quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Impressões de Montevidéu



Edu Maretti
Do avião, vista do sul do Uruguai
Montevidéu é uma belíssima cidade, mas isso não faz com que seus habitantes sejam muy alegres. Os montevideanos são circunspectos, um pouco mal humorados, “pra dentro”, o que pode fazer você concluir precipitadamente que há alguma prevenção deles contra nós brasileiros, alguma hostilidade tácita mal disfarçada. Depois você vê que não é nada disso. Eles são assim mesmo. Em relação aos argentinos, sim, há uma rivalidade natural, regional. Os uruguaios comparam a oposição entre eles e argentinos com o que eles supõem ser a nossa com os cariocas. Fazem essa comparação comumente. É engraçado.

Num fim de tarde em que havia um pôr de sol magnífico e estávamos à beira do Rio da Prata, conversamos por acaso com o jornalista chamado coincidentemente Marcelo Tarde, que ali estava, como nós, para contemplar aquela cena que dispensa adjetivações. Tarde deu sua versão sobre por que, na sua opinião, o uruguaio de modo geral é uma pessoa circunspecta e “cinzenta”. Segundo ele, as coisas são bastante difíceis para o povo, que vive num país de economia difícil para eles, onde tudo é caro e as pessoas ganham mal. Esse aspecto econômico não é conjuntural, mas histórico, visto que a economia uruguaia passou nos últimos anos por uma fase de crescimento e baixo desemprego.

Mas nada disso significa (é bom deixar claro) que os uruguaios sejam desagradáveis ou não sejam gentis. Têm apenas um caráter meio introspectivo.


Edu Maretti
Pôr do sol no Rio da Prata

Passamos dias ensolarados em Montevidéu (e um dia em Colônia de Sacramento), mas todos frios. O amigo Marcelo Tarde, naquela tarde, comentou que o clima normalmente cinza colabora para que o uruguaio seja aburrido, meio depressivo, mal humorado e com tendências suicidas. Uma cidade cinza, que tem um inverno longo, acaba deixando as pessoas deprimidas, conjectura Tarde. Segundo pesquisa divulgada pela BBC no ano passado, o Uruguai está em primeiro lugar na taxa de suicídios, ao lado de Cuba, entre os países latino-americanos. Seriam 16,6 suicídios por 100 mil habitantes.


Montevidéu tem 1,9 milhão de habitantes, cerca de 500 mil a mais do que Porto Alegre. O Uruguai inteiro tem 3,5 milhões. Quer dizer, a capital do Uruguai não é tão grande e uns cinco dias são suficientes para conhecê-la mais ou menos bem e usar eventualmente outros dias para conhecer outras cidades, como a cidade histórica de Colônia de Sacramento, a duas horas e meia por rodovia.

Carmem Machado
O jornalista Marcelo Tarde (esq.) e este blogueiro

“Montevidéu é ótima para os turistas, para vocês, pero para nosotros és muy difícil”, diz Tarde. O jornalista faz uma associação entre futebol e sociologia. Afirma que o futebol do Uruguai, duro, raçudo, para o qual tudo é difícil e sofrido, um futebol não agradável, reflete esse estado de espírito de Montevidéu e do Uruguai de modo geral, de sua história, de sua economia, de seu povo. "Não somos alegres como vocês brasileiros com seu futebol alegre, com suas mulheres que se vestem coloridas. Para nosostros és así, como nuestro futbol."

Tarde diz que virá ao Brasil se La Celeste bater a Jordânia na repescagem e garantir o passaporte para a Copa do Mundo de 2014. 

Língua

Como escrevi em post post anterior, diferentemente dos portenhos de Buenos Aires, os uruguaios de Montevidéu, os montevideanos, conversam com você numa boa se você fala portunhol. Nem todos, é claro, mas alguns falam muito bem o português e o vocabulário deles incorporou muitas palavras do português, que eles falam e entendem naturalmente. Claro, isso não se dá por acaso. Todos nos lembramos das aulas de História em que aprendemos sobre a Colônia Cisplatina, lembram-se? O Uruguai foi incorporado ao Brasil em 1821 e se tornou independente em 1828.

Pegamos um táxi e o taxista falou um português correto. Surpreso, perguntei de onde ele é, do Brasil? “Não, sou daqui. Aprendi a falar português trabalhando, e também porque na história tivemos os portugueses aqui, nossa história é próxima”, ele explicou. O Rio Grande do Sul está logo ali. Muito simpático aquele jovem taxista de Montevidéu. É virtualmente impossível acontecer um diálogo como esse em Buenos Aires.

