sexta-feira, 23 de março de 2012

Uma bela criança


Na célebre foto, Capote e Marilyn dançam
“A Beautiful Child”, no original em inglês, é o título de uma maravilhosa narrativa de Truman Capote publicada no livro Música para Camaleões (1980). Nela, o autor de A Sangue Frio conta um episódio que viveu com a atriz Marilyn Monroe a partir de um encontro que tiveram nos funerais de Constance Collier, “uma das maiores atrizes shakespearianas da Inglaterra”, diz Capote, e que nas últimas décadas de vida fora professora de teatro de pessoas que já fossem profissionais. Marilyn, que lhe fora apresentada por Capote, era uma dessas alunas.

Na cerimônia fúnebre, na qual estabelecem um diálogo delicioso, mordaz, bem-humorado (o bom humor é da narrativa, não necessariamente do diálogo), eles discutem, por exemplo, quando Capote diz que vai esperá-la fora da capela. “Preciso fumar um cigarro”, diz ele. O papo segue:

Marilyn: “Não pode me deixar sozinha! Meu Deus! Fume aqui”.
Capote: “Aqui? Na capela?”
Marilyn: “Por que não? O que você vai fumar? Maconha?”

Você pode praticamente ver a cena de um baixinho assumidamente gay discutindo num funeral com uma deslumbrante loira escondida sob um figurino “apropriado a uma abadessa de um convento em audiência privada com o papa”, segundo descreve o autor. Não querendo ser reconhecida pelos fotógrafos, eles esperam o evento e a capela esvaziarem. “Seja paciente. Assim que pudermos sair, iremos a algum lugar e eu comprarei uma garrafa de champanhe para nós”, diz a atriz. Enquanto isso, continuam a conversa e depois de se certificar que não será fotografada, eles saem a peregrinar pelas ruas de Nova York.

Segue-se uma adorável pequena odisséia de ambos ao redor de vitrines de lojas de antiguidades até acabarem em um restaurante na Segunda Avenida. Ali, entre muitos drinks (fora os famosos comprimidos que a atriz, como se sabe, usava), trocam desafios sobre amores e amantes, e discorrem sobre as estrelas de Hollywood. Fazem fofocas mil, essa coisa que todo mundo nega mas adora, a partir de um jogo de adivinhação em que Capote tenta descobrir quem seria o amante de Marilyn. E as fofocas seguem. Tyrone Power tinha um caso com Errol Flyn, fica-se sabendo.

Constance Collier

Mas, embora pareça ser alimentado por meras futilidades, o texto é um registro poderoso e inigualável, eu diria espiritual, da figura de Marilyn Monroe, não como a estrela maravilhosamente bela e glamurosa que provocou tantas fantasias, mas principalmente como portadora da alma de “uma bela criança”, como diz o título, segundo a sensível visão de Capote, termo, aliás, usado pela própria Constance Collier, no enterro de quem o episódio inicia e de quem é a melhor definição da mitológica loira (que não era loira real e nem uma atriz na acepção do termo): “O que ela tem – essa presença, essa luminosidade, essa inteligência lampejante – jamais poderia vir à tona no palco (...) É como um beija-flor em pleno vôo”.
Marilyn Monroe, que foi amante do presidente John Kennedy, morreria em 5 de agosto de 1962 com 36 anos, em circunstâncias misteriosas até hoje não esclarecidas.

Ao contrário de outros ensaios em que aborda celebridades, neste o autor nos aproxima do objeto de sua narrativa e admiração, compartilhando conosco sua intimidade com a estrela por meio de sua técnica narrativa de riquíssimos recursos que se conhece como literatura de não-ficção. Ao contar seu encontro com Marlon Brando em “O Duque em seu domínio”, por exemplo (texto que está em Ensaios, da editora LeYa), há um enorme distanciamento, uma frieza mesmo, nenhum elo de ligação pessoal ou afetiva, entre o narrador (Capote) e o objeto narrado (Brando).

“Uma bela criança” está em dois livros facilmente encontráveis nas livrarias: Ensaios (editora LeYa), uma coletânea reunindo textos de vários livros, e Música para Camaleões (Cia. das Letras), reunião feita pelo próprio Capote publicada sob esse mesmo título nos Estados Unidos em 1980. Apesar desta última edição ser a tradução de uma obra fechada pelo autor, prefira a da LeYa.

Leia também, sobre Truman Capote:

Impressões sobre Ensaios

Nota sobre A Sangue Frio

3 comentários:

daniel razon disse...

nada como uma alma feminina para entender outra alma feminina.....rsrsrsrs.....sem preconceitos é claro.
Se a Marylin tinha alma de criança não sei mas, que tinha corpo de mulher....aaaah isso tinha!!!.....rsrsrsrs....não me julguem mal, não pude evitar.

abraço!!

Eduardo Maretti disse...

hahaha. Isso sim, é um comentário de macho, tchê!! Inclusive muito rico em elementos psicanalíticos, o comentário... rs.

hasta luego, camarada!

Mayra disse...

Eu quero ler Truman Capote djá!!! me passa tudo!!!