sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

TV Globo e CBF versus Clube dos 13: a encruzilhada do futebol brasileiro

Mais importante do que os aspectos meramente esportivos, a briga pelos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro pela TV é prévia de uma disputa maior. Disputa que envolve a pauta da Conferência Nacional de Comunicações, realizada no fim de 2009 após as fases municipal e estadual durante o segundo semestre daquele ano. Nessa pauta, estão listados os pontos que urge discutir (em diálogo entre Executivo, Legislativo e sociedade civil) para modificar e modernizar o arcaico sistema de comunicações no Brasil.

Foto: Eduardo Maretti

O cerne da questão é: as TVs e rádios são concessões públicas no país. Portanto (como já escrevi em outro post neste blog) deveriam responder à determinação do artigo 220 da Constituição, que precisa ser regulamentado à luz do interesse da cidadania, e não dos interesses privados. Em seu parágrafo 5º, o artigo 220 da Constituição de 1988 diz expressamente: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Essa é a discussão de fundo do imbróglio CBF/TV Globo versus Clube dos 13.

Onde fica o consumidor/torcedor?

Vamos ponderar: se a TV Globo é, tecnicamente, a melhor opção para transmitir um evento (o Campeonato Brasileiro), e de fato é, isso não lhe pode dar a prerrogativa do monopólio. Com sua hegemonia (conquistada, lembremos, durante o regime militar no país), a Globo determina absolutamente tudo: qual jogo você vai assistir, no horário que ela estipula.

Às 16 horas do domingo (ou às 22h de quarta-feira), nenhum habitante do Estado de São Paulo, por exemplo, pode ver uma partida de futebol em canal aberto que não seja o “jogo da Globo”. A Band pode transmitir também, mas o mesmo evento da Globo. Se seu time não estiver na telinha, você pode ver o jogo do seu time, claro, desde que pague o pay-per-view, que é da Globo.

Mais tarde, no horário noturno do domingo (ou às 19h30 dos dias de semana), você tem duas opções: 1) assiste à partida na TV a cabo (Sportv, da Globo) ou, se seu time não está nessa partida, você pode ser assinante do pay-per-view (da Globo) e vibrar com seu time pela Globo.

Esse monopólio é obsceno e tem que acabar.

Copa do Brasil
A ESPN Brasil ter conquistado o direito de transmitir a Copa do Brasil via TV a cabo já é um avanço. E eu não digo em relação a direitos das empresas de comunicação, mas a direitos do consumidor mesmo. O cidadão brasileiro não pode se resignar a ser refém do que quer a Rede Globo sempre. E a cumplicidade Globo/CBF é outra obscenidade.

Quando eu era moleque, os jogos de futebol das quartas-feiras eram às 21 horas. A gente ia ao Morumbi ou ao Pacaembu ver as partidas. O jogo acabava às 23 horas e você pegava o busão, ia pra casa. Hoje, os jogos começam quase 22h e quando acaba não tem sequer metrô. O que querem os executivos globais? Que não haja povo no futebol? Que o futebol seja uma merda de um Big Brother esportivo? Então a Globo que discuta com a sociedade, seja mais democrática, aceite fazer parte de um sistema, e não ser ela própria o sistema. E que deixe de achar que manda no mundo.

O Imbróglio
Até a quinta-feira, 24, alguns jornais garantiam que, liderados pelo Corinthians, os quatro grandes do Rio e o Coritiba haviam rompido com o Clube dos 13, ficando ao lado da CBF de Ricardo Teixeira e TV Globo. Mas a história não é bem essa, há muitas dúvidas. Os clubes que estariam por aderir à rebelião corintiana (vide Globo/CBF) seriam os quatro grandes do Rio e Coritiba, além de Grêmio, Cruzeiro, Goiás, Vitória e Palmeiras. O grupo a favor do presidente do Clube dos 13, Fábio Koff, e contra CBF/Globo, seria formado por São Paulo, Internacional, Atlético-MG, Atlético-PR, Bahia, Portuguesa, Sport e Guarani. A posição do Santos é de cautela e silêncio. Patrícia Amorim, mandatária do Flamengo, tentou ser diplomática: “Não há interesse em romper com o Clube dos 13, mas de retomar a essência”.

As questões jurídicas e financeiras estão pesando. O presidente corintiano começou a semana agressivo e irredutível. Na quinta-feira à tarde, Andrés Sanchez declarou que estava mesmo rompendo com o C 13. "Eu estive com a Record ontem (quarta-feira). Fiquei mais de duas horas com eles. Cada um vai procurar o que é melhor para si", disse o presidente do "Timão", revelando uma ignorância absoluta sobre algo maior do que ele próprio e seu clube, que é o futebol brasileiro. Já passou o tempo da pré-democracia e Sanchez nem sabe disso.

O Corinthians enviou carta pedindo a desfiliação do C13. Mas, para sair, terá de pagar uma dívida de R$ 25 milhões. Sanchez disse que isso não será problema. Não será? O clube do Parque São Jorge corre o risco de achar que manda em tudo, que não precisa de ninguém, que as associações são inúteis, e acabar isolado.

