quinta-feira, 5 de junho de 2014

Iniesta tem razão – e aqui em casa vai ter Copa


Para o companheiro José Arrabal


 


Tenho lido e ouvido muitas coisas sobre os motivos pelos quais se deve torcer para o Brasil ou contra o Brasil. Esta torcida pelo #VaiTerCopa ou #NãoVaiTerCopa embute muito mais significados do que parece. #VaiTerCopa ou #NãoVaiTerCopa é o sintoma de um país dividido.

Um dos componentes que alimentam a torcida para que tudo dê errado, para que o Brasil perca a Copa, para que os estádios desabem, para que nossa realização seja um fracasso e acabe em vergonha, vergonha incorporada justamente num dos nossos maiores símbolos e orgulho, o futebol, é o ódio insano a Lula, ao PT e a Dilma. Uma das parcelas da sociedade que torcem contra não suporta a ideia da distribuição de renda, e não tolera que um operário tenha tido a ousadia, mesmo sendo conciliador, de mudar alguns parâmetros das políticas públicas etc etc. “Somos contra tudo o que está aí”, dizem. Direitistas insanos e incendiários do PSTU, por exemplo, dizem, ou expressam, a mesma coisa.

Há outros que torcem contra porque simplesmente virou moda e também os que torcem contra sem saber por quê, o que no fim dá no mesmo. Não falo em moda à toa. A Ellus, conhecida marca de roupas usada por jovens, lançou uma absurda campanha na São Paulo Fashion Week este ano em que se viam camisetas pretas (que são vistas nas ruas hoje) com a frase estampada em letras garrafais: “Abaixo Este País Atrasado”.

Esperta como é, a indústria da moda ou pega carona em uma onda que vê se formar, ou ela mesma, se for capaz de criar essa onda, a cria. Não vou discutir estratégias de marketing aqui. Só não custa lembrar que a Ellus é acusada de utilizar trabalho escravo em sua produção. Esse é só um tipo de gente ou empresa que fomenta a moda segundo a qual o Brasil não presta, que vai dar errado, que tudo o que tem a ver com a Copa do Mundo é uma merda.

Se o Brasil não presta, vamos protestar. Vamos protestar contra tudo, vamos quebrar pontos de ônibus, vamos quebrar e incendiar ônibus, bancos, vidraças e lojas, vamos despedaçar nosso orgulho, nossa fama de país pacífico que recebe todas as raças e credos de braços abertos, vamos vilipendiar nosso futebol e nossa seleção, afinal para que serve o futebol a não ser para 22 otários correrem atrás de uma bola, não é mesmo?

De que servirá ganhar a Copa do Mundo se isso vai instaurar um clima positivo no país justamente às vésperas das eleições, e isso vai beneficiar a reeleição de Dilma Rousseff? Estão em jogo bilhões de dólares apenas no que vale a Petrobras.

Mas não é só isso, claro. Há os “politizados”, que protestam porque é importante protestar, porque protestar é um direito constitucional, porque, segundo dizem, o país está uma merda, a saúde está aos frangalhos, o transporte público não funciona, a educação idem, falta teto para morar, e os sem teto resolveram que agora, no período de Copa do Mundo (quando os protestos ganham mais visibilidade) e durante a gestão de Fernando Haddad, é a hora de botar pra quebrar. Vamos botar pra quebrar! Mal se lembram dos sistemáticos e estranhos incêndios que vitimavam comunidades e favelas até antes de Haddad tomar posse.

Recentemente, o meia Iniesta, um dos maiores jogadores de futebol do mundo na atualidade – aliás, autor do gol que deu o título à Espanha na Copa de 2010 na África do Sul – se manifestou sobre os protestos no Brasil: “É a Copa no país do futebol e não há nada mais belo do que isso. Todos deveriam festejar. Não sou ninguém para falar dos outros, especialmente sobre os problemas do Brasil. Só digo que é algo muito estranho”, disse Iniesta.

