domingo, 22 de dezembro de 2013

O primeiro ano do governo Haddad, o socialismo e a "Casa Grande"



Elza Fiúza/ABr

Não passou despercebido aos ouvidos atentos a frase que o prefeito Fernando Haddad disse ao sancionar na sexta-feira (20) a lei de criação da SP Cine (aliás, uma iniciativa do Executivo, aprovado na Câmara, digna de muitos aplausos). “Sou socialista, acredito na necessidade da distribuição de renda”, declarou, a propósito da batalha político-jurídica em torno do IPTU.

Um amigo meu chegou a comentar quão significativa é a frase de Haddad.  ”Fazia muito tempo que eu não ouvia um petista dizer ‘sou socialista’”. O que estaria por trás da declaração de Haddad na cerimônia, que aconteceu na Biblioteca Mario de Andrade? Ela foi dita premeditadamente ou saiu no meio do discurso naturalmente?

No curto discurso de cerca de 5 minutos, ele também falou outras coisas significativas: pronunciou três vezes a palavra “espírito”, num sentido que soou para mim, obviamente, não como qualquer alusão a misticismo, mas como categoria filosófica, com uma conotação iluminista.

Haddad disse ainda – já que estava num evento de cultura, onde havia cineastas e produtores culturais, embora o assunto do dia fosse o IPTU – que a cultura é mais importante à sociedade do que a política, e aqui não coloco entre aspas porque a citação é de memória, mas o sentido é literalmente esse.

Na política, como se sabe, fala-se mais nas entrelinhas do que na superfície do texto. Haddad – formado em Direito, mestre em Economia e doutor em Filosofia pela USP – não é nenhum bobo.

Ele teve um ano duro. Como prefeito, foi engolfado pelas manifestações de junho e posteriormente atacado ao mesmo tempo pela mídia, pela oposição e até por setores da esquerda. Perdeu seu secretário de Governo, Antonio Donato, que caiu vítima das denúncias de corrupção sobre a “máfia dos fiscais”, cuja elucidação foi possível principalmente pela ação da Controladoria Geral do Município, que o próprio governo Haddad criou.

O corredor de ônibus foi outro problema. Nesse caso, até a mim – que defendo a prioridade do transporte púbico sobre o automóvel – a medida conduzida pelo secretário Jilmar Tatto pareceu um pouco precipitada e mal feita, sem estudos prévios sobre o impacto e sem o devido esclarecimento à parcela da classe média que ajudou a eleger Haddad em 2012.

Enfim, Haddad descobriu na prática que sua excelente gestão como ministro da Educação não era condição suficiente para governar a maior cidade da América do Sul sem ter de se relacionar com as comezinhas e mundanas necessidades da pequena política.

É notório que ao prefeito de São Paulo incomoda muito a tal pequena política. Parece estar claro que a necessidade de conviver bem com um acordo em âmbito nacional do PT com o PSD de Gilberto Kassab está longe de ser seu sonho político.

Assim como saber que o mesmo Paulo Skaf que, como presidente da Fiesp, combateu e venceu no Judiciário sua proposta de fazer do IPTU um imposto mais justo e progressivo, é paparicado pelo PT paulista e nacional, por Lula e pela presidente Dilma, como eventual aliado no segundo turno das eleições para governador de São Paulo em 2014. Como se sabe, Skaf é o “candidato próprio” do PMDB que Michel Temer quer emplacar no estado, como parte da estratégia de tentar levar a eleição ao segundo turno e finalmente vencer o tucano Geraldo Alckmin, seja com Skaf, seja com Alexandre Padilha.

O prefeito estava visivelmente contrariado na sexta-feira, na Mario de Andrade, dia em que o STF do honorável Joaquim Barbosa manteve na última instância a liminar obtida pela Fiesp contra o IPTU e a reformulação da planta genérica do município. “A Casa Grande – disse, referindo-se à Fiesp e a Skaf – não deixa a desigualdade ser reduzida na velocidade que a gente deseja”.

Ele parecia manifestar uma certa perplexidade com a feroz oposição da elite paulistana a uma reforma urgente da planta do município rumo a uma cidade mais justa. Uma ferocidade mais real, talvez, do que ele previa.

Acho provável que em 2014 o governo Haddad comece a ser entendido por parte da população que hoje está ressentida porque ainda não assimilou sua proposta de governo. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Como nosso prefeito Haddad, fico também contrariada (às sextas e demais dias da semana), com o dito por dito prefeito sobre não deixarem a desigualdade ser reduzida... etc., a propósito da liminar obtida pela Fiesp contra o IPTU. Oras, é preciso dizer coisa com coisa, um pouco de coerência em meio à idiotice reinante seria bem-vinda. Falar em redução da desigualdade, quando sabemos (todos sabemos?) que muitos, em equiparada condição financeira, não pagam IPTU? A cidade de São Paulo é como um condomínio mal e porcamente administrado onde alguns pagam a conta de todos.
Tania Lima.