terça-feira, 11 de junho de 2013

Blitz evangélica contra o Estado laico, a cidadania, as mulheres e a ciência



A garantia do Estado laico obsta que dogmas de fé determinem o conteúdo de atos estatais. Concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada.” (Marco Aurélio Mello, ministro do STF, em julgamento que autorizou o aborto em casos de anencefalia)


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A ciência também está na mira da blitz evangélica
É com justa indignação que todas as pessoas preocupadas com cidadania, estado laico e conceitos afins devem encarar a atual conjuntura, embora não seja, para mim, crível que um projeto com o teor obscurantista e medieval do tal Estatuto do Nascituro venha a vigorar no país.

Até porque, no limite, o Supremo Tribunal Federal deve fazer valer seu “poder de veto”, digamos assim, já que há pouco mais de um ano a corte convalidou o estado laico e o direito da mulher ao autorizar o aborto em casos de anencefalia.

No voto que proferiu no julgamento citado, o ministro Marco Aurélio argumentou: “O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido”.

Será meramente o medo de perder votos diante de argumentos moralistas desprovidos de qualquer senso científico o que cala o governo Dilma diante da atual blitz evangélica? A chamada bancada evangélica conta com 70 deputados e 3 senadores. Corresponde a 13,6% dos 513 deputados, 3,7% dos senadores e 12,2% do conjunto do Congresso Nacional. O silêncio do governo e de seus principais líderes diante do avanço pentecostal é um mistério matemático.

Politicamente, o cálculo político do governo e da chamada esquerda pode estar se equivocando gravemente, como aconteceu na “omissão ou leniência” do PT, como me disse o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) outro dia, que redundou na “tomada” pelos parlamentares de Cristo da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara.

O monstro chamado Estatuto do Nascituro é a contra mão de tudo o que vem acontecendo no mundo, apenas para ficar no exemplo mais recente. Como lembram organizações feministas em petição divulgada contra esse projeto espúrio, ele “amplia a criminalização do abortamento para as situações que hoje são permitidas por lei”. Até mesmo as mulheres que têm o direito ao acesso ao aborto previsto em lei seriam criminalizadas: nos casos de risco de vida, de estupro e de fetos anencéfalos, que o Supremo Tribunal Federal considerou constitucionalmente válido há pouco mais de um ano.

“O projeto torna a maternidade compulsória mesmo para as vítimas de estupro que serão obrigadas a suportar a gravidez resultante do crime”, lembra a petição. “A situação é especialmente preocupante considerando o grande número de crianças e pré-adolescentes grávidas em decorrência de abuso sexual”. 

“O projeto obrigaria vítimas de pedofilia a suportar gestações que, além de traumáticas, são de alto risco, pois seus corpos não estão completamente formados. É uma situação análoga a da tortura, tratamento cruel, desumano e degradante”, continua a petição das feministas.

Quem tiver a curiosidade de acessar a íntegra do projeto na Câmara dos deputados verá que ele reza no parágrafo único do artigo 2°: “O conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos in vitro, os produzidos através de clonagem ou por outro meio científica e eticamente aceito”. Ou seja, até mesmo as pesquisas com células tronco, também já autorizadas pelo Supremo, seriam banidas.

É algo definitivamente assombroso o parecer Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovado na semana passada. Parecer, lembremos, do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro.

Segundo a deputada Érika Kokay (PT-DF), uma das poucas que têm se manifestado, “eles fazem parte de uma articulação para a construção de um projeto de poder baseado num estado onde uns podem amar, outros não; uns têm direito, outros não. Tomaram a comissão [de Direitos Humanos] para a construção desse projeto”.

Não acho que chegue a tanto. Mas seguro morreu de velho. "É preciso estar atento e forte."



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