Exceto Chico, que detestava palcos, esses grandes artistas eram míticos, para nós. Meus irmãos, meus amigos e eu tivemos o privilégio de assistir aos shows numa época em que não havia essas casas de espetáculos horrorosas e impessoais de hoje. Víamos nossos ídolos no teatro. O show “Álibi”, de Maria Bethânia, no Tuca (teatro da PUC), em São Paulo, no ano da graça de 1978, é um desses acontecimentos que nunca mais se descolam de nossas retinas tão fatigadas. Bethânia levava-nos às lágrimas com seu domínio absoluto do palco, sua voz que ecoava como a de um orixá poderoso. Nunca esquecerei o brilho dos olhos de Bethânia que eu via cintilar do fundo da escuridão onde nos encontrávamos, na plateia.
Foto da capa do disco "Pássaro da Manhã" (1977) |
Qualquer cidadão pode inscrever um projeto cultural no Ministério da Cultura para obter recursos de isenção fiscal? OK! Vá lá então apresentar seu projeto, cidadão brasileiro. A Constituição de 1988 diz expressamente em seu artigo 5°: “Todos são iguais perante a lei”. Mas qualquer cidadão mais informado sabe que essas palavras são letra morta. Com a cultura, não é diferente.
Os interesses da indústria cultural
Ao que tudo indica, a política de Ana de Hollanda serve para agradar interesses muito específicos. Uma matéria esclarecedora sobre o tema é "Quem tem medo da mudança?", de Tatiana de Mello Dias e Rafael Cabral, do Estadão. Uma política mais democratizante, que passasse pela reforma da lei dos direitos autorais, estaria desagradando altas personagens da indústria cultural e do próprio governo dos Estados Unidos. “Com os norte-americanos insatisfeitos, o Brasil poderia começar a sofrer retaliações comerciais. Por isso, o novo MinC teria decidido se alinhar à cartilha dos grandes conglomerados da música e do cinema”, informa a matéria, que ouviu Pablo Ortellado, do Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação, da USP. “As pequenas ações da ministra apontam basicamente para a realização da agenda da indústria cultural”, disse ele.
Por tudo isso, e por muito mais, é que Bethânia se tornou o foco de tantos protestos e críticas. Acredito que em sua grandeza Bethânia deve saber disso.
Com todo respeito, acho totalmente enviesado o post do cineasta Jorge Furtado, em seu blog, intitulado: “A gritaria contra o blog de Maria Bethânia é uma mistura de ignorância, preconceito e mau-caratismo”. Entre outras coisas, ele atribui a “gritaria contra o blog” de Bethânia ao “preconceito contra os nordestinos”, até com piadas vindas do “gueto branco direitista no enclave paulista, enfim, os eleitores de Kassab e Serra”. O texto, que, pelo menos segundo o próprio autor, faz sucesso na internet, é inteiramente baseado em sofismas.
No meu caso, não há nenhum preconceito. Até porque, sendo paulista, eu amava Maria Bethânia e minha avó materna, a dona Milu, era baiana.
Claro, cada um defende o seu. Essa parece ser a regra a guiar os alinhados à atual ministra da cultura. Não sei se Jorge Furtado sabe (tenho quase certeza de que sim), mas a produção de cinema na Bahia existe. Só que não encontra canais de distribuição, porque não interessa à indústria cultural, cujo ideário (os fatos são cada vez mais claros) está bancando a poderosa Ana de Hollanda no MinC.
*Atualizado às 14:14
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3 comentários:
Boas colocações Edu.
Acrescento que o problema das cartaz marcadas na Rouanet não é tanto a aprovação do projeto no MinC. Lá, os projetos formulados dentro das normas conseguem aprovação.
O problema é captar o recurso, pois aí quem decide quem é que vai existir na cultura brasileira são os diretores de marketing das grandes empresas, que entendem de visibilidade mas não sabem nada de qualidade e valores culturais.
Na prática, quem ganha dinheiro são os grandes projetos que veiculam grandes marcas (com dinheiro federal, sem que a empresa tire um centavo do bolso), e os pequenos fora dos grandes mercados continuam na base da cultura compartilhada e amadora.
Em resumo, concordo contigo.
É, Maurício. Tava me incomodando um pouco a falta de observação da velha frase filosófica: "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa". Porque se é verdade o que observamos sobre a situação do MinC etc etc, também não é o caso de desrespeitar Bethânia, né, ressalvando, claro, a discordância com os tais sofismas que cito no post.
Tinha faltado o link da matéria citada dos jornalistas do Estadão. Agora está lá.
Abs
Bem esclarecer seu texto, Edu, e bem oportuno também lembrar que a Bethânia é uma baita artista e merece ser tratada com seriedade. O buraco é bem mais embaixo, como lembrou o primeiro comentarista do seu texto.
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