sexta-feira, 29 de junho de 2012

Pensamento para sexta-feira [número 33] - Vivemos numa sociedade humana ou canina?


Tenho vários amigos que têm cachorros. Não tenho nada contra cachorros, desde que não me perturbem. Mas creio que alguma coisa está errada num mundo em que as pessoas coabitam com dois, três cães dentro de apartamentos, dividem a cama com cachorros, a cozinha cheira a cachorro. Algo está errado se cada vez é mais difícil ouvir o silêncio da noite devido à sinfonia de latidos, ganidos e até uivos desses animais que muitas pessoas chamam de “filhinho”.

Foto: Edu Maretti
Praia para gente ou para animais?

“Vem com a mamãe”, “vem com o papai” são expressões comuns que humanos dirigem aos canídeos hoje em dia. Isso é normal?

Certa vez, num apartamento em que morei em Perdizes, tive o seguinte problema:

Uma mulher tinha um cocker spaniel (um dos cães mais estúpidos que há). Eu trabalhava em casa. Mas a mulher saía para trabalhar e deixava o cão lá, fechado no AP. E ele passava o dia inteiro latindo e ganindo, e a janela do meu escritório ficava de frente para a janela onde ficava o cão. Chegou um momento em que eu não conseguia mais trabalhar, me concentrar, era infernal. O que fiz? Fui à delegacia, registrei um B.O. e entreguei uma cópia ao síndico e outra pus debaixo da porta da mulher. O que fez a mulher? Foi à delegacia e contra-atacou com uma mentira, registrando um B.O. em que alegava que eu a havia ameaçado. Depois de um tempo, ela foi multada pelo condomínio. O problema ainda continuou por um tempo e parece que foi multada de novo. E, por fim, o maldito cão desapareceu e eu pude voltar a ter paz dentro de minha própria casa.

Detalhe: a mulher era psicóloga. O que me fez pensar: que ironia, pois aquela situação era um sintoma claro de uma doença social, a doença social em que, por carência afetiva e valores sociais distorcidos os cães deixaram de ser o que são (animais) e se tornaram “filhinhos”.
Foto: Edu Maretti
Solemar, Praia Grande (São Paulo)
Meses atrás, estávamos na praia e tinha uma cadela no cio rodeando por ali. E a praia foi invadida por uma matilha de cães endoidecidos (foto) que nada podia afugentar. Mães com crianças no colo abandonaram a praia com justificado medo, pois havia cachorros de todos os tipos e tamanhos, com coleiras ou não. Isso já é um problema de saúde pública. Nesse caso, cabia à prefeitura por fim àquilo e recolher todos os cães. Osasco, cidade onde trabalhei por anos, é infestada por cães em toda parte. De novo: isso é problema de saúde pública e a prefeitura tem de recolher os animais.

Por falar em praia, acho um disparate que qualquer pessoa leve seu cãozinho à praia, e isso, me desculpem, até amigos meus já vi fazer. Aí o cão – tão bonitinho, coitadinho – espalha merda pela praia e depois uma criança pega uma doença de pele ou algo pior. Está certo isso? As pessoas não têm consciência?

Cães não são gente, mas são tratados como se fossem. Há toda espécie de serviço para cães: hotéis, serviços de hidratação, corte “de cabelo” chanel (sic), shoppings com serviços especializados e, pasmem, há até seguro saúde para cães! O que é isso, senão sintoma de uma sociedade doente? Li no Estadão uma matéria sobre uma mulher que gasta R$ 2.500,00 com seu cãozinho. Quatro salários mínimos!, enquanto há mães que não têm nem um décimo disso para alimentar seus filhos.

Quando criança, eu e meus irmãos tivemos nosso cão. Mas nós o educávamos. E então, se ele começava a latir muito, o mandávamos parar. E ele, muito elegante e educado, parava. E se não parava (morávamos numa casa isolada numa rua de um bairro – Jd. Aeroporto – onde meu pai foi um dos desbravadores) sabíamos que era um alerta e era preciso ficarmos atentos. Alguém podia estar rodeando a casa. Aquele era um cão muito decente, eu diria um cão de verdade, e não um cão que incorporava a neurose de uma sociedade enferma.