Achei muito interessante o que disse o craque espanhol. E me remeteu imediatamente à lembrança de um jovem espanhol que conheci há cerca de um ano no centro de São Paulo, exatamente na rua São Bento. Esse jovem estava na companhia de um meu colega de trabalho na Rede Brasil Atual. Conversamos um pouco, ele contou que estava no Brasil à procura de uma chance na vida, que na Espanha estava “una mierda, sin trabajo, sin possibilidades de vida”. E que veio para o Brasil porque tinha parentes que lhe contavam que aqui dava pra começar a vida, que tinha trabalho para um jovem. “Para un joven”!

Nunca mais o vi, mas era um menino quase imberbe, igual a esses que formam a multidão de jovens brasileiros mal ou bem intencionados que protestam, protestam e protestam, sem saber por exemplo que há até estrangeiros que vêm se tratar de Aids no Brasil, porque em seus ricos países não têm condições de pagar, e aqui encontraram o SUS.

Me lembro também de Nelson Rodrigues, e aqui reconheço que estou apelando a um clichê. Nelson que, revoltado com a babação dos brasileiros diante do futebol dos gringos, criou a expressão “complexo de vira-lata”, para se referir aos que viam o próprio esplendor, no futebol dos outros, diante do nosso pobre futebol de pernas tortas.

A palavra “complexo” me remete a outro tema. A psicologia, a psicanálise, a psique de um certo tipo de brasileiro que não quer dar certo. Freud tratou desse tema, na abordagem de indivíduos que boicotam a si mesmos, mas, se me permitem a licença, transponho esse conceito a um plano geral, para falar de um outro indivíduo, o brasileiro com complexo de vira-lata, característica de uma multidão composta por muitos:

1) os de “direita”, como os da banda da massa cheirosa e seus discípulos espirituais, que acreditam que tudo pode ir no rumo de seus desejos se nosso futebol fizer jus ao epíteto da Ellus, e querem que o Brasil pegue fogo, fracasse, perca a Copa do Mundo, que os estádios desabem;

2) os de “esquerda”, que, por má-fé, ingenuidade ou adolescência tardia, e por um problema psicanalítico, querem que o Brasil pegue fogo, fracasse, perca a Copa do Mundo, e que os estádios desabem. Muitos desses “se acham”. Consideram-se de “esquerda”. Até votaram no Lula e na Dilma, mas entendem que é muito importante protestar, que é legal, que é daora, que é constitucional, que é revolucionário, que é politicamente correto, que é quase assim como um gigantesco grafite em cinemascope, um grafite em movimento, tá ligado? Assim, se tudo der certo, um dia talvez sejamos uma imensa Cuba.

Então, dizem eles, #NãoVaiTerCopa. Também dizem: “somos contra tudo o que está aí”.

Alguns desse tipo conhecem história mas estão confusos, não sabem se comemoram o gol de Neymar ou se apoiam os protestos que comandante Fidel aprovaria (alguns vão a Cuba e voltam mais confusos ainda). Outros não conhecem história e não sabem que muitos foram torturados e mortos para que chegássemos aonde chegamos. Outros, ainda, não gostam ou não entendem nada de futebol, e embarcam na onda porque se sentem apoiados no seu não gostar ou não entender de futebol.

Disse Lula a CartaCapital esta semana: "O jovem hoje com 18 anos tinha 6 anos quando ganhei a primeira eleição, 14 anos quando deixei de ser presidente da República. Se ele tentar se informar pela televisão, ele é analfabeto político. Se tentar se informar pela imprensa escrita, com raríssimas exceções, ele também será um analfabeto político. A tentativa midiática é mostrar tudo pelo negativo. Agora, se nós tivermos a capacidade de dizer que certamente o pai dele viveu num mundo pior do que o dele, e se começarmos a mostrar como a mudança se deu, tenho certeza de que ele vai compreender que ainda falta muito, mas que em 12 anos passos adiante foram dados."

