segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Uma dose de literatura hispano-americana





Em outubro, em Montevidéu, da bela e sofisticada librería Puro Verso (acima), saí com dois livros de Jorge Luis Borges, um autor que me tem sido caro, embora não para ser lido com muita frequência: Poesía Completa (da Editorial Lumen, que ganhei) e a coletânea que ele reuniu, citações de vários autores, intitulada Libro de Sueños (da Random House Mondadori, que comprei). Esses são livros que tenho lido, mas não com a preocupação de começar e terminar. São obras para ter e abrir de vez em quando para um deleite muito particular, que é o trazido pela literatura borgeana. 
São belas edições, livros que valem a pena possuir em sua biblioteca. 

Ao voltar da capital Uruguaia, ganhei de aniversário o belíssimo A Longa Viagem de Prazer, de Juan José Morosoli, uma revelação para mim estimulante e sobre a qual já escrevi aqui.

E acabo de ler o romance Os Passos Perdidos (1953, editora Martins Fontes), de Alejo Carpentier (1904-1980), de leitura mais árdua, às vezes não muito fluente. A literatura de Carpentier é uma das precursoras do chamado realismo fantástico, segundo os críticos, tendo influenciado uma série de autores no século XX. Diz a Enciclopédia Britânica que Carpentier "também foi um musicólogo, ensaísta e dramaturgo. Entre os primeiros praticantes do estilo conhecido como ‘realismo mágico’, exerceu uma influência decisiva sobre as obras de escritores latino-americanos [de língua espanhola] mais jovens, como Gabriel García Márquez”. Embora eu não seja um especialista em literatura hispano-americana, penso que Leopoldo Lugones (1874-1938), que influenciou tanto Borges como Cortázar, entre vários outros, é muito mais importante do que Carpentier no que diz respeito às origens do realismo fantástico, mas isso é outra história (aliás, Carpentier parece mais vinculado ao surrealismo francês, que o influenciou de fato, do que ao próprio realismo mágico...). Os Passos Perdidos não me parece nem de perto pertencente à tradição de García Márquez, mas a uma espécie de realismo barroco-existencialista (sic) (sabe-se que Carpentier reverenciava o barroco). 

O livro conta a história de um musicólogo incumbido por uma instituição acadêmica de coletar instrumentos musicais primitivos e, para isso, viaja para a Amazônia venezuelana. Lá, conhece um local ainda intocado pela civilização e passa a viver o dilema entre ficar nessa nova realidade ou voltar à cidade grande, onde já não há vestígios do sagrado e as pessoas andam como seres sem vontade própria, com o caminhar que “corresponde à ideia fixa de chegar a tempo de ver acender-se a luz verde que lhes permite atravessar a avenida”.

A narrativa de Os Passos Perdidos (ao lado, a feia capa da edição da Martins Fontes) não flui muito facilmente devido ao intrincado estilo detalhista, barroco, do autor, e ao caráter existencialista exagerado, além dos dramas conjugais que ocupam um lugar muito destacado na obra e às vezes são enfadonhos.

Além disso, o vocabulário demasiadamente rebuscado de Carpentier (você precisa de um dicionário para ler o livro) se alia a tecnicalidades ligadas à musicologia, o que configura uma arrogância intelectual um pouco irritante, já que nem todo mundo é versado nos eruditismos do assunto e poucos conhecem as terminologias para iniciados na ciência da música.

Essas características fazem de Os Passos Perdidos, como literatura, exatamente o oposto do livro A Longa Viagem de Prazer, de Morosoli, do qual já falei, autor que deixa os personagens, a cultura e a terra falarem, sem interferir na ação, que não depende das reflexões, desejos ou vaidades estéticas do autor ou narrador; já Carpentier, escritor que nasceu na Suíça e morou na Venezuela e em Cuba (país que, dizia, considerava como sua pátria), abarrota as páginas com reflexões sobre si mesmo, com seu narcisismo estilístico e seus dramas pequeno-burgueses.

Os Passos Perdidos, o quarto e último título da literatura de língua originariamente hispânica que li nos últimos dois meses, é um bom livro, nada mais do que isso.

