sexta-feira, 18 de março de 2011

Brother, não seja burro, você tem que entender que a visita de Obama é importante


Valter Campanato/ABr
 Com todo o respeito, mas uma parte da “esquerda” brasileira ainda não saiu da adolescência política. Exemplo: a visita oficial de Barack Obama ao Brasil, que começa no sábado, 19, dia de São José e de lua cheia. Dá pra ver essa imaturidade irritante pelo twitter. Figurinhas carimbadas (ou que se consideram carimbadas, com milhares de seguidores) acham, claro, que receber bem o presidente dos Estados Unidos é subserviência, que a política de Obama é um fracasso, que Obama é um mero perpetuador do império, que Obama é quase a besta do Apocalipse. Que o governo de Dilma Rousseff está traindo o legado de Lula, que o governo cortar R$ 50 bilhões do orçamento e a aprovação do salário mínimo em R$ 545 provam que Dilma parece até ser contra os trabalhadores (tente ler a entrevista da presidente ao Valor Econômico do dia 15).

Ao ler essas babaquices muito prestigiadas por veículos de imprensa de “esquerda”, opiniões dos que se acham muito poderosos por causar rebuliço no twitter, você pode nem perceber, mas está lendo versões muito apropriadas para o que a direita republicana estadunidense e demo-tucana brasileira querem que você pense. Boa parte da “extrema” esquerda brasileira é de direita. Não sei se é consciente ou inconsciente.

Entre os países, o Brasil é hoje provavelmente a mais importante liderança emergente mundial, cujo apoio, política e economicamente, é mais cobiçado do que o da Índia, da China ou da Rússia. Isso começou com Lula, a quem Barack Obama, logo após ser eleito, se referiu dizendo: “esse é o cara”.

As pessoas precisam entender que não existe mais Libelu. Que o PCdoB não é mais do que um PMDB (muito) menor. Que o Brasil está inclusive deixando de ser um mero país emergente. Que o Brasil é grande. E que o Brasil ter os Estados Unidos como um interlocutor que nos respeita está de acordo com os paradigmas do século XXI. Que Brasil e Estados Unidos precisam ter bom diálogo como grandes países da América. E que os Estados Unidos e seu presidente sabem disso.

Eu também não concordo com Guantánamo. E acho que a presidente Dilma tem que se posicionar sobre o Ministério da Cultura, por exemplo. Mas um homem ou uma mulher não podem num passe de mágica mudar os rumos de um país ou de um império. Um homem negro norte-americano e uma mulher brasileira.
Reprodução

Os brasileiros governados por Dilma Rousseff, mas sobretudo seus eleitores, deveriam entender a visita do presidente Obama ao país na conjuntura assim anunciada pelo chanceler Antonio Patriota: “O Brasil quer uma relação de igual para igual. As circunstâncias no mundo de hoje favorecem isso”.

De resto, que vão à merda os esquerdistas de direita e os direitistas de esquerda. São todos iguais.

PS: podem me chamar de politicamente incorreto, mas eu não uso nem usarei o termo “presidenta”. Esse papo virou mais uma neurose esquerdozóide.

8 comentários:

Anselmo disse...

o começo do governo dilma está mais à direita do que o final do governo lula. precisaríamos discutir, no bar, se a dinâmica permanece ao serem pareados os primeiros anos de cada qual. 2011 x 2003, Palocci-Mantega x Mantega-Miriam Belchior.

mas dilma não é lula, nem na costura política, nem nas metáforas, nem nas prioridades.

o q não entendi é de qual esquerda vc tá falando. é uma turma q acha o lula legal? Se sim, fica mais estranho, já q o sapo barbudo recebeu, do obama, o elogio do século. e ainda ciceroneou George W. Bush, este filantropo.

Sobre o presidenta... não acho que seja vital nem imprensindível. Mas tampouco acho um crime, ainda menos equívoco, porque tem seu simbolismo. Mudar de "presidente" pra "presidenta" só pq a Dilma assumiu me parece ruim, já que a Michelle Bachelet e a Cristina Kirchner vieram antes e foram tratadas da forma masculinizante durante o mandato todo.

Mas o simbolismo ganha importância qdo a gente se envolve...

Luiz Fernando Santos disse...

Meu caro Edu,

Concordo quase plenamente com o seu ponto de vista. Ainda que não houvesse uma agenda econômica importante, da qual o Brasil pode se beneficiar ao manter relações econômicas e comerciais com os Estados Unidos, ainda haveria a questão diplomática, terreno no qual, obrigatoriamente, alianças, ambições, embates e traições entre os países devem ocorrer.