Enfim, acho triste, triste mesmo, que nossa Copa do Mundo tenha que ser assim.

Iniesta tem razão.



3 comentários:

Paulo M disse...

Deveríamos discutir aqui o jogo do Brasil contra a Sérvia. Mas estamos falando de algo que se assemelha a uma inversão de valores: quem diria, décadas atrás, que a consciência política poderia trocar de lugar com o discurso de que o futebol não passa de instrumento para emburrecer as massas? O gol a favor virou gol-contra, prova de que a elite muda de côr conforme as circunstâncias. E em meio ao turbilhão, vi da janela da sala do local onde trabalho um casal de turistas que, na calçada, lá fora, parecia alegremente perdido no centro da cidade, carregando mochilas e mostrando, um ao outro, pontos de um mapa que traziam e no qual certamente apostavam suas fichas para se achar em São Paulo. "Espero que São Paulo não os frustre", pensei, como Buenos Aires não me frustrou há um mês. E, pra mim, é importante receber os outros como fui recebido na capital portenha.

Mas, talvez como Iniesta, achei estranho um PM dar entrevista ao Uol apoiando a greve (falando em nome da corporação da polícia), depois de brigar com metroviários e jogar-lhes bomba de gás dentro da estação Ana Rosa do Metrô. Aliás, o dia, hoje especialmente, foi um caos. Se a PM do Alckmin tivesse dado umas palmadinhas com marca de borracha na bunda dos metroviários oportunistas, eu apoiaria, mas nem pra isso o Alckmin serve. E é até bom mesmo que a baderna sobre pra ele.

Fiquei tentando (sem conseguir) imaginar Maradona dizendo que tem vergonha da Argentina a duas semanas de uma Copa do Mundo na Argentina.

Mas acho que, quando o Brasil entrar em campo, o governo e os sindicatos vão acordar.









Alexandre disse...

Certamente haverá muitos hipócritas quando o Brasil fizer um gol na copa. não há a menor dúvida disso. Certamente alguns grevistas, que a essa hora já estão demitidos, pelo uso do direito, de forma abusiva, também não deixarão de ter uma alegria, mínima que seja, se o Neymar por acaso fizer um gol de placa. Algum manifestante do PSTU fará sua horinha de alegria, se o brasil vencer, se não, estará pronto, para oportunamente fazer críticas e manifestar-se, mesmo contra a sua vontade, quem sabe não está sendo pago pra isso? Meu deus, como sou hipócrita. Falei tanto do Felipão, e já me sinto vendido à minha emoção traidora. Mas olha, não quero torcer muito, pque essa seleção tá muito longe do que acho que poderia ser. No entanto agora acredito que o Brasil pode vencer, porque não?

Gabriel Megracko disse...

Lindo, lindo texto! Vou citar um trecho, literariamente genial, mas antes isso:

"a banda da massa cheirosa e seus discípulos espirituais"
Bingo!, mano, bingo.

Agora isso:

1) os de “direita”, como os da banda da massa cheirosa e seus discípulos espirituais, que acreditam que tudo pode ir no rumo de seus desejos se nosso futebol fizer jus ao epíteto da Ellus, e querem que o Brasil pegue fogo, fracasse, perca a Copa do Mundo, que os estádios desabem;

2) os de “esquerda”, que, por má-fé, ingenuidade ou adolescência tardia, e por um problema psicanalítico, querem que o Brasil pegue fogo, fracasse, perca a Copa do Mundo, e que os estádios desabem.

Não há muito mais que dizer, só um desejo profundo de que tudo dê errado para os que torcem pra tudo dar errado; queimem no inferno de seus corações pútridos.
Às vezes tenho vontade de sangrar cabeças fascistas, mas aí me lembro que sou um sujeito de bem começo a cantar e dançar.

Beijos a todos.