Por falar em literatura de língua hispânica, não faço muita, na verdade nenhuma questão, de ler obras em espanhol no idioma original: primeiro, porque, confesso, acho a língua espanhola um pouco irritante – curiosamente, me soa como uma língua infantilizada; em segundo, porque uma boa tradução de uma obra em espanhol não compromete em nada o texto original, devido ao parentesco ibérico, e, pelo contrário, não é raro um texto ou um poema traduzido ao português me parecer melhor do que o dos originais em espanhol.

domingo, 22 de dezembro de 2013

O primeiro ano do governo Haddad, o socialismo e a "Casa Grande"



Elza Fiúza/ABr

Não passou despercebido aos ouvidos atentos a frase que o prefeito Fernando Haddad disse ao sancionar na sexta-feira (20) a lei de criação da SP Cine (aliás, uma iniciativa do Executivo, aprovado na Câmara, digna de muitos aplausos). “Sou socialista, acredito na necessidade da distribuição de renda”, declarou, a propósito da batalha político-jurídica em torno do IPTU.

Um amigo meu chegou a comentar quão significativa é a frase de Haddad.  ”Fazia muito tempo que eu não ouvia um petista dizer ‘sou socialista’”. O que estaria por trás da declaração de Haddad na cerimônia, que aconteceu na Biblioteca Mario de Andrade? Ela foi dita premeditadamente ou saiu no meio do discurso naturalmente?

No curto discurso de cerca de 5 minutos, ele também falou outras coisas significativas: pronunciou três vezes a palavra “espírito”, num sentido que soou para mim, obviamente, não como qualquer alusão a misticismo, mas como categoria filosófica, com uma conotação iluminista.

Haddad disse ainda – já que estava num evento de cultura, onde havia cineastas e produtores culturais, embora o assunto do dia fosse o IPTU – que a cultura é mais importante à sociedade do que a política, e aqui não coloco entre aspas porque a citação é de memória, mas o sentido é literalmente esse.

Na política, como se sabe, fala-se mais nas entrelinhas do que na superfície do texto. Haddad – formado em Direito, mestre em Economia e doutor em Filosofia pela USP – não é nenhum bobo.

Ele teve um ano duro. Como prefeito, foi engolfado pelas manifestações de junho e posteriormente atacado ao mesmo tempo pela mídia, pela oposição e até por setores da esquerda. Perdeu seu secretário de Governo, Antonio Donato, que caiu vítima das denúncias de corrupção sobre a “máfia dos fiscais”, cuja elucidação foi possível principalmente pela ação da Controladoria Geral do Município, que o próprio governo Haddad criou.

O corredor de ônibus foi outro problema. Nesse caso, até a mim – que defendo a prioridade do transporte púbico sobre o automóvel – a medida conduzida pelo secretário Jilmar Tatto pareceu um pouco precipitada e mal feita, sem estudos prévios sobre o impacto e sem o devido esclarecimento à parcela da classe média que ajudou a eleger Haddad em 2012.

Enfim, Haddad descobriu na prática que sua excelente gestão como ministro da Educação não era condição suficiente para governar a maior cidade da América do Sul sem ter de se relacionar com as comezinhas e mundanas necessidades da pequena política.

É notório que ao prefeito de São Paulo incomoda muito a tal pequena política. Parece estar claro que a necessidade de conviver bem com um acordo em âmbito nacional do PT com o PSD de Gilberto Kassab está longe de ser seu sonho político.

Assim como saber que o mesmo Paulo Skaf que, como presidente da Fiesp, combateu e venceu no Judiciário sua proposta de fazer do IPTU um imposto mais justo e progressivo, é paparicado pelo PT paulista e nacional, por Lula e pela presidente Dilma, como eventual aliado no segundo turno das eleições para governador de São Paulo em 2014. Como se sabe, Skaf é o “candidato próprio” do PMDB que Michel Temer quer emplacar no estado, como parte da estratégia de tentar levar a eleição ao segundo turno e finalmente vencer o tucano Geraldo Alckmin, seja com Skaf, seja com Alexandre Padilha.