Considerando uma hipótese absurda e remota de os EUA abrirem mão de sua agenda belicista _motor da concentração de seu capital_ uma aliança profunda entre Brasil e Estados Unidos é uma das vias de se conter a ação do capitalismo de Estado chinês no continente e do impacto que pode causar sobre a economia local de vários países, entre os quais o Brasil. É delírio puro, eu sei, mas é uma forma de se avaliar, por exemplo, a dinâmica atual e o quase inevitável início de uma supremacia chinesa no mundo.

[ Olhe só, até a natureza parece conspirar para que essa supremacia se consume na bacia do Pacífico com a síndrome de caos instalada no Japão ]

Voltando mais especificamente para aqueles pontos da gestão Dilma, e o que os tolos ou puristas ou mal-intencionados sempre esquecem é de que vivemos no capitalismo. A lógica produtiva que organiza o mundo a um bom tempo e que já deixa lastros profundos na cultura e valores quase mundialmente homogêneos é capitalista.

Individualmente, podemos ou não acreditar em uma possibilidade de utopia, seja qual for, capaz de resgatar um sentido de esperança, solidariedade e ética com o próximo, capaz de ultrapassar a sempre presente miséria humana. Mas, até lá, temos de nos movimentar dentro das limitações do presente e o que podemos trabalhar.

Além do mais, mesmo com as diferenças estruturais entre um ideal político libertário e humanista em contraponto com outro que não está nem aí para o Outro, um aspecto subjacente que se mantém quase inalterado é a questão do poder, suas prerrogativas, liturgias e lógica – Maquiavel mantém-se atualíssimo em sua análise sobre a questão.

Ou seja, à direita ou à esquerda, aqueles que criticam Dilma e seu esforço de início de governo, não são capazes ou não querem compreender que dinâmica de organização do poder transcende as plataformas políticas.

Por fim, discordo do presidente aplicado à mulher. È presidenta mesmo, é como alguém do povo, “esse inventa línguas”, falaria. Tenho dito.

Anônimo disse...

Artigo simplesmente brilhante!

Anônimo disse...

Porém, discordo quanto ao uso do termo "presidenta", que pra mim é o correto.

Eduardo Maretti disse...

Caros, eu não tenho nada contra que se use o termo presidenta. O que me irrita é a pessoa ser patrulhada, rotulada e babaquizada (!) por preferir presidente. Se o masculino fosse "presidento" ... seria outra situação, mas "presidento" não existe.

Quanto à dinâmica política e outras, Anselmo, com certeza (como diriam todos os jogadores de futebol) o melhor palco de discussão é mesmo o bar.

Olavo Soares disse...

Texto sensacional, Maretti. O endosso do começo ao fim.

Felipe Cabañas da Silva disse...

Edu, eu acho que você expressa com coragem e sem papas na língua algumas indignações relativas a pessoas ou instituições tradicionalmente enquadradas ou auto-enquadradas sob o rótulo "de esquerda".
No entanto, precisamos ter um certo cuidado com a rotulação para não cairmos em generalizações apressadas.

Mas de fato podemos identificar um contexto em que reina uma certa "esquizofrenia ideológica", em que certos absurdos, como "esquerdistas de direita" e "direitistas de esquerda", já não nos parecem em conflito com a lógica.

Se pararmos para observar que na Europa os verdes foram aliados fundamentais dos liberais no desmantelamento do Estado de Bem Estar, que a América Latina viu chegar ao poder uma esquerda comprometida com o fortalecimento do status quo macroeconômico (Bachelet, Kirchner, Lula e Dilma, Tabaré Vasquez e José Mujica, Rafael Correa), e que os trabalhistas britânicos foram grandes parceiros da extrema-direita estadunidense, passa a fazer sentido aquela ideia tipicamente pós-moderna de que direita x esquerda são conceitos que perderam seu sentido histórico.

Começam a surgir os "direitistas de esquerda", "esquerdistas de direita", "direitistas independentes", "esquerdistas conservadores", "marxistas de direita" - outro dia vi uma entrevista na Folha de uma nova escritora argentina que estará presente na Flip (muy guapa por sinal) que se dizia "marxista de direita". Agora, eu pergunto: uma pessoa que diz uma asneira desse tipo tem alguma ideia do que está falando??

Eduardo Maretti disse...

Aê, velho Felipão - hehe. Sempre presente com seus comentários pertinentes. "Esquizofrenia ideológica", gostei. E acho que a fulana não tem ideia mesmo do que está falando...