Já que andamos falando de psicologia por aqui no blog, cito uma psicóloga espanhola (Ana Gutiérrez) cujo livro traduzi recentemente para a editora Paulinas, que o lançará nos próximos meses: As crianças, o medo e os contos. Nele, a autora, que é terapeuta infantil, fala da importância dos animais para as crianças nessa passagem: “Não se pode nem se deve proteger as crianças da realidade, escondendo temas desagradáveis como a morte. As crianças devem experimentar suas próprias perdas, seja de um animal, de um parente ou de um vizinho”.

Foto: Carmem Machado
Os cães sempre tiveram importância para o homem: no pastoreio, como fiel companheiro, como auxiliar na caça etc. Mas hoje, humanizados, imbecilizados e idiotas, são realmente o sintoma de uma sociedade doente. Agora mesmo, enquanto escrevo, um desses está ganindo num apartamento vizinho.

Minha avó Emiliana dizia: lugar de cachorro é no quintal. Mas não me espantarei se um dia desses sentar-me à mesa e ao meu lado, com guardanapo, cadeirinha especial e tudo, estiver um cachorro para dividir comigo a refeição de uma ceia de Natal. Isso tudo me enoja.

Para não dizerem que sou apenas um ranzinza, esse aí na foto acima sou eu, com o rottweiler de uma amiga, em sua chácara (ou seja, um cão numa função adequada, como cão de guarda).

3 comentários:

Alexandre disse...

Concordo. Isso sem contar a necessidade humana de posse e a transferência de hábitos e constumes humanos aos cães. A relação homem e cão é milenar e hoje, muitas vezes, homens se passam por cães e cães se passam por homens. Por isso, hoje em dia muito cuidaddo, às vezes não sabemos se um homem é um cão ou se um cão é mesmo um homem.

Paulo M disse...

Tenho certa birra com cachorros. Acho até que nem no século 19 ou começo do 20 eles tinham um papel muito mais decente, pois mesmo como meros cães de caça serviam pra ajudar na satisfação do hobby das práticas burguesas: perseguir e matar indiscriminadamente animais silvestres pra arrancar-lhes a pele e pra passar o tempo ou ostentar poderio. Sou incapaz de destratar animais, mas concordo com o post. O comentário do Alexandre resume bem...

Roseli Costa disse...

Discordo da opinião do blogueiro e dos comentaristas acerca do fato de ser doentio adotar cães para amar feito filhos (guardadas as proporções, é claro, pois bichos não se podem com perfumes e roupas e trelelês que lhes possam tirar a liberdade – mas também quem o fizer e respeitar a convivência com seus semelhantes, estará em seu direito e em sua maneira própria de se fazer feliz).

Sociedade doente é aquela que NÃO consegue amar os bichos além da utilidade; que não pode enxergar neles um ser companheiro, carinhoso, digno de amor extremado (por que não?!).

Sociedade doente é aquela que aguenta inúmeros barulhos e desrespeitos advindos da vida cotidiana em uma metrópole, esta sim louca desde sua construção desordenada até seus excessos consumistas e capitalistas, em cuja estrutura até crianças são mal-cuidadas e educadas de forma avessa; e, já não se aguentando em si mesma, joga suas neuras em detalhes tais como: arrulhos, miados, latidos etc.

O excesso de alguns animais provém justamente da ansiedade, da depressão e do descuido com que são tratados.

Não vejo doença em ter bichos para amar, seja qual for a dimensão desse amor; não vejo doença em dizer “vem com a mamãe”, pois é uma expressão metafórica de cuidado, já que a figura da MÃE arquetípica todos nós temos (sinto-me metaforicamente mãe de sobrinhos, de bichos amados – e daí?). Ao comentário de que há homem-cão e cão-homem, digo que já são “outros quinhentos”; ao comentário de que o papel do cão era mais digno quando lhe era dada uma utilidade, digo que é uma visão muito humano-egoística e, portanto doentia...