O prefeito estava visivelmente contrariado na sexta-feira, na Mario de Andrade, dia em que o STF do honorável Joaquim Barbosa manteve na última instância a liminar obtida pela Fiesp contra o IPTU e a reformulação da planta genérica do município. “A Casa Grande – disse, referindo-se à Fiesp e a Skaf – não deixa a desigualdade ser reduzida na velocidade que a gente deseja”.

Ele parecia manifestar uma certa perplexidade com a feroz oposição da elite paulistana a uma reforma urgente da planta do município rumo a uma cidade mais justa. Uma ferocidade mais real, talvez, do que ele previa.

Acho provável que em 2014 o governo Haddad comece a ser entendido por parte da população que hoje está ressentida porque ainda não assimilou sua proposta de governo. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Film Socialisme de Godard: poesia e política


“Você gosta de Jean-Luc Godard? (Se não está por fora).”

Lembrei  desta frase de Glauber Rocha hoje, vendo Film Socialisme (2010), de Godard. No estilo fragmentado e não linear característico, uma discussão sobre a velha e triste Europa forjada por sangue e guerras, entre os passageiros de um cruzeiro no Mediterrâneo, ou entre pessoas comuns que vão aparecendo como se já fizessem parte da história desde sempre.



Uma discussão permeada pelos ventos do Oriente Médio.

A velha discussão francesa sobre liberdade, igualdade e fraternidade. Uma discussão tão velha quanto hipócrita.

A Argélia sufocada pelo cruel colonialismo francês

Referências diretas ao Egito, Palestina, Odessa, Grécia, Nápoles e Barcelona, todos, com exceção de Odessa (na Ucrânia), países ou regiões banhados pelas águas do mar Mediterrâneo. Odessa, na história, é uma licença poética?  Em se tratando de Godard, esta é uma das possibilidades:  na escadaria Richelieu de Odessa é onde é filmada a antológica cena do massacre no filme O Encouraçado Potemkin, de Serguei Eisenstein (1925), uma das cenas-símbolo da história do cinema e que, em Film Socialism de Godard, como que amarra as referências fílmicas e históricas que dialeticamente se relacionam. A narrativa em torno do preço que tantos povos pagaram pela liberdade.

"A Liberdade custa caro, mas não se pode comprá-la com ouro nem com sangue, mas com covardia, prostituição e traição."

"Quando a lei não é justa, a justiça ultrapassa a lei"
As mazelas e os sofrimentos que viveram Egito, Palestina, Odessa, Hellas (Grécia), Nápoles e Barcelona é como o pano de fundo por trás das imagens que vão se sucedendo como livre-associações, como poemas e versos em forma de imagens.

As imagens falam: a futilidade dos valores ocidentais contemporâneos, por exemplo.

O dinheiro: “o dinheiro foi inventado para que os homens não se olhem nos olhos”.

Um símbolo da morte: tourada.

Um símbolo da majestade de tudo: o mar.

Um símbolo eterno do cinema: Godard.

Por isso faço minhas as palavras de Glauber: “Você gosta de Jean-Luc Godard? (Se não está por fora)”.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Artistas de rua em São Paulo – Les Chats-Potés



O casal estava fazendo um som na avenida Paulista esta semana, em frente à estação Brigadeiro do metrô. São André e Lia, que se intitulam Les Chats-Potés. A imagem não é lá essas coisas, é de celular.




quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Futebol brasileiro em 2013 só valeu pela foto



Luiza já veste a camisa

Fim de ano é época de balanços. Começo uma pequena série antes do fim dos 12 meses pelo assunto que nesse período do calendário quase abandonei aqui no blog: futebol. E, nesse tema, pouca coisa realmente valeu a pena em 2013. Uma delas foi a foto que (entre outras) fiz na festa de aniversário da Luiza, minha sobrinha, filha do Alexandre. Como se vê, ela foi definitivamente conquistada para as hostes palmeirenses pelo pai, pelo tio Paulo e pelo avô. O tio santista aqui, isolado, nada poderia ter feito. Claro que na festa, dia 16/11, ela usou outras roupas (era festa!), trocou algumas vezes de figurino, o do Palmeiras foi só no fim, já à noite. Mas consta também que, dias antes de ganhar a camisa do Palmeiras de aniversário do tio, ela reclamou: "pai, minha camisa do Palmeiras já tá pequena". 