Comida e bebida

O mate é mais do que um hábito. É um vício. Pessoas andando com a garrafa térmica com água quente embaixo do braço enquanto a mão segura a cuia é uma cena onipresente. O taxista que nos levou do hotel ao aeroporto para pegar o avião de volta dirigia com a cuia na mão.
 Carmem Machado
Onde quer se esteja, a cuia e o mate nunca faltam
Algum tipo de carne, batatas (fritas, simplesmente cozidas, na salada russa ou em forma de purê) e uma salada é a combinação básica da culinária do dia-a-dia.

O popular chivito (que reúne carne, queijo e presunto, ovo ou outras combinações), que pode ser um sanduíche ou al plato, é uma solução sempre disponível.

Come-se muito ovo no Uruguai. O ovo deles tem uma gema bem vermelha. Lembra o ovo da galinha caipira que temos aqui, que se vê raramente.

Para comer uma carne, não há nada melhor do que o mercado do Porto. Para quem gosta de carne (de boi, de frango ou linguiça) é o paraíso. Você já começa a salivar chegando ao local, antes de se sentar a um dos inúmeros boxes disponíveis.


Pollo a la vasca
Andando pela calle San José, no número 1168, você encontra um restaurante basco, ali plantado, e se você não presta atenção quase não vê. Pacharan é o nome da taberna. Comemos um pollo a la vasca (frango à basca), sinceramente, inesquecível.

É caro comer em Montevidéu. Um real equivale a 9 pesos uruguaios. Em duas pessoas, você gasta em média para jantar ou almoçar, normalmente, entre 400 e 700 pesos uruguaios, equivalente a 45 e 80 reais, aproximadamente.

Uma coisa interessante é que eles põem pouco sal na comida. Não comi nenhuma vez em que não tivesse, para o meu gosto, ligeiramente sem sal. O que é bom, porque sal faz mal e engorda. E, caso se queira, acrescenta-se. Aqui no Brasil, quase sempre se coloca mais sal do que se deve. Açúcar então, é uma doença.

A cerveja é boa. A Patrícia e a Pilsen, de lá, são de ótima qualidade. É comum a garrafa de um litro. Custa cerca de 130 pesos (14 reais).

É muito comum as pessoas pedirem cigarros nas ruas de Montevidéu. Isso porque, para os pobres de lá, fumar é um luxo. Um maço de Marlboro, que no Brasil custa R$ 5,75, na capital uruguaia é 85 pesos, o que equivale a R$ 9,50.

Também diferentemente dos argentinos, que tomam muito vinho, os uruguaios bebem mais cerveja. E coca-cola. Como gostam de coca-cola! Um casal tomar 1 litro numa refeição é normal.  Na Ciudad Vieja, há muitos estabelecimentos com propagandas antigas da Coca-Cola.



É charmoso, porque remete ao passado, mas um passado invadido pelo kitsch moderno, o que provoca um sentimento de nostalgia inevitável.

Mujica

Cerca da metade das pessoas com quem conversamos em Montevidéu sobre o presidente José Mujica consideram-no pífio, garantem que no ano que vem ele e seu grupo saem do poder e dizem, contra seus programas sociais, que o governo dá plata a quem não trabalha, "pero nosotros que trabajamos pagamos esto". O mesmo argumento dos que vociferam contra o Bolsa-Família no Brasil, porém com uma diferença importante: uma parcela dos que são contra Mujica com esse argumento de que o governo sustenta vagabundos com o dinheiro dos que trabalham são pessoas com problemas. Passam dificuldades. Trabalham muito e não têm nada (no Brasil, o ódio contra o Bolsa Família parece mais ideológico).

A outra metade se divide em duas:

Um quarto, 25%, é expressa pelo taxista jovem citado acima:

     – Te gusta Mujica? – perguntamos.

     – Gosto. Não faz nada, mas pelo menos não rouba – respondeu, nessas mesmas palavras, em português.

Os outros 25% da segunda metade das pessoas com as quais conversamos sobre política e Mujica são mais reflexivos. Dizem que o governo "está bien", que é certa sua política social. Mas há algo que as inquieta. É que essas pessoas parecem ter uma certeza amarga de que não podem ir más allá, e que Mujica não fará nada por elas. É uma parte significativa da população do Uruguai, que oscila entre a compreensão e a indiferença.

 Estádio Centenário e praças

  Carmem Machado

Fiquei emocionado ao visitar o Centenário. O estádio de futebol tal como conhecemos hoje descende das arenas gregas que sediaram a Olimpíada a partir do século VIII a.C., concepção que posteriormente deu origem ao Coliseu de Roma, construído entre 70 e 90 d.C.

Na história do futebol do século XX, o estádio de futebol é filho popular das arenas greco-romanas. E o Centenário é um “monumento del futbol mundial”, como diz uma inscrição no estádio, o primeiro construído para uma Copa do Mundo, onde a Celeste Olímpica se sagrou o primeiro time campeão mundial em 1930.

