode obter endereços de autoridades iranianas e participar da campanha pela vida da mulher.

Diante dos clamores, o presidente Lula ofereceu asilo a Sakineh, e ainda não obteve resposta oficial (*). Se é que vai receber. Rejeitando a oferta brasileira, o governo iraniano de Mahmoud Ahmadinejad, acusado pelos Estados Unidos e aliados de enriquecer urânio para fins militares, dirá “não” a um dos poucos países importantes hoje no mundo com quem pode dialogar. Se é que é possível dialogar com esse regime de bárbaros.

Diante da visão maniqueísta antiamericana, às vezes corremos o risco de achar que tudo o que é contra os Estados Unidos é bom. Eu sempre procuro evitar maniqueísmos (para mim sempre equivocados) e suas conseqüências deturpadoras. Por exemplo, não concordo de modo algum com a política dos EUA sobre o Irã, mas tampouco acho que os aiatolás e seu regime merecem clemência. Fanáticos, radicais, doentes, mantêm um status quo de obscurantismo medieval injustificável e macabro. Tudo bem, dizem, é problema deles.

Não é só deles, não. Hoje, no último ano da primeira década do século XXI, as coisas que acontecem do outro lado do mundo são cada vez mais próximas. O que provoca duas sensações: a de que os acontecimentos em qualquer parte do mundo nos dizem respeito; e a sensação de impotência diante de casos como o de Sakineh.

Não é só a rica história persa que é fascinante no Irã. Há, no presente, coisas preciosas, como o belo e importante cinema feito por diretores como, entre outros, Majid Majidi (diretor de Filhos do Paraíso), Abbas Kiarostami (Gosto de Cereja), Ebrahim Foruzesh (O Jarro) e Mohsen Makhmalbaf (que dirigiu Gabbeh e o belíssimo A Caminho de Kandahar, cujo tema é a condição da mulher não no Irã, mas no Afeganistão). Nesse cinema, impera a poesia e a delicadeza, antíteses da brutalidade do regime dos aiatolás.

E é isso.

* PS: escrevi acima que ainda não houve "resposta oficial" à oferta de Lula de receber Sakineh Ashtiani no Brasil. E continuo afirmando. As declarações do porta-voz do Ministério do Exterior iraniano, Ramin Mehmanparast, divulgadas e repetidas durante todo o dia de hoje na internet, não me parecem suficientes para ser aceitas como uma resposta "oficial". Considerando o regime centralizador e autocrata (ou teocrata) do Irã, um mero porta-voz não tem a palavra final sobre nada, muito menos uma resposta oficial.

Atualizado às 21h21.

6 comentários:

Paulo M disse...

Apoiado em todas as palavras! Aliás, esse Ahmadinejad já está na hora de ir a um tribunal internacional. Isso é literalmente passar dos limites, porque popularizou-se para além das fronteiras de seu país com esse papo de enriquecimento de urânio (é um direito do Irã), e está queimando seu próprio filme. Há algum tempo uma mulher na Arábia Saudita foi condenada a algo como 50 chibatadas e seis meses de prisão por ter sido estuprada!!Entenderam que ela saiu sozinha com um homem e descumpriu as normas éticas impostas às mulheres sauditas de autopreservação! Depois acho que teve a pena reduzida por pressão do Ocidente. Com todo o respeito, o Islã tem que tomar conhecimento do que é básico em direitos humanos.

Felipe Cabañas da Silva disse...

O problema de levar Ahmadinejad a um tribunal internacional é que abre um precedente político. Se levarem Ahmadinejad terão de levar uma dúzia de tiranos espalhados pelo mundo, inclusive George W. Bush (travestido de democrata). Não há disposição política para tanto, inclusive porque o ocidente (que tem largamente o controle das Nações Unidas) sabe que não é necessariamente um exemplo moral a ser seguido.