Por falar em criança e alegria, e também em Palmeiras, nasceu dia 30/11 a formosa Alice, que o pai Anselmo (do Futepoca) tem esperança de que se torne outra adepta da tradição de Ademir da Guia. Mas aí já são outros quinhentos, muita água vai rolar debaixo da ponte e o pai terá de se empenhar um pouco. A pequena sagitariana tem apenas dez dias de vida! Luiza já tem 7, tudo indica que já é palmeirense.

O Brasileiro de 2013

Bem, mas tirando as crianças e essas associações afetivas, de resto, o futebol brasileiro em 2013 deu tédio. No último fim de semana acabou o campeonato (para mim) mais chato de que me lembro. Este ano, aliás, quase não perdi tempo com futebol, e não só pelo meu time, o Santos, ter passado um ano em branco (com o perdão do trocadilho). O campeonato Brasileiro acabou como começou: com uma emoção similar à provocada por um torneio de vôlei. Sem contar com espetáculos sórdidos como o da pancadaria brutal entre torcedores de Atlético-PR e Vasco, na última rodada.

Eu, que passei um ano muito ocupado e cheio de coisas a fazer, só fiquei sabendo que o Cruzeiro tinha sido campeão dois dias depois, vendo uma notícia na Web. Meu desinteresse deve-se em boa parte a essa fórmula insossa, importada e chata de pontos corridos. A cada ano o Brasileiro fica mais e mais desinteressante, quase tanto quanto uma novela da TV Globo, que aliás é quem manda no calendário. O título virou uma coisa secundária. O que importa mesmo é a Libertadores.

Tive o privilégio de ver in loco meu time ser campeão no último Nacional disputado na antiga fórmula de mata-mata, quando o Alvinegro da Vila derrotou o Corinthians em duas partidas (2 a 0 e 3 a 2) e sagrou-se campeão brasileiro de 2002 depois de 18 anos sem um título considerado importante, na época. “Pontos corridos é mais justo”, dizem os defensores do atual sistema.

Mas quem disse que futebol tem de ser justo? Futebol é esporte e jogo, e jogo sem sorte e sem duelo, politicamente correto, só justo (e viva a justiça!), não tem graça. Quem gosta de jogo sabe disso.
Voltando a 2013, o destaque é do futebol mineiro, campeão brasileiro (Cruzeiro) e da Libertadores (Atlético). 

Paulistas decepcionantes

O futebol paulista deu vexame e, incluindo todos os torneios, não emplacou nenhum clube na Libertadores de 2014. O melhor time do estado no Brasileiro foi o Santos, em 7° lugar (57 pontos), seguido pelos medíocres São Paulo e Corinthians (7° e 8°, ambos com 50) e Portuguesa (12ª, 48). 

Para os paulistas, além do fracasso generalizado, foi um ano de lambanças. O Santos, que muitos consideravam candidato ao rebaixamento, surpreendeu muito, positivamente: ficou sete pontos à frente dos rivais da capital e, mesmo tendo perdido Neymar e passado por crise política, conseguiu 4 pontos a mais do que no ano passado com o milionário Muricy Ramalho. Mas, mesmo assim, demitiu o jovem treinador Claudinei Oliveira, oriundo da base do clube, que fez um trabalho excelente ganhando menos do que 10% do que era pago ao tosco Muricy, que tinha Neymar. Se contratar Oswaldo de Oliveira, me parecerá uma boa escolha, que eu achava (mesa de bar) que deveria vir para o Santos quando foi para o Botafogo em 2011. Mas a escolha certa por Oswaldo não apagará a injustiça (ah, a justiça) com Claudinei.

O Corinthians foi a maior surpresa negativa. Ninguém podia imaginar que o campeão mundial obteria míseros 50 pontos, cairia sem dar trabalho na Libertadores, não ganharia nada (a não ser o Paulistinha –dou a mão à palmatória– e ainda demitiria Tite. Vai entender.