Além do São Paulo, o Atlético-MG é outro em discórdia com a CBF faz tempo. Alexandre Kalil, presidente do Galo, disse ao Terra Magazine: "A Globo não quer pagar mais, não quer negociar, quer lucro de R$ 1 bilhão todo ano e matar os clubes".

Enfim, ninguém pode prever o desfecho dessa briga. Uma briga muito maior do que parece.

Atualizado às 04:45 e 16:03

6 comentários:

Nicolau disse...

Tem razão, Edu, o buraco é bem mais embaixo. E ficando só na ques~tao do racha, ele fica muito dificultado também pela lesgislação brasileira, que dá o direito de transmissão aos dois times envolvidos no jogos, e não apenas ao mandante, como ocorre na Europa. Assim, o Corinthians não consegue negociar sozinho com a Globo se os outros times negociarem com a Record, por exemplo. Se for pra acabar o C13, teria que ser criado um outro grupo. Se não, corre-se o risco de o campeonato não ter transmissão ou termos dois campeonatos, duas hipóteses muuuito ruins para todos, inclusive os "revoltosos". Confesso que não entendi ainda o que diabos o Corinthians teria a ganhar nesse processo...

Eduardo Maretti disse...

Nicolau, tenho pra mim que o Andrés está servindo de inocente útil nessa história (não sei até que ponto tão "inocente", já que faz direitinho o que a Globo quer). No discurso dele ontem à tarde, continuou fazendo pose de falar duro, mas demonstrou certa hesitação, como se não tivesse realmente certeza do que faz.

Chegou a dizer que esteve com a Record na quarta-feira ("fiquei mais de duas horas com eles") e que "se estiver errado, vou ser humilde e voltar atrás", como para deixar uma brecha pra poder usar no futuro. "Cada um vai procurar o que é melhor para si", disse tb. Ora, esse cada-um-por-si é absurdo. Todo mundo sabe que "a união faz a força" e a divisão só favorece os poderosos.

abs

Luciano disse...

lembrem-se que a Record e a Band são extremamente amadoras em transmissões de futebol... Perdem gols, comentários maravilhosos (vide Neto e Godoy), comerciais em momentos inadequados.

A Rede Globulos é realmente monopolizadora e influênciadora de opiniões... mas são competentes nas transmissões... Eu como torcedor as vezes uso o Recurso MUTE de meu televisor e ligo meu radinho de pilhas para ouvir José Silvério na Rádio Bandeirantes.

Felipe Cabañas da Silva disse...

Eu acho temerárias as últimas atitudes do mandatário do meu time do coração. Mas o clube dos 13 sempre foi subserviente com relação aos interesses da Globo e se a Globo alcançou este monopólio ridículo sobre o futebol brasileiro foi com a anuência do Clube dos 13, enquanto era interessante do ponto de vista econômico e político. Agora o Clube dos 13 está rachado não somente por causa dos direitos de transmissão, mas também por conta de interesses políticos, que eu acho inclusive legítimos: Ricardo Teixeira precisa ser defenestrado do comando da CBF antes que se torne o Muammar Gaddafi do futebol brasileiro. Por enquanto ele ainda é "somente" um Hosni Mubarak.

Eu me sinto envergonhado que nessa disputa política o Corinthians tome o partido não da CBF, mas de Ricardo Teixeira. O mandatário corintiano mostrou competência do ponto de vista econômico (que eu não sei até quando irá durar), mas do ponto de vista político às vezes demonstra amadorismo e impulsividade.

Fora Ricardo Teixeira!!!

Paulo M disse...

Alguns clubes (os de maior torcida) se acham injustiçados por ter de dividir igualmente o bolo do dinheiro pago pela TV, já que supostamente dão mais audiência (Corinthians e Flamengo) nas transmissões de seus jogos. Só que a coisa não é tão simples. Não à toa Andres Sanches foi de "embaixador" da CBF pra Copa da África do Sul. Foi fazer lobby pra usar o Corinthians e se promover trazendo uma sede da Copa-2014 pra Zona Leste (não estranhem se em 2014 mesmo ele virar deputado). Além de concordar com o que o Edu diz no post, estou achando tudo isso uma podreira só. Essa história passa pelas eleições (ano passado, acho) pra presidente do clube dos 13. O Palmeiras, na ocasião (com meu apoio – sou importante, he he), votou no Fábio Koff. Só que agora ameaça seguir a posição do Sanches (assim como Cruzeiro e Flamengo) provavelmente por causa da Traffic, que, segundo o Paulo Vinícius, da ESPN, tem parceria com a Globo em canais de televisão. Que diabos essa empresinha (até hoje eu não sei direito de que ramo é) investiu no Palmeiras? Tem algum craque lá? Investem nas categorias de base? O clube do Palestra Itália fica se arrastando pra ter uma parceria que só dá ganhos pra Traffic, um parasita que cresceu patrocinando clubes tradicionais mal administrados. É uma briga de titãs por dinheiro e poder. Eu sou um torcedor, não tenho patrocínios.

alexandre disse...

Sinistro. Acho estranho o tal Sanchez dizer que 25 milhões não é problema. Talvez tenha encontrado um meio, junto a outros interesses, claro, para a construção de seu Estádio(copa do mundo,etc), já que não sabe onde encontrar uma cifra suficiente para tal. Isso é uma jogada. Sair dos 13 e conseguir apoio da Globo. Viajei?