“Como o Mal é forte!”
A frase acima é de Hendrik Höfgen, principal personagem do livro Mefisto, de Klaus Mann. A obra (da editora Estação Liberdade), que acabo de ler, estava há cerca de dez anos em minha estante e, por algum motivo, eu ainda não havia lido.
O romance aborda a ascensão de um ator de teatro provinciano durante o período da Alemanha nazista e sua relação simbiótica com os donos do Terceiro Reich: ele, servindo como uma espécie de brinquedo aos donos do poder e, por sua vez, valendo-se de suas relações com os altos membros do partido Nacional Socialista de Adolf Hitler para conseguir sucesso, fama e riqueza. Uma espécie de metáfora do pacto com o diabo – tema tantas vezes utilizado na literatura, como em Fausto, de Goethe (livro baseado em uma história popular da Alemanha), e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
Mas, no caso de Mefisto, a abordagem é totalmente desprovida de qualquer aspecto metafísico e/ou religioso, resumindo-se ao caráter objetivo das relações entre arte e poder, fato que impede que sua leitura seja objeto de um encantamento, por assim dizer, que as relações com o invisível dão a outras obras que abordam o tema do pacto.
Do ponto de vista formal, o livro não é uma obra-prima e tem alguns problemas, uns mais, outros menos graves. Um que me parece um vício narrativo incômodo: cada personagem que aparece pela primeira vez em Mefisto é apresentado a partir de seus traços físicos e vestuário, o que a partir de certa altura começa a se tornar enfadonho. Esse modelo, ou essa forma, digamos, naturalista da narrativa quanto ao aspecto das personagens, compromete a fluência da leitura, truncando-a: penso que, se para o autor é tão importante que haja uma descrição tão minuciosa da forma da sobrancelha, dos olhos, da testa, do queixo e das roupas de todos os personagens, isso tem de ficar mais diluído ao longo da narrativa, justamente para não truncar, não se perder a fluência e a espontaneidade.
Outro ponto, este ainda mais grave, é a permanente intromissão do narrador, com suas opiniões, seja diretamente, seja por meio de ironias pouco sutis, na narrativa. Ok, o nazismo e tudo o que o engendrou é abominável. Mas esse caráter horrendo da realidade histórica ou romanesca e de seus protagonistas não justifica que o autor use o narrador para opinar permanentemente, o que tira do leitor a prerrogativa ou o benefício da ambigüidade, da dúvida e do mistério, características de todo grande romance.
Seja como for, e ressalvas feitas, é bastante interessante a experiência de ler Mefisto de Klaus Mann. Aparadas as arestas acima criticadas, vale a pena ler. Leia.
Um modelo real
Para escrever Mefisto e construir a história de Hendrik Höfgen, o personagem central, Klauss Mann usou um modelo real: seu ex-cunhado Gustaf Gründgens, que foi casado com a irmã de Mann, Erika, o que o autor nunca admitiu. Mas a verdade é que a obra, de 1936, ficou mais de 40 anos proibida na Alemanha, porque a justiça considerou que difamava a imagem do ex-cunhado de Mann. De fato, não há como negar as enormes semelhanças, ou melhor, mais do que isso, o paralelismo entre o personagem Höfgen e o cunhado Gründgens. Ambos são atores extraordinários, talentosos, ambiciosos e, para culminar, chegaram ao auge em dois momentos: o artístico, quando interpretam nos palcos o Mefistófeles, em peça baseada no Fausto de Goethe; e o pessoal, quando o personagem Höfgen, assim como seu modelo, chega a um alto cargo ligado à cultura na Alemanha nazista, graças a suas relações com o poder. Hendrik Höfgen, o ator fictício, vive um drama de consciência, que procura aplacar interferindo a favor de um ator comunista contra a repressão nazista. Consta que o homem Gustaf Gründgens, de fato, aproveitando sua íntima relação com o nazismo, ajudava perseguidos políticos.
Reprodução
O escritor Klaus Mann |
O autor, Klaus Mann, é filho do grande escritor Thomas Mann e teve com o pai uma relação conturbada. Nascido em Munique em 1906, Klaus Mann sofria de depressão e morreu de uma overdose de sonífero em 22 de maio de 1949, em Cannes.
Agora que li o livro, vou assistir ao filme Mephisto (1981), dirigido por István Szabó, baseado no livro (muito raramente eu assisto a filmes feitos a partir de obras literárias antes de ler as próprias). Depois faço um adendo aqui ou escrevo outro post sobre o filme.
Homem bom
Mefisto tem muitas semelhanças interessantes, em relação ao tema cultura e poder, com o excelente filme O Homem Bom, do diretor Vicente Amorim, já abordado neste blog: neste link.
2 comentários:
O livro eu não li, mas o filme, com o grande Klaus Maria Brandauer, eu vi e gostei bastante.
Pois é, quero ver o filme, que dizem que é muito bom, mas o difícil é achar o DVD. Não achei em locadora (ainda sou do tipo de locadora)...
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