O São Paulo passou o ano no limbo e não ganhou nem jogo de par-ou-ímpar. Foi salvo do rebaixamento por Muricy, que nunca deveria ter saído do São Paulo e poderia ficar lá para sempre, que assim não prejudicaria tanto o futebol, e de quebra poderia ajudar seu amado São Paulo, onde dá certo.

Entre os paulistas, destaque mezzo a mezzo para a Ponte Preta, rebaixada para a Segundona no Brasileiro mas que pode se sagrar campeã da Sul-Americana na quarta-feira e conquistar seu primeiro título em 113 anos, se superar o argentino Lanús no segundo jogo da final na periferia de Buenos Aires nesta quarta-feira (no jogo de ida, 1 a 1 no Pacaembu). E, se conseguir o título, rouba a vaga do Botafogo, 4° no Brasileiro, na Libertadores. E assim se completaria a urucubaca (que só o STJD, sempre essa entidade nefasta, pode amenizar, palmas à Justiça) do futebol carioca em 2013. 

E o Palmeiras... Bem, o Palmeiras já foi devidamente homenageado com a foto que ilustra este post e conseguiu seu segundo título brasileiro da segunda divisão em 2013, feito inédito entre os grandes de São Paulo. Mas os palmeirenses pelo menos tiveram o que comemorar em 2013.

Sendo assim, vai uma segunda foto, do tio Paulo-coruja, que deu a camisa para a sobrinha Luiza, com a própria.



E a Lusa...

A Portuguesa, time para o qual sempre torço para se dar bem, ou pelo menos não se dar mal, seria um destaque positivo, pois era tida e havida como certa ao rebaixamento e heroicamente se safou. Mas eis que acabo de saber que, por ter escalado um jogador suspenso, a Lusa pode ser punida com a perda de 4 pontos e aí seria rebaixada. E quem seria o beneficiado? Adivinhem? Fluminense!, que subiu em 2000 beneficiado pelo tapetão. O mesmíssimo Fluminense…

Mas, se o caso for juridicamente líquido e certo e a Lusa for punida, fica a pergunta: como um time profissional, que joga a série A do Brasileiro, poderia cometer um erro desse, digno de futebol de várzea? Francamente. Se o jogador estava mesmo irregular, onde estavam os departamentos de futebol, jurídico e técnico do clube? E onde estava o próprio jogador, Heverton? Seu pai, sua mãe, seu empresário, sei lá, alguém? Ninguém sabia da suspensão? Chega a ser estranho. Torço para que haja algum engano.

Pobre futebol carioca

Os times do Rio, Vasco, e Fluminense, caíram no campo, e assim o futebol da “Cidade Maravilhosa” foi ainda pior, mas muito pior do que o paulista. Bateu um recorde, com dois de seus “grandes” sendo degolados. O Flu, aliás, me parece ser o primeiro campeão brasileiro num ano que vem a cair no seguinte. O Flamengo, como o São Paulo, ficou no limbo. Palmas ao futebol carioca!

Menção aos gaúchos: como sempre, o Inter promete, promete, e não chega a lugar nenhum. E o Grêmio honra a tradição de um time que está sempre na disputa.

No ano que vem tem Copa do Mundo. Em termos de futebol, vai ser bem menos chato do que em 2013.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Juan José Morosoli – a solidão, a pureza, a viagem


Reprodução
Juan José Morosoli. Este é o nome de um escritor uruguaio que nasceu em 19 de janeiro de 1899, em Minas (capital do departamento de Lavalleja), e morreu em 29 de dezembro de 1957, na mesma cidade.

Acabo de ler A Longa Viagem de Prazer, infelizmente único título do autor publicado no Brasil. A pequena coletânea de contos da editora L&PM revela (e para mim foi mesmo uma revelação) uma literatura densa e impressionante. Os relatos tratam da vida simples de gente simples, num cenário regionalista do qual o autor dá testemunho.