O estádio Centenário está situado dentro do parque Battle, uma linda área de nada menos do que 60 hectares localizada na região centro-leste da cidade. É um típico exemplo de como as capitais dos países sul-americanos consideram importantes as praças e os parques. Em Montevidéu, como em Buenos Aires ou Santiago de Chile, las plazas estão em toda parte. Nossa Porto Alegre (RS) tem um pouco essa cultura.

 Carmem Machado
As crianças brincam de "pique" (pega-pega) no enorme parque Battle

As praças nas cidades importantes da América do Sul ocupam o espaço que nas cidades históricas brasileiras é ocupado por igrejas católicas. Numa cidade importante de Minas Gerais, você não anda 500 metros, ou menos, sem encontrar uma igreja. Nas cidades sul-americanas, melhor, você encontra praças. Vi poucas igrejas em Montevidéu. Falo das católicas. Infelizmente, há uma (felizmente, uma) “loja” da Universal do Reino de Deus, na avenida 18 de Julio. Seja como for, os montevideanos são mais laicos do que os brasileiros.

Edu Maretti
La Plaza Independencia

Las calles

Jorge Luis Borges define com nuance poética as ruas de Montevidéu como "calles con luz de patio". Lindas calles, muitas das quais, transversais à avenida 18 de Julio, uma veia que atravessa a cidade, são ornamentadas pelos plátanos.


Menino joga bola em rua da Cidade Velha

A avenida 18 de julho (data da primeira Constituição do país, em 1830) leva à Ciudad Vieja, e entre elas la Plaza Independência, uma ampla e agradável praça que é ao mesmo tempo um monumento urbano e ufanista, dedicado a José Artigas. Esse caráter ufano e militarista dessa praça, porém, é um pouco opressivo.

A partir dali, da Plaza Independencia, não existem plátanos, pero "calles con luz de patio" que acabam desembocando no monumental Rio da Prata de cujas ramblas o povo uruguaio mira o horizonte depois das águas.

Carmem Machado
Ao fundo, o Rio da Prata


Abaixo, mais algumas imagens (clique nelas para ampliar)
[
Fotos: Edu Maretti/Carmem Machado]



Fim de tarde: as pessoas namoram, proseiam,
tomam mate à beira do Rio da Prata




Uma carniceria, ou seja, um açougue




Plaza De Cagancha - dia




Plaza De Cagancha - noite




3 comentários:

olavo disse...

Maretti, que engraçado. Como experiência pessoal é um negócio relativo mesmo.

Uma das lembranças mais vivas - e marcantes! - de minha viagem ao Uruguai é do povo educado, simpático, solícito. Doido isso! Acho que eu dei sorte e você azar.

Tiago Ferreira disse...

Nossa me impressionou esta visão política. Que triste saber disto. Saber que não acreditam no Mujica, que são indiferentes, saber que mesmo os mais fudidos muitas vezes não defendem as políticas nacionais. Que os mais crentes são descrentes. Que pena. Tinha pra mim que o governo dele possuía uma alta aceitação, até pelas leis que o governo conseguiu aprovar recentemente, como as relacionadas ao aborto e a maconha.
Enfim, belo relato, mas é engraçado. Normalmente quando ouvi coisas sobre Montevidéu, sempre foram muito mais encantadas. Creio que uma hipótese para isso é que praticamente todos a que ouvi me traziam uma visão turística, menos atenta, de quem está no lugar apenas para desfrutar, e por isso, olha apenas para o que quer. Não que isto seja uma regra, mas é mais comum. Lendo seu post, sinto que por ser mais fiel,ou mais jornalístico por assim dizer, há uma boa dose do espírito uruguaio nas palavras ou no que/como se escolheu olhar. O país ficou mais real. Acho que agora me encanta mais.
Abs.

Ps: sobre o futebol impossível não comparar ao Corinthians.

Eduardo Maretti disse...



Não, Olavo. Mas eu não falei que o povo não seja educado, simpático, solícito, e sim que são "circunspectos, um pouco mal humorados, 'pra dentro'".

Não são muito alegres. É uma coisa deles com eles mesmos. Não que expressem isso contra alguém, no caso, nós. São introspectivos.

E, Tiago, conversamos com pessoas por acaso, e não muitas, sobre Mujica. Não tem o menor valor científico e o que eu disse não significa que a realidade seja essa.

O post, aliás, tem o título de "Impressões de Montevidéu" porque são de fato impressões... que, portanto, podem não espelhar a realidade e são passíveis de revisão...

Gostei dos uruguaios, sim!. Essa coisa de não serem muito extrovertidos, de num primeiro momento parecerem meio mal humorados, tem até a ver comigo mesmo. Eu sou meio assim.

Não quero que pareça que eu disse que eles sejam desagradáveis. Não são.

Abraços