E este é o verdadeiro problema: ao mesmo tempo que as democracias ocidentais, que se julgam muito avançadas, reprovam os acontecimentos medievais do Oriente Médio, da África ou de qualquer outra parte do mundo, costuram alianças políticas e se aliam com os responsáveis por esses atos de barbárie medieval quando é interessante do ponto de vista econômico, militar ou político. Mas essa hipocrisia já conhecemos e é largamente difundida. Até os convervadores já passaram a admiti-la.

O Brasil e outros países emergentes de "democracia estável" realmente parecem bons interlocutores. No entanto, também temos nossos monstros medievais, como uma das maiores desigualdades do planeta...

Agora, é fato que no mundo globalizado nada é mais estritamente local, o que passa a se tornar um pouco (ou muito) angustiante. Tem ONGs ocidentais envolvidas em salvar essa iraniana, e a tendência é que essa pressão internacional faça algum efeito...

Paulo M disse...

Essa hipocrisia ocidental de que vc fala procede, Cabañas, concordo. Acho até que essa mulher pode estar sendo também usada pelo Ocidente pra sensibilizar a opinião pública internacional e ajudar a diminuir a resistência contra uma possível invasão ao Irã. Afinal, uma condenação assim não deve ser tão incomum no país islâmico, e talvez não seja à toa que o Obama anunciou para agosto o fim da guerra do Iraque e que um jornal na Globo disse anteontem que os Estados Unidos estão prontos pra invadir o Irã, se necessário. Mas nenhuma hipocrisia torna isso menos bárbaro. A idéia de se apedrejar até a morte, com o aval oficial, uma mulher que traiu o marido é pior, é algo pré-histórico e inominável.

Eduardo Maretti disse...

Perfeito, Paulo, concordo plenamente com o raciocínio:

1) "essa mulher pode estar sendo também usada pelo Ocidente pra sensibilizar a opinião pública internacional e ajudar a diminuir a resistência contra uma possível invasão ao Irã"

2) "Mas nenhuma hipocrisia torna isso menos bárbaro."

Felipe Cabañas da Silva disse...

Concordo plenamente. E não quis dizer que o fato se torna menos bárbaro, absurdo, hediondo, medieval e repugnante porque o escopo moral do ocidente é limitado.

Só quero dizer que é preciso ter cuidado com um possível maniqueísmo Bárbaros (geralmente África, Oriente Médio e partes da Ásia) x Civilizados (as democracias ocidentais). A nossa pretensa civilização tem também seu quinhão de barbárie.

Victor disse...

Por falar em quinhão de barbárie, hoje vi na televisão um velhinho, com dores na coluna,(quem já sentiu, sabe), ir ao posto do INSS e não ser atendido porque estava sem médicos, eles estavam em greve. O senhor idoso, com bengala, apenas mais um de muitos, condenado a morrer sofrendo e sem amparo, disse chorando: "paguei INSS a vida toda,(isto é, nasci aqui e aceitei o sistema e sou abandonado), eu quero morrer."
Lembrei também do genocídio em 2006 contra os pobres, por causa do ataque do PCC. A mídia não se levantou e bradou internacionalmente para reclamar justiça para aqueles que foram executados pelos policiais em São Paulo. Nada aconteceu.
E os homens que vivem na cadeia, mas suas penas já foram pagas ou nem foram condenados. As cadeias super lotadas. Os mendigos nas ruas, como diz Bauman no seu livro, Vidas desperdiçadas, classifica os seres humanos que não conseguiram permanecer no carro da modernidade e que não conseguem se inserir no processo de globalização de “refugo humano”.
Islamismo, qual será a pior religião? Nessa eu fico com um trecho do documentário " The corporation" no qual é dito: " De todos os "ismos" o que mais fez sucesso e domina o mundo é o capitalismo, esta religião que tem o seu templo nos shoppings, devasta os seres humanos e também a natureza. Talvez a grande desvantagem dos islâmicos é que eles são grosseiros na sua crueldade, e os ocidentais sutis e dissimulados. Qual seria a cultura mais justa no mundo? Não sei.