Perdida como cachorro que cai de mudança desde o processo eleitoral do ano passado, a oposição agarrou-se ao caso Palocci como aquele ator esquecido e decadente que de repente se descobre no palco, representando o papel principal de uma peça meia-boca, e a ela se entrega como nos tempos em que era Hamlet.
Como sempre, a euforia da claque reverbera na mídia, e chega uma hora em que ninguém sabe o que vem antes, se o ovo ou a galinha, ou melhor, se as notícias e manchetes cozidas e requentadas ou os comentários dos “atores” políticos eufóricos com a sensação de protagonismo que lhes proporciona a claque.
Particularmente, nunca achei que Palocci devesse ter voltado ao coração do governo. Se é um homem da conta de Lula e se, por ter a simpatia da Fiesp, o governo e Dilma acharam que seu telhado de vidro seria poupado, foram ingênuos e caíram na armadilha. Desde sempre, Palocci era um alvo fácil. Mas, se Palocci era um alvo fácil desde o princípio, agora, como escreveu Miguel do Rosário no blog
Óleo do Diabo, “A guerra começou, e o governo Dilma não vai ganhar pontos se demitir Palocci por conta de acusações sem prova”. A guerra que esperávamos desde a eleição de Dilma começou. A mídia, como fez desde o primeiro mandato de Lula, não vai descansar enquanto, se puder, não queimar todos os quadros do PT que ameaçarem, inclusive, o reinado interminável da direita no Estado de São Paulo. E, por isso, que se cuidem figuras como o prefeito de Osasco Emidio de Souza, por exemplo, entre outros paulistas.
Curioso é que até o ministro-chefe da Casa Civil demonstra ingenuidade. Por exemplo, ao ser perguntado por Julio Mosquéra, na TV Globo, dia 3, sobre por que não apresentava provas de sua inocência (pergunta também ingênua), Palocci se esforçou e não conseguiu apontar o mais óbvio: quem tem que apresentar provas não é quem acusa, cara pálida, segundo a Constituição do Brasil?
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Presença de Chávez é usada com ironia.
Foto: Antonio Cruz/Agencia Brasil |
Voltando à decisão de Roberto Gurgel: afinal, não estavam todos esperando que o procurador-geral da República, no tempo de Geraldo Brindeiro conhecido como “engavetador-geral da República”, concluísse seu relatório? Pois, no documento em que conclui pelo arquivamento, o atual procurador-geral Roberto Gurgel diz que as quatro representações propostas pela oposição [PPS, DEM e PSD] “não vieram instruídas com qualquer documento. Nenhum elemento que revelasse, ainda que superficialmente, a verossimilhança dos fatos relatados”. Gurgel relatou também que “as representações ora em análise e as matérias jornalísticas a que se referem não contêm, reitere-se, a descrição de um único fato que constitua causa idônea e hábil a autorizar o requerimento de quebra de sigilo do representado, de sua empresa e de eventuais clientes”.
Arquivado o caso, o teatro do insólito jogo do ovo-e-da-galinha na imprensa segue célere. "Queremos manter viva a investigação e estamos estudando os caminhos jurídicos para isso", vocifera o ínclito líder do DEM, Antônio Carlos Magalhães Neto (BA). A Folha dá manchete usando o verbo, para exprimir a indignação de tantos, como o deputado baiano, que partilham da luta do grupo Folha por um Brasil melhor: “Procurador-geral poupa Palocci de investigações”.
No Uol: “Oposição quer explicações de procurador sobre caso Palocci”. Numa brincadeira mental sem maiores intenções, vejo a chamada invertida e a leio: “Oposição: Uol quer explicações de procurador sobre caso Palocci”.
Em vários veículos na Web, repercute opinião da OAB, segundo a qual a decisão de Roberto Gurgel é “uma senha para a impunidade neste país”.
E a ansiosa Dora Kramer, do trono da moralidade em que vislumbra a pátria livre da corrupção e de qualquer sombra de impunidade, sentencia: “o que se tem é uma presidente à frente de um governo refém das circunstâncias e das pressões”.
Para terminar. A presença do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ontem, no Brasil, claro, é também capitalizada, subliminar ou ironicamente, na cobertura do caso Palocci. Como se o fato, bastante destacado, até em espanhol, de o demoníaco venezuelano ter dito a Palocci “Fuerza, fuerza” fosse a prova mais cabal da verdade escondida.
*PS: Depois de postar é que vi a informação extraordinariamente relevante postada pelo Fernando Rodrigues em seu blog. Segundo ele apurou com o “perito em veracidade” Mauro J. Nadvorny, na entrevista ao JN dia 3 Palocci não foi “verdadeiro” ao atribuir o aumento do faturamento de sua empresa no fim de 2010 ao encerramento dos contratos de consultoria que possuía.
A importância de tal informação é comparável à do ano passado, quando, em pleno processo eleitoral, o gênio da astrologia Oscar Quiroga, do Estadão,
previu que José Serra seria eleito presidente da República.
A Era Vargas
A propósito de tudo isso, vem muito a calhar o lançamento em DVD da caixa com três filmes de Eduardo Escorel, A Era Vargas. Para quem gosta de história, da história que se repete, como farsa ou não, é um prato cheio. Vou postar em breve comentários sobre a obra.
*Atualizado às 16h01