Sob certos aspectos, é possível fazer um paralelo entre a literatura deste pequeno e precioso livro com a do nosso Guimarães Rosa. Ambos falam de um tipo de gente cuja simplicidade esconde vastidões da alma humana. Ambos falam de criaturas solitárias que parecem não ter mais lugar no mundo ocidentalizado no qual as modernidades, lenta e cruelmente, foram apagando a pureza, cultural e espiritual, mesmo que essa pureza seja bruta para os padrões da civilização que a extinguiu.

Os relatos de Morosoli não são descritivos. Neles, o autor não opina, não dirige e não afirma. Não descreve. Os que falam, e com extrema economia (um pouco como os nossos caipiras ou sertanejos, vá lá), são personagens que às vezes não têm como interlocutor senão um burro ou um cavalo, ou no máximo homens e mulheres que com eles dividem a solidão, e, no entanto, muito à vontade nesse seu pequeno e suficiente universo. Em Morosoli, a solidão fala.

Citei Rosa porque é uma analogia óbvia, mas é preciso dizer que, ao contrário da complexa narrativa do escritor das nossas Minas Gerais, a do uruguaio não se propõe a discutir a linguagem e nem com isso jamais se preocupou. A linguagem são pura e simplesmente os homens de sua terra.

É Morosoli quem define sua própria obra:

"(...) los gauchos no son clásico gauchos. Imagínese. No hay una sola doma de potro. No hay un solo baile. No hay una sola parada de rodeo. Guitarreros menos. En realidad no pasa nada. Son unos trabajadores que sufren el campo aquel. (...) El pueblo de mi libro es igual a muchos. (...) Yo sé que mucha gente cree que estas miserias las inventan los noveleros. Yo escribo lo que veo."

A doutora e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na pequena introdução à edição da L&PM (com tradução de Sérgio Faraco), diz que os contos do livro são “escritos com economia verbal invejável, fruto, com certeza, de muito trabalho e revisão”. “No entanto – continua ela –, o leitor não deve se deixar enganar pela aparente simplicidade da forma: o andamento narrativo é sempre surpreendente.”

A solidão dos personagens é onipresente e às vezes cruel. A singeleza perpassa as páginas. Como em uma passagem em que um personagem leva alguns gauchos para conhecer o mar que nunca viram. Para ele, o mar é sobrenatural em seu mistério e vastidão, e ele quer compartilhar com eles esse sentimento epifânico, inexplicável, único, de presenciar essa obra sem autor, que “é uma cosia soberba e bárbara... Pra mim, o mar não tem explicação”, diz esse personagem. No entanto, seus companheiros de viagem não conseguem compreender essa sensação do infinito. “Que tal?”, pergunta o extasiado Rodriguez, homem simples de alma poética, querendo saber do outro o que ele acha do mar que nunca vira. “Pois... é pura água, não? Mais ou menos como a terra, só que é água”. E assim, um por um, seus amigos vão definindo o mar segundo suas concepções simplórias, telúricas, toscas, incapazes de compreender, para espanto e sofrimento daquele que, por sua vez, não consegue entender a ignorância dos outros diante do infinito, embora Rodríguez também não consiga expressar por palavras a grandeza do que quer definir e não pode.

Não é por acaso que dois dos relatos da coletânea são intitulados “A longa viagem de prazer” (que dá título ao pequeno volume) e “A viagem até o mar”.

A viagem, em Morosoli, parece assumir uma dimensão metafórica, quase como um sonho, para criaturas, “viventes”, que não sabem senão as coisas cotidianas de seu rincão, onde a rotina se resume às coisas mais básicas: acordar, fazer o mate, cuidar do cavalo... “Umpiérrez despertava, começava o mate, acendia o fogo e preparava um churrasquinho nas brasas. Comia, ia para o forno de tijolos onde trabalhava. Ao meio-dia separava-se do grupo de cortadores que faziam o fogo em comum, acendia seu próprio fogo, tomava mate, encostava uma carne e almoçava.”

Em uma palavra, uma maravilha essa literatura que recém-conheço.

Pena que, exceto pela edição da L&PM, os editores brasileiros ainda não descobriram Juan José Morosoli. Eu vou tratar de comprar outros livros dele, em espanhol.